Após a perda de uma pessoa querida e significativa em nossa vida, a vivência do luto é uma experiência de adaptação que envolve um ritmo não linear, ou seja, cada pessoa passará pelo luto de uma forma diferente e particular. Quando pensamos na nossa sociedade ocidental há uma tendência ao afastamento da ideia da morte que se foi estabelecendo ao longo das gerações. Deste modo, ficamos com dificuldade para pensar a questão da morte e do morrer enquanto processo e significado. A construção dos significados relacionados à morte sofreu adaptações e 3 elementos podem ser indicados a essa dificuldade de lidar com a morte:
- Sugere-se uma ocultação da morte, que ela não exista na sociedade, evita-se falar sobre isto, uma vida quase que eterna é enaltecida;
- Quando a morte foi transferida para os hospitais, ficou distanciada das famílias. Hoje, ao falarmos sobre cuidados paliativos, esta linha afirma que o paciente deve ser respeitado para querer uma morte digna e muitas vezes, próxima da família, ou seja, dentro da sua casa;
- A extinção do luto, como algo que não se deva viver ou ainda, não se deva sofrer por ele. Lidar com a finitude parece que precisa ser findado no momento do enterro ou cremação do falecido, o que não é verdade.
As consequências do luto
A experiência do luto afetará uma série de sentimentos e aspectos da nossa vida, tais como aspectos emocionais, permitindo vivências de raiva, de ansiedade ou depressão, de falta de sentido por não estar mais com a pessoa. O físico também é efetivamente comprometido, podendo apresentar choro, fraqueza, stress, dor de cabeça e dores corporais, falta de concentração e dificuldade na memória. A espiritualidade também fica afetada, pode acontecer uma crise de fé, raiva, questionamento dos valores, ou mesmo dos motivos que Deus teria, por exemplo, para ter “levado aquela pessoa” ou “permitido o seu sofrimento”. No campo social também nos vemos comprometidos, uma vez que algumas pessoas podem optar pelo afastamento ou isolamento, ou ainda, tenha a sensação de não saber mais estar no mundo sem a pessoa que faleceu. Isso ocorre muito nos casais, uma vez que a na união acontecia a partilha da vida como um todo, dos projetos, desejos etc.
Como temos diferentes experiências com a morte e o morrer, é importante que tenhamos a sensibilidade de compreender o que o outro está a viver. Frases como: “Ele (a pessoa que faleceu) não gostaria de ver-te a chorar, ficaria triste”, ou ainda, “Ah, mas ela (a pessoa falecida) ficaria muito chateada de te ver a chorar” não ajudam a viver o luto.
O luto vivido na pandemia
Neste ano, em especial, vivemos uma experiência muito diferente ao relatarmos as mortes por Covid-19. Quando a morte é um processo quase que certo decorrente de uma doença que se agrava com ou sem hospitalização, de certa forma, vamo-nos preparando para aquele momento. Mas, quando vemos pessoas queridas a falecer e passamos pela perda sem os rituais de despedida, ou mesmo das visitas hospitalares, torna-se mais difícil de superar.
Muitos já perderam a vida nestes meses de pandemia e vemos familiares em sofrimento e com sintomas maiores de raiva ou depressão, isolamento ou dificuldade para se ajustarem aos seus papéis familiares e sociais, visto que algumas famílias perderam vários membros, ou amigos perderam vários amigos.
A ausência dos rituais relacionados ao funeral, aos ritos religiosos e de despedida dos falecidos impostos por esta emergência sanitária que, por sua vez, foi imposta pela pandemia, obrigou-nos a realizar despedidas breves, quase inexistentes e, em alguns casos, nulas. Neste sentido, é muito importante que as famílias, dentro dos limites seguros e possíveis, possam realizar estas despedidas, mesmo que tardiamente, para que essa passagem possa ser vivenciada. Isto porque os velórios são a expressão de parte dessa elaboração do luto e até mesmo do suporte social que não temos recebido devido ao distanciamento.
Atenção!
Cada pessoa assimilará as suas perdas de forma muito particular, munindo-se ou não de esperança vinda da sua espiritualidade e religiosidade, do suporte social e, ainda, vivendo com essas fases, que vão desde a negação e raiva até à aceitação.
Cada pessoa, ao seu tempo, viverá essa situação, mas caso o luto se prolongue ou esteja a trazer prejuízos na nossa vida diária, é recomendado procurar orientação e acompanhamento psicológico. Superar o luto não é esquecer a pessoa querida que faleceu, e sim trazer à memória a lembrança e o que foi vivido de facto; dar um novo sentido à vida e adaptar-se a este novo tempo.
Elaine Ribeiro
Psicóloga Clínica pela USP – Universidade de São Paulo, atuando nas cidade de São Paulo e Cachoeira Paulista. Neuropsicóloga e Psicóloga Organizacional, é colaboradora da Comunidade Canção Nova.
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