Como reagir diante do “salve-se quem puder”?
Quando o navio da vida parece naufragar, vale, muitas vezes, essa lei inventada pelas circunstâncias e pelos apertos em que as pessoas se envolvem. No “salve-se quem puder”, a modo de exemplo, quando falta o emprego, busca-se pelo menos algum trabalho. Algumas pessoas, infelizmente, acabam apelando pelas muitas falcatruas correntes na sociedade, enveredando pelos caminhos da corrupção e da criminalidade. Não são poucos os que se isolam ou reagem como que anestesiados diante dos desafios, conduzidos pela tentação do individualismo e da insensibilidade. Podem desabar os grandes ideais e as esperanças que
conduzem a humanidade para frente.
Os discípulos chamados na primeira hora por Jesus eram homens de sua época, portadores dos sonhos do messianismo corrente. Certamente, figuravam entre as minorias que ainda esperavam a realização das promessas, quando muitos tinham optado pelo relativismo e pelo relaxamento. Ao longo das estradas e à beira do Mar da Galileia, encontraram um Mestre diferenciado, distante dos longos discursos e tentativas de interpretação da lei, com os quais se especializavam tantos “doutores”. De repente, as multidões ficam intrigadas com Aquele que fala em parábolas, vai ao encontro dos mais pobres, mostra-se absolutamente livre diante da lei, ainda que cumprindo-a integralmente. Quem é Ele? Afinal, que propostas apresenta? Muitas pessoas se escandalizam diante de Suas palavras e atitudes, mas Sua figura atrai irresistivelmente as multidões. E chega a hora da verdade, quando o próprio Senhor (Lc 9, 18-24), já O chamamos assim, quer saber as opiniões correntes. Mas não são suficientes as respostas colhidas na base das pesquisas, com métodos em nossos dias, mas que condicionam, e muito, os conceitos que ocupam a mente das pessoas. Ele quer saber o que Seus discípulos pensam! Simpática e comprometedora a resposta, vinda da boca de Pedro: “Tu és o Cristo de Deus!”.
Entretanto, vem agora um novo passo que ilumina a busca da salvação, o encontro do Messias, Cristo, Ungido do Pai, com aqueles homens simples, maioria da Galileia, gente um pouco suspeita pelas origens, mas chamados a acolher e testemunhar o evento maior de todos, que muda a história da humanidade. Jesus lhes revela o que significa segui-Lo, ser discípulos com seriedade e coragem. Escancara para eles, como fará ainda outras vezes, o seu segredo, que soa renúncia, cruz, seguimento estrito do Mestre e Senhor. Trata-se do contrário daquilo que as ondas da vida podem imaginar como “salvação”!
Precisamos de “salvação”?
O problema, nos dias que correm, é que as pessoas pensam desfrutar apenas e tão somente do momento presente, pensando que basta o quanto este durar, sem outras perspectivas. Para a Igreja, este é um dos desafios mais pungentes, pois muitos querem apenas curtir os prazeres possíveis e até o que as alucinações vindas das drogas, ou, quem sabe, do dinheiro e da fama, podem oferecer. A eternidade fica distante e até impensável ou inexistente. Basta curtir o que se pode consumir hoje, e pronto! Aí, salve-se quem puder, mesmo queimando tudo o que estiver à frente. Basta o prazer de todo tipo. Como falar de salvação? Nós sabemos que salvação não é só para o desenlace posterior à morte, mas já diz respeito ao sentido profundo da existência, aqui mesmo!
A vida eterna, de fato, é uma casa em que habitaremos quando formos chamados a nos apresentar diante de Deus, mas é preparada aqui na Terra. Falar de salvação é ir ao encontro das grandes perguntas e inquietações dos homens e mulheres de todas as épocas, inclusive a nossa. Falar de salvação é ir ao encontro de pessoas e grupos absolutamente cansados de sugar ao máximo os prazeres e compensações disponíveis, pois “a vida” plena não se encontra aí, mas vem de dentro, do coração humano que está sedento de Deus, apenas de Deus! Vale a pena ouvir as muitas narrativas de angústias, estreitezas da vida, vindas de pessoas que querem respirar algo diferente. Estão cansadas de buscar lá fora, nas inúmeras possibilidades de prazeres, elogios ou dinheiro!
Salvação é a vida em Deus e com Deus, é o projeto d’Ele a nosso respeito. Podemos fugir como loucos, mas, cedo ou tarde, deveremos nos deparar com a pergunta fundamental a respeito da vida e do que fizemos com ela, o dom mais precioso. No projeto de Deus, a salvação se encontra no Salvador, aquele único Filho amado do Pai, que veio ao nosso encontro, compartilhou tudo o que é nosso, menos o pecado, para ser nosso caminho, verdade e vida. Cada pessoa precisa, efetivamente, de salvação, sentido e gosto pela vida!
Só que Jesus experimentou a dura realidade da cruz, caminho de salvação para toda a humanidade. D’Ele as profecias anunciaram: “Derramarei sobre a casa de Davi e os cidadãos de Jerusalém um espírito de perdão e de misericórdia, e eles olharão para mim. E por quem tiverem traspassado, eles hão de chorar como se chora por um filho único, ficarão de luto por causa dele como se fosse o primogênito” (Cf. Zc 12, 10-11; 13, 1). Derramando Seu Sangue, Ele nos salvou, ofereceu-nos a estrada a ser percorrida, lavada previamente com esse Sangue, para que, recebida a graça que só Ele oferece, todos possam beber na fonte oferecida a todos!
Aqui nasce a lei da vida, que convida a perder, oferecer, entregar-se! Aquele que deu o primeiro passo, morrendo e ressuscitando, propõe o caminho de salvação. Primeiro, renunciar a si mesmo, o que significa dar prioridade aos outros. Cada um se considere o primeiro responsável pelo navio da vida, passando os outros para frente! Depois, tomar a cruz de cada dia ou transformar cada dia em cruz, quer dizer, oferta de amor e não de egoísmo, invertendo as tendências de interesse mesquinho e competição desleal a que o jogo da vida pode conduzir.
Enfim, seguir Jesus Cristo, tornar-se discípulo como aqueles primeiros que, coerentes com a profissão de fé, feita por Pedro em nome de todos, sustenta desde sempre a Igreja, família dos remidos pela graça inesgotável que nos vem do Mistério Pascal de Jesus Cristo. Esperança de sentido e salvação, só em Jesus Cristo!
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