O atentado terrorista à Basílica de Notre Dame, em Nice, no dia 29 de Outubro, deixou em estado de choque o frade dominicano José Luís Almeida Monteiro. O actual secretário-geral da província dominicana de França e director da Biblioteca do Sulchoir, afirma que ficou “sem palavras” quando soube do ataque brutal em plena igreja, com três mortos e vários feridos, num cenário terrível de violência com uma das vítimas, uma mulher francesa de 60 anos, a ser decapitada junto à pia baptismal.
“Fiquei sem palavras… o que é que se pode acrescentar mais a esta situação?”, diz o frade português, de 60 anos, a residir em França há quatro décadas. O ataque, no entanto, não foi totalmente inesperado. Em entrevista ao telefone com a Fundação AIS em Lisboa, o frade Luís Almeida afirma que a notícia de um atentado terrorista com aquelas características não o surpreendeu totalmente. E recorda o ataque à Igreja de Saint Étienne-du-Rouvray, em Julho de 2016. “É triste dizer, mas pensei de certa forma na expressão francesa ‘déjá vu’, já visto. Quando o padre Hamel foi decapitado, creio que o choque foi muito maior.”
O ataque de 29 de Outubro, por um homem tunisino ainda jovem, levanta a questão da radicalização de grande parte da sociedade e da ameaça de segurança que isso pode representar nomeadamente para a comunidade cristã. “Tem população francesa que está totalmente radicalizada”, afirma o frade português, acrescentando que, no dia do ataque, “um dirigente do sul de França dizia que naquele anel geográfico entre Avignon e Nice, o número de radicalizados é enorme”. “As autoridades políticas já não sabem de que lado se hão-de virar…”
Para o dominicano português, esta informação obtida na comunicação social foi, de certa forma, uma novidade. “Eu confesso que ignorava que houvesse uma tal concentração. Li hoje isso na imprensa. Mas podemos dizer isso também na região parisiense, regiões radicalizadas…”
E dá um exemplo concreto do que pode significar esta escalada de violência que teve origem na publicação de caricaturas do profeta Maomé por um jornal satírico, o que acabou por espoletar o assassinato de um professor de história e a resposta musculada do presidente de França, Emmanuel Macron, contra grupos radicais islâmicos em território gaulês. “O presidente da câmara de Lyon foi também nestes últimos dias ameaçado de ser decapitado… portanto, existem vários focos incendiários e creio que a situação da pandemia deve pôr mais ao rubro este tipo de situações…”
Conhecedor profundo da realidade francesa, o frei José Luís Almeida Monteiro diz temer os próximos tempos. “Há vários sinais como semáforos que estão no vermelho…” Na verdade, diz o secretário-geral da província dominicana de França, ninguém está seguro em lugar algum. O atentado foi em Nice, poderia ter sido em Paris, ou noutra cidade… “Andei nos transportes durante todo o dia, como é o meu quotidiano, e esse ataque pode acontecer no metro, aqui na nossa igreja que fica numa artéria muito conhecida, na rua do Faubourg St Honore, na mesma rua em que fica a embaixada de Inglaterra e um palácio presidencial, portanto, pode acontecer aqui, pode acontecer em qualquer igreja. Digamos, radicais existem infelizmente aos montes e realmente esta situação… não quero ser pessimista mas ela, infelizmente, só se poderá repetir. Só se poderá repetir. Creio que, infelizmente, vamos directos para uma confrontação cada vez mais violenta. Infelizmente não vejo que o cenário possa ser melhor.”
Um cenário a que a classe política não pode eximir as suas responsabilidades. O frade dominicano fala mesmo em “cegueira dos estadistas”. “Nestes 40 anos em que estou aqui em França, porque vi isso já quando cheguei, já era visível essa crise que se avizinharia da forma como essas populações estrangeiras iam chegando e iam sendo ou esmagadas ou obrigadas a integrar-se de uma certa forma…”
Para José Luís Almeida, em França “a laicidade tornou-se quase uma nova religião”. E isso, diz, “é detestável”.
Talvez sinal disso, o próprio atentado na Basílica de Nice foi referido em várias notícias como tendo ocorrido nas imediações do templo. Como se houvesse um certo pudor em dizer que o local do crime foi mesmo dentro da Igreja. “Eu tive que ir ver mais notícias para saber onde é que foi e para saber que realmente foi dentro da igreja que começou.”
O atentado na Basílica de Notre-Dame, em Nice, deixou um rasto de medo na sociedade. E a comunidade portuguesa – que já não tem a vivência religiosa de outros tempos, apesar do “verniz cristão”, na expressão de Luís Almeida –, também não ficou indiferente ao crime.
E muitos, diz o frade, poderão estar a pensar mesmo num regresso antecipado à pátria lusa. “Eu creio que os portugueses estão, como os franceses, chocados com esta situação e começam a ficar realmente com medo de residir neste país. Acho que alguns portugueses vão ponderar se realmente vão continuar [a viver] num país como a França em que se vê que estamos a chegar a um impasse cada vez mais violento…”
Departamento de Informação da Fundação AIS | ACN Portugal
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