A Quaresma, como tempo favorável e providencial para preparar a Páscoa, é convite à oração, à penitência, à caridade.
Mas o caminho quaresmal só tem sentido por causa da «meta», e a meta é a Páscoa, é a nossa ressurreição com Cristo Ressuscitado, é a nossa passagem, pois a Páscoa significa passagem. E na vida cristã, esta passagem deverá ser do pecado à graça, do egoísmo ao amor, do orgulho à humildade, do homem velho ao homem novo, duma vida com pouca dimensão cristã a uma vida impregnada de Evangelho. Caminho de conversão, de mudança, de encanto pelo desejo de vida nova, de passagem, de ressurreição, de identificação com Cristo, de vivência mais fiel e mais plena do Seu amor em nós, nas nossas vidas, nas nossas famílias, nas nossas paróquias… na igreja universal, no mundo.
Temos que descobrir o nosso caminho quaresmal, traçar um plano sério de mudança, de conversão, de penitência, de oração, de caridade. Abertos ao sopro do Espírito, abertos à graça que é luz para os nossos caminhos, abertos ao desejo de conversão, conscientes da necessidade de mudança, de uma vida mais evangélica, devemos empenhar-nos a viver uma Quaresma mais séria, mais comprometida. Se antes tínhamos mais normas, mais leis, mais costumes que nos podiam ajudar, hoje, sem essas coisas, não estamos dispensados de viver uma Quaresma cristã, de viver um caminho de libertação dos nossos ídolos, dos nossos apegos, dos nossos pecados, desejando a identificação com Cristo. Cada um, no íntimo do seu ser, na verdade da sua consciência, deve comprometer-se com um plano de vida quaresmal.
Neste plano há elementos que não devem faltar:
1º – Para com Deus, mais e melhor oração, mais escuta e meditação da Palavra, mais diálogo com Jesus Eucaristia, mais e melhor participação na Missa, mais contemplação dos mistérios da Paixão, mais leitura formativa, etc.
2º – Para com o próximo, mais caridade, num desafio que nunca mais termina, pois a medida do amor é amar sem medida. Caridade em casa, caridade com os mais pobres, mais doentes, mais idosos… caridade que nos insira num voluntariado de serviço e de ajuda, caridade que seja mais dom de nós mesmos do que dar coisas.
3º – Para connosco, mais penitência, mais autodomínio, mais ascese, mais exigência de santidade que comporta algo de penitência. Não só abstinência de comida, de carne, mas também de álcool, de tabaco, de televisão, de internet, de algo que nos exija esforço e que ajude a rezar mais e a ser mais caridoso. A melhor penitência é aquela que nos lança numa vida de oração mais profunda e que nos levará a uma caridade mais autêntica, mais serviçal, mais ao jeito do Bom Samaritano, o Senhor Jesus, Médico divino.
A passagem do Povo eleito pelo Mar Vermelho, deixando atrás de si o país dos ídolos, o Egipto, a passagem de Jesus, da morte e do túmulo, para uma vida nova de Ressuscitado, deve empenhar-nos num desejo sincero de querer viver esta «passagem», esta novidade de Deus e do Seu Amor, nas nossas vidas. Deixar ídolos, do prazer, do álcool, do sexo, do futebol, do mundano e, às vezes, do satânico que está em nós. Deixar a preguiça, a tibieza, o comodismo, o consumismo desenfreado. Deixar tudo o que não é Deus e a Sua vontade, num crescente desejo de fidelidade ao Seu amor. Passar, com Jesus Ressuscitado, a uma vida onde imperem os valores cristãos do bem, da verdade, da justiça, do amor a toda a prova, da alegria cristã, da felicidade que depende do nosso esforço de serviço e de dom aos outros. Não podemos ficar na margem do humano e do pecaminoso, no país dos ídolos e dos prazeres, mas temos de nos lançar, com Cristo, para participar, na outra margem, da Sua vida evangélica, tomada a sério, no quotidiano da existência, mergulhados em Jesus, impregnados da Sua vida e dos Seus valores. A Quaresma, como caminho de libertação, comporta esta busca incessante de liberdade interior, de crescimento espiritual, de mudança de vida, de comportamentos mais evangélicos, duma existência onde o viver das Bem-aventuranças é o nosso modo de ser e de agir. Quaresma com sabor a Páscoa, Quaresma com ânsias de ressurreição, Quaresma como semente de divino, de alegria que vem do Céu, pelo poder da divina misericórdia. Quaresma que muda, que transforma, que cristifica, que dá valores mais cristãos ao quotidiano que vivemos, que dá sentido pascal à vida que levamos.
Porque no mundo há guerra, ódio, crime, injustiça, terrorismo, fome e sede, vandalismo, porque há vinganças, blasfémias, escravatura, atentados à vida e à dignidade humana, precisamos de trilhar o caminho de libertação.
Porque na Igreja, que deve ser comunhão e serviço, encontramos divisão, discórdia, comodismo, ganância, instalação burguesa, crítica destrutiva, injustiças eclesiais, calúnias que ferem, rancores que não deixam circular a vida e o amor, precisamos de trilhar o caminho da libertação.
Porque nas famílias nem sempre há amor e serviço, perdão e diálogo, ajuda e amparo, porque há indiferença, adultério e aborto, porque os idosos são desamparados, as crianças pouco protegidas e amadas, precisamos de trilhar o caminho da libertação.
Porque nas paróquias, nos movimentos eclesiais há desunião, falta de entendimento e de paz, pouca fraternidade, pouca ajuda e comunhão, porque há desuniões que ferem o amor fraterno, precisamos de trilhar o caminho da libertação.
Porque dentro de cada um de nós há egoísmo, ciúme, inveja, rancor, obras do «homem velho» que se fazem sentir na ira, na impaciência, na injustiça, na agressividade, precisamos de trilhar o caminho da libertação.
Que belo e extraordinário desafio para a nossa caminhada quaresmal. Mãos à obra. Deus está connosco, caminha connosco, quer o nosso melhor bem. Não desistamos do caminho da santidade.
Dário Pedroso, s.j.
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