No momento em que escrevo, estava para ser aprovada no plenário Parlamento a legalização da eutanásia e do suicídio assistido.
Importa também salientar que essa legalização não diz respeito apenas à pessoa que pede tais práticas, diz respeito a toda a sociedade, compromete a sociedade, os serviços de saúde e o Estado. Representa uma outra resposta da sociedade, dos serviços de saúde e do Estado à doença e ao sofrimento.
Perante um pedido desesperado de quem quer pôr termo à vida, por estar a sofrer, por considerar que a sua vida perdeu sentido e valor ou por considerar que é um peso para os outros, para a sua família e para a sociedade, duas são as respostas possíveis.
A resposta que a consciência ética comum das nossas até agora tem dado é a de contrariar esse desespero e dar esperança, é a de tudo fazer para combater e aliviar o sofrimento, é a de afirmar que a vida tem sentido e valor até ao seu fim natural e nunca é um peso de que nos devamos desembaraçar.
A resposta que é dada pela eutanásia e pelo suicídio assistido é outra. É a de confirmar esse desespero. É a de confirmar que a vida perde sentido e valor quando é marcada pela doença e pelo sofrimento. É a de desistir de combater e aliviar o sofrimento, porque para este a resposta será a morte provocada (que não elimina o sofrimento, elimina a pessoa que sofre). É a de admitir (ainda que não explicitamente) que uma vida marcada pela doença pode ser, para os outros, um peso difícil de suportar.
Por isso, a legalização da eutanásia e do suicídio não pode equiparar-se a uma qualquer outra opção legislativa. Contém uma mensagem cultural que representa uma profunda mutação e que deverá ser considerada um grave retrocesso.
As consequências que podem advir dessa mutação cultural vão muito para além dos casos de prática da eutanásia e do suicídio assistido que possam vir a ocorrer. Hão de refletir-se na forma de encarar o sofrimento, a doença e a deficiência. Admitir que a morte provocada possa ser resposta nessas situações (porque são a própria lei e os serviços de saúde a admiti-lo) faz crescer o perigo de desistir de combater e aliviar o sofrimento dessas pessoas e o perigo de as encarar como um peso.
Para contrariar essa mutação cultural, muito pode ser feito, para além da política legislativa. Depois da aprovação da lei, não podemos cruzar os braços. Há que reforçar, agora ainda mais, o amor por quem sofre, pelos mais velhos, pelos doentes e por quem é portador de alguma deficiência. Um amor que deve traduzir-se em serviço concreto e em apoio profissional.
Pedro Vaz Patto
Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz
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