Ninguém gosta de sofrer, de se sentir limitado e ameaçado na sua liberdade. No entanto, se pensarmos bem, o sofrimento é natural e faz parte da nossa existência. Vejamos, o nosso processo de nascimento é o nosso primeiro grande sofrimento (o trabalho de parto). Este momento para nós, embora não lembrado, é um processo doloroso, que ainda bem que não nos recordamos. Somos, literalmente, empurrados, apertados e expulsos do ventre materno que foi o nosso aconchego, sustento e abrigo durante 9 meses! Parece piada, mas foi muito doloroso para nós este processo. De repente, vemo-nos forçados a lutar pela nossa sobrevivência. Nascemos seres frágeis e totalmente dependentes de um adulto. Logo, todos somos guerreiros, pois sobrevivemos a todo este processo de sofrimento.
Somos humanos e, portanto, somos feitos de matéria, isto significa que somos frágeis, temos limites. O nosso corpo não suporta tudo e sofremos as consequências do nosso limite enquanto matéria (vimos isto mesmo na semana passada). Conseguimos compreender que a dor é, sem dúvida, uma resposta natural, pois tem uma função protetora. Quem não sente dor, passa grandes perigos. Existem pessoas que nascem com uma patologia que se chama Insensibilidade congénita à dor, isto é, não sentem dor física, podem sentir pressão, mas não dor. Essas pessoas quando aproximam a mão de uma fonte de calor, o cérebro delas não lhes dá o alerta de que necessitam de a retirar, pois vai-se queimar, vai doer e vai trazer consequências nefastas para si. Como não sentem a dor, o corpo não as protege desse perigo, no entanto sofrem a queimadura no corpo, tal e qual, mas sem dor. Portanto acabam por ter mais propensão a ter acidentes, a cortar-se, queimar-se e até, fazer graves infeções, pois não têm essa função protetora do corpo.
S. João Paulo II deixou-nos uma riqueza tremenda, em termos de literatura, podemos ler em Homem e Mulher XXVII, 14/0/1980, p. 191: “Hoje muitos aceitam o corpo só na medida em que produz prazer e o rejeitam quando se transforma em fonte de dor e em aparente obstáculo para a satisfação dos próprios desejos. Diante desta perspetiva, o corpo não é vivido como lugar aberto ao amor, como forma de se relacionar com os outros homens e com Deus. Ao contrário, ele (o corpo) se torna uma prisão que impede a verdadeira liberdade.”
O relativismo moral em que vivemos, faz-nos pensar que o sofrimento é um obstáculo à nossa liberdade, à nossa vida e que deve ser combatido. E, nesse sentido, tudo o que nos causa sofrimento é visto como negativo, como impedimento de aproveitar a vida. É por isso que vemos o número de divórcios a aumentar e as pessoas evitarem casar “vamos juntar-nos a ver se dá, senão nos entendermos vai cada um para seu lado sem grandes complicações”. O amor implica doação, implica renúncia do meu querer, auto-domínio dos meus desejos, dominar o meu corpo para poder possui-lo, preciso ser dono de mim, com o intuito de viver a minha liberdade com responsabilidade.
E o nosso querido Papa João Paulo II continua: “O homem passa a sentir-se deslocado no mundo, sem defesas, com tantas inseguranças ´diante dos processos de natureza, que operam com determinismo inevitável´”.
Concluímos que, viver plenamente a nossa vida, que é única e irrepetível, implica doação, renúncia, entrega, por conseguinte, o sofrimento faz parte da nossa vida, mas temos a capacidade de o viver com sentido, isto é, com liberdade e responsabilidade.
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