O ser humano vive em sociedade, pois somos seres sociais, isto é, não conseguimos viver isolados, necessitamos do contacto com os outros para ter sentido a nossa vida. Mas reagimos de formas muito diferentes, temos personalidades tão distintas que, em algum momento da nossa vida, já fomos magoados e já magoamos alguém.
O pai que, esgotado do trabalho, reage de forma bruta e ríspida e magoa o seu filho amado; a esposa que humilha o marido; a irmã que diz palavras duras e inicia uma brecha no relacionamento entre irmãos; o tio que abusa da sobrinha; a filha que se revolta contra os pais; a tia que diz calúnias do sobrinho; o neto que maltrata os avós; a prima que rouba a família; a vizinha que difama o casal; o sogro que agride o genro, ou que o mata, entre tantas outras situações. Umas mais fáceis de perdoar outras que parecem impossíveis de dar o perdão.
Há que ter em conta que uma ofensa cria um mar negro revolto, crispado dentro de nós, repleto de revolta, dor, fúria, rancor, raiva, ódio. Estes sentimentos negativos vão ganhando espaço no nosso interior e só somam mais dor, angustia, mal-estar e um emaranhado de emoções que a pessoa deixa de conseguir identificar e gerir as emoções que lhe surgem. Com tanta negridão dentro de uma pessoa, ela começa a reagir de forma negativa e alastra a outros campos da sua vida: pessoal, social e saúde emocional e física. A pessoa torna-se triste, abatida, depressiva, revoltada, mal-humorada, instável, conflituosa, reativa na resposta perante os outros, torna-se fria no contacto com os outros, insensível até. Começa a demonstrar sintomas de ansiedade, depressão, stress, tensão alta, ataques de pânico. É muito comum surgirem sintomas psicossomáticos como, dores inexplicáveis na coluna/cabeça, problemas gastrointestinais, sensação de falta de ar, aperto no peito, entre vários outros sintomas que se desencadeiam pela falta de perdão.
Existem várias pesquisas que demonstram o que detalhei em cima. Cito um livro “Forgiveness and health” de Toussaint, Worthington e David R. Williams (2015), onde relatam os benefícios do perdão e demonstram que o perdão atua, fisicamente, no nosso corpo:
– na redução do stress é, provavelmente, o maior benefício do perdão. A falta de perdão causa stress crónico que é prejudicial para a nossa saúde e o perdão ajuda a libertar essa carga tóxica que o stress crónico provoca;
– na raiva tóxica (raiva muito profunda e duradoura), quando ela baixa os músculos relaxam, diminui a ansiedade, há mais energia, sistema imunitário mais forte;
– na diminuição da ansiedade, sintomas depressivos, e outros distúrbios psiquiátricos.
Perdoar é uma arte, não é tarefa fácil, não se faz de um momento para o outro, pois dependendo da situação pode levar tempo para elaborar o sofrimento dentro da pessoa e iniciar um caminho de perdão.
É muito comum dizer-se “Vá, perdoa isso e esquece” ou “Vá deixa isso ir embora, perdoa”. Perdoar não é só deixar ir, esquecer, andar para a frente, é muito mais do que isso. Enright, psicólogo e pioneiro no estudo sobre o perdão, diz que o perdão oferece algo positivo que é a empatia, compaixão e compreensão para com a pessoa que nos magoou. Estes elementos tornam o perdão tanto uma virtude, como um construtor poderoso.
Perdoar não é o mesmo que justiça e não requer a reconciliação. Portanto, uma pessoa vítima de agressão pode perdoar o agressor e isso não invalida que ele seja punido por lei. Da mesma forma, a vítima não precisa de se reconciliar com o agressor, pois essa reconciliação pode colocar a vítima em risco e acarretar novas agressões. Neste sentido, a vítima pode perdoar o agressor, encontrando caminho para a empatia e compreensão, mas sem estabelecer nenhuma relação com ele, nem precisa de se encontrar com ele para lhe dar o perdão, pois este não acontece fora de mim, mas dentro de mim mesmo. É um movimento interno. Neste sentido, posso perdoar, inclusive, alguém que já faleceu.
Podemos, pois constatar, que existem boas razões para perdoar. Percebemos que o perdão liberta a tensão interior e todo o mar de negatividade que carregamos dentro de nós que nos conduz a mal-estar emocional e físico. Quem se recusa a perdoar, tem aqui boas razões para começar a ponderar iniciar um caminho de perdão.
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