O sofrimento faz parte da nossa vida, é uma realidade que não podemos negar. Todos nascemos com um corpo, que é matéria, e portanto tem limites, é vulnerável e sensível. Essa vulnerabilidade é fonte de muitos sofrimentos. Quando, por exemplo, estamos expostos a temperaturas extremas, sentimos na pele os seus efeitos, se nos cortamos, sentimos dor, se temos um acidente sofremos as consequências.
Nascemos com limitações que nos impedem de fazer tudo o que queremos ou gostaríamos e os sofrimentos que vamos tendo ao longo da vida poderão chegar ao ponto de nos tornar incapacitados ou limitar as nossas escolhas. Contudo, não podemos deixar de ver para além disso, encarar os sofrimentos não como limite, um fim, pois seria restringir o nosso caminho, mas porque não vê-los como uma fronteira, onde se pode iniciar algo de novo.
Perante o sofrimento podemos cair na tentação de o negar, adiando pensar sobre a situação, mas ela paira no ar como uma nuvem negra que ameaça, diariamente, e aprisiona-nos no medo e na ansiedade perante o futuro. Podemos, igualmente, desistir logo, pois sentimos que não vamos aguentar, que nos vai limitar a vida, as escolhas e acabamos por “morrer” antecipadamente, deprimindo.
Contudo, no sofrimento podemos encontrar um sentido para a nossa vida, mas para isso precisamos de decisão. Isto é, perante qualquer obstáculo eu necessito decidir assumir aquele sofrimento, abraçá-lo e dar-lhe sentido. Como disse Sulzbach, psicólogo e logoterapeuta, “A decisão consiste em entregar-se passivamente, ou assumir ativamente a luta por algo ou alguém, dignos dessa dor e sofrimento”. Claro que tomar uma decisão traz consigo a responsabilidade de assumir determinado caminho e suas consequências, deixando todas as outras hipóteses de lado. Ou seja, necessito assumir a responsabilidade da minha decisão.
Viktor Frankl dizia que “a vida só adquire forma e figura com as marteladas que o destino lhe dá quando o sofrimento a põe ao rubro”. Todos nós temos sofrimentos e não os podemos mensurar (o meu não é maior ou menor que o do outro) e é esse sofrimento que me faz o que sou. Quantas vezes precisamos de aceitar e nos adaptar a uma realidade que nos magoa, nos esmaga, onde sentimos que deixamos de ser nós, nos tira liberdade.
Em logoterapia fala-se de dois conceitos que devemos refletir perante o sofrimento: auto-transcendência e auto-distanciamento.
A auto-transcendência consiste no movimento de sair de mim, do meu mundo e ir ao encontro do outro, doando-me ao outro. Isto faz com que deixe de ficar focado no meu limite e constate que posso ser útil e fazer algo pelo bem comum.
O auto-distanciamento leva-me a desfocar o meu sofrimento, afastar-me dele, para poder percebe-lo melhor, ver diferentes perspetivas e tentar encarar outras hipóteses.
Ludwig Wittgenstein (filósofo austríaco) disse “Crer em Deus significa ver que a vida tem um sentido”, pois ao acreditarmos que fomos criados por Ele, pensados e amados, antes de nascermos e é para Ele que voltamos, então tudo faz sentido nesta terra, pois temos como meta Deus e se Ele abraçou a cruz e levou-a até ao limite, como nós podemos rejeitar a nossa?
Termino com um excerto do livro “Chamados ao Amor: a teologia do corpo segundo João Paulo II” de Carl Anderson e José Granados García: “Estar no corpo significa aceitar que somos vulneráveis e dependentes; mas também que, graças a isto, podemos crescer para além de nossas próprias fronteiras. No corpo aprendemos, por exemplo, que procedemos de outros e que não demos existência a nós mesmos; no corpo descobrimos que herdamos tudo o que temos. Por isso, quando entendemos a linguagem do corpo nasce em nós gratidão, pois descobrimos que a nossa existência é um presente.”
Que Deus abra os nossos olhos e nos liberte das nossas paixões terrenas para conseguirmos, com os olhos da fé, agarrar a nossa cruz, leva-la até ao fim e não deixarmos de ser gratos.
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