A vida é, para qualquer pessoa, o primeiro dos bens terrenos, sem o qual não existe qualquer outro desses bens terrenos. É o primeiro dos direitos, pressuposto e condição do exercício de todos os outros direitos. Daí a suprema relevância ética da defesa da vida humana, refletida no mandamento “Não matarás” do Decálogo judaico-cristão e no artigo (24.º, n.º 1) que, na Constituição Portuguesa, encabeça o catálogo dos direitos fundamentais: «A vida humana é inviolável».
De entre as muitas questões éticas que suscita a defesa da vida humana podem destacar-se as relativas ao aborto e à eutanásia, não por serem os únicos atentados à vida humana, mas por serem aqueles em que esses atentados têm (ou pretende-se que tenham) hoje cobertura legal e o apoio das instituições públicas. Não estamos perante atentados à vida (como um qualquer homicídio) sempre presentes na história humana como algo geralmente condenado, ainda que difíceis de evitar por razões várias. Estamos perante atentados à vida justificados e apoiados pelas mais altas instâncias políticas.
O aborto envolve, ainda, a particular gravidade de ter como vítima o mais vulnerável e inocente dos seres humanos («o mais pobre dos pobres» – dizia Santa Teresa de Calcutá). Pode dizer-se, por outro lado, que estamos perante o atentado à vida humana numericamente mais difundido em todo o mundo (com ou sem cobertura legal).
Na questão da legalização da eutanásia, estão em jogo duas outras questões de particular relevo ético: a questão da indisponibilidade da vida humana (saber se a vida humana deixa de ser inviolável se o seu titular nisso consentir) e a questão da igual dignidade da vida humana em qualquer situação em que este se encontre (saber se a vida humana deixa de merecer proteção quando perde alguma qualidade ou é marcada pelo sofrimento).
Mas com igual ênfase devem ser encaradas muitas outras questões relativas à defesa da vida em todas as suas fases. Há que sublinhar que perde autoridade e credibilidade quem não siga uma linha coerente de defesa da vida em todas as suas fases: quem, por exemplo, condene o aborto e seja indiferente a mortes evitáveis e devidas a guerras, a doenças ou à fome. Bom exemplo dessa necessária coerência é o de Santa Teresa de Calcutá.
É à luz do primado ético da defesa da vida humana que devem ser encaradas questões como a legítima defesa, a guerra, a pena de morte e a organização do sistema económico e dos sistemas de saúde. Essa organização há de garantir o acesso de todas as pessoas à alimentação necessária à sua sobrevivência, tal como o acesso aos cuidados básicos de saúde que possam evitar doenças mortais.
O primado ético da defesa da vida humana é também relevante na vigência e na observância de várias regras de segurança (rodoviárias ou relativas a várias formas de trabalho) e a regras sanitárias, como as relativas ao combate a uma pandemia.
Pedro Vaz Patto
Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz
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