Rosário Carneiro alerta para «alta abstenção» que pode «enviesar» leituras ideológicas.
A vice-presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) apelou hoje a uma “participação massiva” nas eleições presidenciais deste domingo, que considera um ato de “defesa da matriz humana”.
“Que todos ultrapassem esse medo (do contágio pandémico) em nome de um bem maior, que é conseguir pugnar por valores que são matriciais na cultura portuguesa: a dignidade da pessoa, os direitos humanos, a luta contra a exclusão e a tentativa, apesar de lenta, da remoção da desigualdade. Sejamos radicais a lutar pela permanência de uma matriz”, afirmou Rosário.
A antiga deputada e presidente da Comissão Parlamentar para a Igualdade de Oportunidades reconhece que a democracia portuguesa é feita de “altos e baixos”, mas nunca renunciou aos princípios e à “luta pela dignidade humana”.
“Temos garantido a procura da justiça social, o combate à desigualdade. Mesmo sem resultados completos, ela está na nossa matriz e no pensamento coletivo. O que se tem ouvido nesta campanha, que apresenta um discurso extremista que propõe a exclusão de grupos minoritários como responsáveis da situação menos boa que possamos viver, é muito perturbador. Isso é uma alteração muito significativa da nossa matriz humanitária que pugna pela dignidade da pessoa e inclusão de todos, procurando ser norteada por princípios de justiça social”, sublinha.
Rosário Carneiro fala no direito de votar como uma atitude de liberdade e refuta a ideia que “não votar é igualmente um exercício de liberdade”.
“Tenho dúvidas sobre isso. É um exercício de uma não liberdade. Quando não o fazemos, deixamos nas mãos de outros a decisão de um futuro. É muito discutível”, observa.
A responsável afirma que a abstenção “é sempre terrível” mas acredita que, mesmo com valores altos, “não irá colocar em causa a legitimidade dos resultados”; mas alerta, no entanto para o “enviesamento” que poderá advir de uma fraca participação.
“Com uma percentagem mais elevada de abstenção, não teremos um quadro exato do mapa ideológico. Os analistas afirmam haver uma maior fidelização dos extremos – são ativos e vão votar, no reforço da sua militância ativa. Mas não representam uma posição tão forte como a que resulta em termos eleitorais”, explica.
“Isso é muito preocupante porque pode indicar que correntes, assentes em posições radicalistas, opções de ódio, o apontar grupos excluídos como culpados da situação que vivemos, e isso não é bom para a democracia portuguesa, porque não é representativo”.
A campanha eleitoral para a Presidência da República tem decorrido em pandemia e com decisões de confinamento, uma situação que Rosário Carneiro entende afetar as “condições da vida comunitária”, com reflexos na “informação e na divulgação de ideias”, condicionado “pela proximidade e confronto”.
“A pandemia altera as perspetivas prioritárias em termos de interesse. A combinação é complexa. Mas são os tempos em que vivemos. Não sei se as mensagens têm sido as mais eficazes para nos comportamos com os tempos que vivemos”, sublinha.
A vice-presidente da CNJP afirma ser “perturbador” assistir a “campanhas de rua, com o efeito de arrastar as pessoas”, quando “entidades na saúde, profissionais, técnicos, especialistas, Governo, todos apelam para se ficar em casa, à redução máxima de contactos e, naturalmente, uma campanha de rua potencia e amplia contactos”.
“É contraditório em função da situação que estamos a viver”, sublinha.
Correndo o risco de o palco digital ser um campo aberto “à critica anónima que não permite o contraditório”, Rosário Carneiro afirma que teria sido “recomendável” que a comunicação eleitoral chegasse às pessoas por via digital, mas não deixa de alertar para o “uso e abuso não controlado dos meios digitais” para a disseminação de informações falsas.
“Ontem assistimos ao fim de uma era de uso e abuso de informação veiculada de forma não controlada por via das redes sociais. Isso foi muito perigoso. Temos neste momento casos em Portugal que no extremar de posições – que não se relaciona com a questão ideológica porque essa é salutar que se faça – mas tem a ver com o insulto, apoio a medos, identificação de culpados para reforçar o medo, criar espírito de medo em torno de uma candidatura, isso está-se a verificar e mina o debate de ideias”, indica, evocando a mudança de presidência nos Estados Unidos da América.
Rosário Carneiro lamenta que os portugueses sejam “refratários” no aprender com os “erros e experiências dos outros” e afirma que o caminho para manter a matriz humana da democracia passa pela participação eleitoral.
“Vamos protegidos com máscara, caneta, muito álcool-gel, mantenhamos a distância de segurança, mas vamos votar. E depois, regressemos às nossas casas”, apelou.
Fonte: Agência Ecclesia
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