Vitalidade do Santuário parte dos peregrinos

Investigador fala em fenómeno «interclassista», com dupla dimensão pessoal e comunitária, que tem sabido acompanhar as transformações sociais e religiosas

O antropólogo português Alfredo Teixeira disse que a vitalidade do Santuário de Fátima se liga à capacidade de abrir-se à história de cada peregrino e de incorporar as transformações que acompanham a vida das pessoas.

“O santuário, só em parte, é construído pela própria instituição. Grande parte da sua construção, do que nós chamamos o Santuário de Fátima, é feita pelos próprios peregrinos com as suas histórias, com o que transportam nas suas orações e práticas”, sustenta o responsável pelo Instituto de Estudos de Religião da Universidade Católica Portuguesa (UCP).

Para o investigador, esta dimensão humana tem renovado o Santuário de Fátima.

“Na medida em que Fátima mantiver esta capacidade de se abrir à construção do próprio peregrino, de ser um santuário construído em parte pelo peregrino, terá condições de futuro”, aponta.

A Cova da Iria apresenta-se como um local interclassista: as pessoas “podem chorar coletivamente” e viver “a sua vulnerabilidade” numa dupla dimensão pessoal e de conjunto; cada história encaixa na “plasticidade” do Santuário.

Estes são fatores que, para Alfredo Teixeira, mostram o fenómeno “complexo” de Fátima.

“Também a partir destas diferenças as pessoas olharão e praticarão Fátima de forma diferente. Mas a plasticidade, o facto de ser muitas coisas, permite que pessoas de origens muito diferentes encontrem ali qualquer coisa. Fátima é, de longe, o contexto mais plural que podemos encontrar em Portugal”, precisa.

O investigador adianta que Fátima tem acompanhado as “transformações das identidades nas sociedades complexas” de hoje; a sua importância vai “fortalecer-se” no “trânsito cultural” que a sociedade portuguesa enfrentou nas últimas décadas fruto da “modernização, urbanização, industrialização, do fluxo de novos comportamentos e ideias decorrentes da migração”, com consequências “nos imaginários e práticas religiosas”.

“As pessoas que nos anos 60 se deslocaram para as zonas periféricas ou periurbanas em Lisboa chegaram a Santa Apolónia de comboio e não encontraram aqui o Deus da sua terra. Foi necessário encontrar outros lugares simbólicos que acompanhassem o processo de reidentificação num outro contexto. Fátima ofereceu isso. E pela importância de Fátima na emigração nas comunidades portuguesas, conseguimos perceber essa dimensão”.

Em Fátima “não se encontram” os indicadores de “erosão de identificação religiosa” que se podem perceber na “prática dominical católica”, observa Alfredo Teixeira.

O docente da UCP entende que, para a Igreja Católica, o maior desafio será perceber qual a identidade do peregrino se desloca à Cova da Iria, fruto de uma emancipação de pertença.

“A possibilidade de alguém viver a sua identidade religiosa já não a partir do que é tradicional – que é a inscrição numa comunidade e a sua vivência religiosa a partir de uma pertença -, passarmos a ter uma vivência religiosa que tem como escala o longo curso da sua vida, onde alguns momentos fortes do ponto de vista religioso, como uma peregrinação, vão ser os grandes articuladores dessa identidade, mas num forte distanciamento a outras dinâmicas comunitárias”, aponta.

Alfredo Teixeira olha ainda para a receção às palavras do Papa Francisco em Fátima, por ocasião da sua visita de 2017, assinalando as mudanças nas práticas devocionais e a falta de articulação pastoral.

Fonte: Agência Ecclesia