Tenhamos como medida do nosso perdão aos outros, o perdão que pedimos a Deus

Neste 13 de setembro que celebra a quinta aparição de Nossa Senhora aos Pastorinhos, presidiu à Missa da Peregrinação o Bispo Emérito de Santarém, D. Manuel Pelino Rodrigues.

 

Todos os dias, ao rezar o Pai Nosso, pedimos ao Senhor que nos perdoe como nós perdoamos. Temos consciência de que precisamos quotidianamente de ser perdoados por Deus. Mas temos mais dificuldade em perdoar sempre a quem nos ofende. Perdoar uma vez, duas até, ainda aceitamos. Perdoar sempre parece-nos demasiado. As feridas causadas pelas ofensas mantêm-se vivas no coração, custam a cicatrizar. Por isso, o evangelho recomenda-nos que tenhamos, como medida do nosso perdão, o perdão que pedimos a Deus. Já no Antigo Testamento, o livro de “Ben-Sirá”, ou Eclesiástico, que ouvimos na primeira leitura (Eclo 27,30-28,9), insistia no perdão como expressão de fidelidade à Aliança com Deus: “recorda a Aliança do Altíssimo e não repares nas ofensas que te fazem” afirma. Pela Aliança, aceitamos Deus como Mestre e referência do posso agir. Por isso, devemos aprender com Ele a ser indulgentes e misericordiosos. Na mesma linha se pronuncia São Paulo no breve texto da Carta aos Romanos, da segunda leitura: viver para Deus é viver como Deus adotando o seu estilo de comportamento compassivo e misericordioso.   

Neste contexto entendemos a questão do evangelho de São Mateus (Mt 18, 21-35; domingo XXIV), colocada pelo apóstolo Pedro: “Se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe hei-de perdoar? Até sete vezes”? São Mateus dirige-se aos irmãos na fé, aos que fazem parte da família dos filhos de Deus e formam a “comunhão dos santos”. Neste sentido, toda a pessoa é minha irmã ou meu irmão: o cônjuge, os familiares, os amigos, os mais frágeis e desvalidos. Na realidade, os santos, irmãos em Cristo, também ofendem a Deus e também se ofendem uns aos outros, por atos e omissões, por palavras e atitudes. Não esquecer as três palavras essenciais e simples lembradas pelo Papa Francisco: com licença, obrigado e desculpa. Para formar comunidade precisam de se perdoar mutuamente e constantemente.

Mas a paciência tem limites. São Pedro representa-nos bem, ao achar que perdoar sete vezes já será muito. Mas Jesus responde que o perdão não tem limites: “não te digo sete vezes, mas setenta vezes sete”, disse a Pedro. O perdão tem de estar sempre presente porque as ofensas, as palavras e atitudes que magoam, as vaidades e invejas que dividem, o azedume das más disposições, estão enraizados no coração humano e residem permanentemente na comunidade, como residem na família, nos grupos e na sociedade em geral. A memória das ofensas, quando conservada e alimentada e, muitas vezes, avolumada pela autorreferencialidade, corrompe a boa relação na comunidade pois gera rejeição, críticas, suspeitas. Por isso, para alcançar a união fraterna e para que os cristãos vivam “como se tivessem um só coração e uma só alma”, é fundamental o perdão constante. 

Tendo presentes as dificuldades do perdão e os danos das divisões nas comunidades cristãs, São Mateus integra no capítulo 18 do seu evangelho, várias instruções para cultivar a vida comunitária. Começa por recomendar aos irmãos na fé que aprendam com as crianças a serem simples e humildes. Foi a resposta de Jesus à pretensão dos apóstolos de saber qual deles era o maior no Reino de Deus. Neste Reino, o maior é o que serve, pois a grandeza assenta na humildade. Narra depois a parábola do bom pastor que vai à procura da ovelha perdida e se alegra quando a encontra. Com a mesma atitude de misericórdia e afeto, devem os irmãos ir ao encontro dos que se extraviaram, acolhê-los e reintegrá-los. Ensina assim a pedagogia da correção fraterna, não como corretivo ou “puxão de orelhas”, mas como ajuda discreta e fraterna aos mais frágeis para viverem retamente. Outra instrução é a do evangelho deste domingo para perdoarmos uns aos outros na linha do Pai Nosso: “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem os tem ofendido”.

Somos, verdadeiramente, um povo de pecadores, mas não esquecemos a nossa vocação à santidade. Quando nos confessamos pecadores, avivamos também a nossa verdadeira vocação de viver à imagem de Jesus Cristo que por nós morreu e ressuscitou. Como escreve São Paulo na Carta aos Romanos: “Todos pecaram e estão privados da glória de Deus. Sem o merecerem, são justificados pela graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus” (Rm 3, 23-24). Ou seja, não é só o meu irmão que me ofende. Sou também eu que ofendo o meu irmão. Portanto, devemo-nos apresentar humildes, conscientes da nossa imperfeição, perante Deus e perante os irmãos, e perante o mundo, com o propósito de progredir mais decididamente na caridade e na disposição de perdoar também a quem nos ofendeu. O perdão alicerça a convivência fraterna na comunidade e aproxima-nos de Deus, ajudando-nos a amar como Ele nos ama. Orienta-nos, assim, para uma existência reconciliada e faz resplandecer mais claramente, na nossa vida e na da Igreja, a misericórdia e a graça de Deus. Como rezamos no salmo responsorial deste domingo: “Pelo perdão, Deus cura as nossas enfermidades e coroa-nos de graça e misericórdia” (Sl 103/2).

Nossa Senhora, Mãe da misericórdia, com o seu manto de luz, amplo e acolhedor, concretiza para nós a pedagogia do evangelho para alicerçar a vida comunitária no acolhimento, no perdão, na solidariedade e na paz. Na sua vida e nas suas intervenções, descobrimos que Ela acolhe e integra todos os que procuram luz, amparo e esperança; apresenta-se como serva humilde, disponível, atenta aos mais frágeis; vai ao encontro dos que precisam de atenção e ajuda. Foi a mensagem que veio trazer-nos a Fátima recomendando a oração e a penitência pela concórdia e pela paz. Escutemos o seu apelo e aprendamos no seu exemplo a edificar a vida comunitária e a construir paz e a reconciliação à nossa volta pelo perdão e pela misericórdia.