Um relacionamento sadio é fundado em uma personalidade sadia, coisa que só os anos e a experiência de vida levam à excelência
Quem nunca vivenciou um relacionamento desajustado no qual gostaria simplesmente de passar uma borracha? Certamente, se você fizer uma pequena retrospectiva da sua história, poderá constatar o quanto foi feliz, o quanto se frustrou, sofreu, superou e amadureceu nas suas relações. Isso porque ter relações sadias significa trilhar um caminho de maturidade pessoal, o que exige uma boa dose de conhecimento de si, tempo e paciência.
Abaixo, aprofundo alguns aspectos importantes para um relacionamento sadio. Na verdade, esses pontos estão relacionados entre si, divido-os apenas para uma leitura didática.
Conhecimento de si
Esse é um princípio básico para toda a vida, mas fundamental para um bom relacionamento. Conhecer-se é ter a capacidade de olhar para dentro de si e reconhecer as virtudes e os valores, principalmente as fragilidades. O indivíduo que não tem a coragem de enfrentar e integrar as suas sombras acabará projetando-as nas pessoas. Só alguém que se conhece pode possuir-se, e assim não se tornar refém dos seus sentimentos nem dos outros.
Nesse sentido, falando sobre o relacionamento amoroso, Papa Francisco alertou os namorados e noivos a respeito das feridas que os parceiros levam para o matrimônio: “Muitos terminam sua infância sem nunca terem se sentido amados incondicionalmente, e isso compromete a sua capacidade de confiar e entregar-se. Uma relação mal vivida com os seus pais e irmãos, que nunca foi curada, reaparece e danifica a vida conjugal. Então, é preciso fazer um percurso de libertação, que nunca se enfrentou” (Amoris Laetitia – 240).
Isso significa que preciso me conhecer antes de iniciar um relacionamento? Não necessariamente, pois, muitas vezes, é no convívio com o outro que as questões internas mal resolvidas vão aparecendo. Se a pessoa tiver a sensibilidade de se perceber e a coragem de enfrentar os seus “fantasmas interiores”, então estará no caminho da maturidade e crescerá no relacionamento.
Tomar consciência das idealizações
Quando iniciamos um relacionamento, seja ele amoroso ou uma amizade, temos dentro de nós um modelo de homem ou mulher “ideal” que acabamos projetando no outro. Aos poucos, com os conflitos e as crises – que são inevitáveis em toda relação humana – essa imagem vai ruindo, e então passa-se do eu ideal para o eu real. No início de toda relação há um componente erótico e profundamente emocional que chamamos de paixão. A paixão está carregada de idealizações, e é nessa fase que as pessoas constroem seus castelos de areia para abrigar as fantasias de um relacionamento “perfeito” (e infantil).
Quando tomamos consciência das idealizações? Tomamos consciência quando aquela imagem endeusada já não corresponde mais ao comportamento do outro. Em outras palavras, são justamente as decepções do dia a dia que colocam por terra o conto de fadas do relacionamento perfeito. Essa é a diferença básica entre paixão e amor. A paixão funda-se em projeções e idealizações. O amor tem suas bases no que é real. Quanto mais a pessoa diferenciar as idealizações da realidade, mais saudável será nos relacionamentos.
Da tolerância à frustração
Não é fácil decepcionar-se com as pessoas, sobretudo, aquelas que nos juraram amor eterno e incondicional. Nesse sentido, o desenvolvimento de um relacionamento saudável dependerá da capacidade dos envolvidos de lidar com frustrações, e assim aprender a lidar com as próprias feridas e também as dos outros.
Quando, num relacionamento, as pessoas não suportam as frustrações, entra em jogo a relação de poder, e o relacionamento se transforma em uma competição do tipo “quem manda mais” ou “quem (se) machuca mais”. Aqui, cabe uma máxima do psiquiatra suíço C. G. Jung: “Onde impera o amor não há desejo de poder. Onde há desejo de poder não há espaço para o amor. Um é a sombra do outro”.
A tolerância à frustração faz com que o relacionamento se torne resiliente e não sucumba a qualquer vento. É também a base para o perdão, sem o qual nenhum relacionamento sobrevive.
Respeitar as individualidades
Livre da imagem idealizada e absorvida pela frustração, é hora de reconhecer o outro pelo que ele é. Uma pessoa saudável em seus relacionamentos sabe que cada pessoa é única e não está condicionada aos seus “achismos” nem aos seus mecanismos de controle. Um relacionamento saudável dá espaço para que a pessoa seja ela mesma, que tenha liberdade para colocar em prática seus dons, praticar seus hobbies e, principalmente, relacionar-se com outras pessoas.
Respeitar a individualidade do outro não significa aceitar o seu individualismo, quando este se fecha em seu mundo particular ou, no oposto, quando quer uma relação demasiada aberta e sem responsabilidades. O bem-estar de um relacionamento depende de equilíbrio, sabendo a hora de ceder e de opor-se, mas sempre com o pensamento de que o outro não é uma “propriedade” minha nem deve ser aquilo que eu acho que ele deve ser.
Respeitar as individualidades também significa não instrumentalizar o outro, ou seja, a pessoa nunca pode ser um meio para que eu tenha meus prazeres individuais satisfeitos. Quando, num relacionamento, as pessoas se usam mutuamente para atingir seus prazeres, há aí uma dinâmica perversa e patológica que certamente terminará em tragédia.
Tempo e paciência
Não existe varinha mágica que transforme uma relação da noite para o dia. Muitas vezes, quando nos vemos envoltos em imaturidades – sejam nossas ou dos outros – é preciso paciência e tempo. Se você tem 30 anos hoje e olhar para os relacionamentos de quando tinha 15, certamente verá que não são (ou pelo menos não deveriam ser) os mesmos. Isso porque relacionamentos sadios são fundados em uma personalidade sadia, coisa que só os anos e a experiência de vida pode levar à excelência.
Sem sombra de dúvida, o tempo é o melhor amigo de um relacionamento. Geralmente, relacionamentos saudáveis sobrevivem às provações que os anos lhes impõem. O tempo também permite que corrijamos certas imperfeições que foram desgastando um relacionamento verdadeiro, isso se tivermos a coragem de enfrentar a difícil tarefa de amadurecer. Por outro lado, o tempo é cruel com quem estaciona. Não é difícil nos depararmos com pessoas que ficaram presas em suas mazelas. São como aquelas placas de estalactite formadas por gotejamento de água nos interiores das cavernas, do qual se tornam uma espécie de rocha de calcário com o passar dos anos. As pessoas que não se deixam moldar pelo tempo são castigadas por ele, transformando-se em estruturas rígidas impossíveis de correção.
Se você se identifica com alguns desses passos acima e, de certa forma, já está colocando-os em prática nos seus relacionamentos, pode se considerar uma pessoa que caminha para o sucesso nessa aventura de ser para o outro.
Daniel Machado de Assis, natural de São Bernardo do Campo-SP, é membro da Canção Nova desde 2002. Psicólogo formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, também estudou filosofia pelo Instituto Canção Nova. Atualmente é coordenador do Núcleo de Psicologia Canção Nova que tem por objetivo assessorar e auxiliar a formação dos membros desta instituição.
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