Viver o Carnaval de olhos voltados para o pó que sou e para o pó hei de voltar

Eutrapelia, é a expressão grega, que São Tomás de Aquino traduz para a virtude humana da graça, bom humor e divertimento.

Na sua suma teológica, sobre os divertimentos, São Tomás de Aquino diz que não há mal nenhum em ter bom humor e divertir-se, não é pecado nenhum e até faz parte de uma virtude humana, considerando que a alma, assim como o corpo, precisa de descanso, especialmente após alguma atividade mais trabalhosa: “É necessário buscar o remédio à fadiga da alma nalgum prazer”, diz o santo, “ao diminuir o esforço com que nos entregamos à atividade racional”. Esse prazer o ser humano o encontra nos jogos e brincadeiras, no lazer, com os quais busca “a diversão da alma”. Trata-se de práticas necessárias, “de tempos em tempos”, para desanuviar a mente, recompor as próprias energias e continuar a séria jornada desta vida rumo à eternidade.

Mas claro, na vivência desta virtude entra outra virtude a da temperança porque é necessário perceber que tudo pode parecer permitido mas o facto é que nem tudo me convém, isto é, haver a aplicação de uma reta medida como diria o apóstolo Paulo “nada de obscenidades, de conversas tolas ou levianas, porque tais coisas não convêm” (Ef 5, 4). Sigamos o exemplo dos santos  que deixaram entrever a eutrapelia como algo vinculado às atividades da sua existência e com isso a graça e a inocência das crianças, sem as quais o próprio Senhor advertiu que não entraríamos no Reino celeste (cf. Mt 18, 3).

Estamos no Carnaval e nem todas as pessoas que “brincam ao carnaval” se divertem de forma pecaminosa, como dissemos. Há carnavais e carnavais! É possível divertir-se honestamente, evitando o pecado e as ocasiões de cair nele, o problema é que para muitos o Carnaval tornou-se praticamente um “estilo de vida”.

No calendário litúrgico, o Carnaval antecede sempre o início da Quaresma, e termina, quando termina, com a quarta-feira de cinzas. É o início da Quaresma e a Igreja recorda ao homem a fragilidade da sua condição: “lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó hás de tornar”, apelando ao arrependimento e mudança de vida.

A quarta-feira de cinzas após a terça de Carnaval marca o início da Quaresma, tempo de penitência e oração mais intensa. Na missa neste dia são colocadas cinzas nas nossas cabeças. A intenção deste sacramental é levar-nos ao arrependimento dos pecados, é fazer-nos lembrar que não podemos apegar-nos a esta vida, achar que a felicidade plena é única e exclusivamente construída aqui. É uma ilusão perigosa porque a morada definitiva é o céu e é preciso nos preparar para a passagem.

Quaresma é, portanto, a palavra utilizada para designar o período de 40 dias, no qual os católicos realizam a preparação para a Páscoa, a mais importante festa do calendário litúrgico cristão, pois celebra a Ressurreição de Jesus, a base principal da fé cristã. Neste período, que começa na Quarta-feira de Cinzas e termina na Quarta-feira da Semana Santa, os fiéis são convidados a fazerem uma especial reflexão das suas vidas através da mensagem cristã expressa nos Evangelhos. Este confronto deve levar o cristão a aprofundar a sua compreensão da Palavra de Deus e a intensificar a prática dos princípios essenciais da sua fé.

Lembremo-nos que como toda flor que se abre a cada manhã logo estará murcha, de que os dias nascem e logo surge a noite e, assim, tudo passa, tudo é transitório, tudo é uma passagem.