O cuidado é o acto de cuidar, mas é também aquele que é o alvo desse acto (aquele que é cuidado). E nesta ambivalência residem tantos fios de uma mesma teia
E, no dia a dia, nós vivemos entre sermos cuidados e termos cuidados com os outros; vamos trocando de papéis entre cuidador e cuidado. Porque todos nós somos confrontados com as nossas limitações (ainda que muitas das vezes, teimosamente, as queremos superar). Mas já Santo Agostinho nos aconselhava: “aceita a tua imperfeição. É o primeiro passo para alcançares a tua perfeição.” É neste confronto com a nossa verdade que percebemos as nossas fragilidades, a nossa necessidade em sermos cuidados. E como é purificador para a nossa alma perceber que somos alvo de cuidados. Muitos de nós temos relutância em assumir essa necessidade e esse prazer. São pequenos detalhes, são pormenores que se tornam por maiores, que nos fazem experimentar o poder amoroso da cura, seja física seja moral, espiritual, psicológica. Muitas vezes só queremos alguém que acolha o nosso silêncio, a nossa quietude, ou o direito a tê-los.
No Evangelho de Lucas, capítulo 5, versículos 17 a 25, está relatada a cura do paralítico de Cafarnaum. Conhecemos a história e sabemos quanto o desfecho incomóda alguns dos presentes. Alguns ficam escandalizados com a conversa de Jesus e a sua atitude posterior.
Todavia, vamos deter-nos no início: os amigos ao saberem que Jesus estava em Cafarnaum decidem levá-lo à Sua presença. Ao verem que não podem romper a multidão que se aglomera à porta da casa onde Jesus estava, não desistem, não retrocedem no seu propósito. E sobem ao telhado e fazem descer o homem até onde Jesus Se encontra. O que os movia? A Fé em Jesus e no Seu poder! A amizade profunda! O cuidado! Conhecendo as dificuldades do seu amigo e reconhecendo as suas próprias limitações (eles não sabiam nem podiam curá-lo), não desistiram e, pelo cuidado com o outro, venceram os seus próprios medos.
Imaginemos a cena: um homem num catre (numa padiola/ numa maca) é descido pelo telhado até ao meio da sala. O que poderia ter acontecido? Os seus amigos arriscaram tudo, não perderam a oportunidade de se fazer presença, de cuidar, de pedir outras ajudas, de congregar forças e esforços.
Quantos amigos nossos estão paralisados? No corpo? Na mente? No espírito?
Quantos de nós estamos paralisados?
Quanta gente a precisar de ajuda, de cuidado, de presença!
Estamos a viver tempos desafiantes, tempos de receios, de incógnitas. Tempos em que o valor da vida humana está a ser continuamente posto à prova.
Há uns fios invisíveis que nos ligam, somos um tecido que deve permanecer unido para não rasgar. Precisamos de colocar o cuidado com o outro em primeiro lugar. Precisamos de cuidar.
No entanto também precisamos de ser cuidados. Ser gratos aos que cuidam de nós, mesmo indiretamente. A gratidão reconstrói-nos.
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