É uma mensagem longa publicada ontem pela Irmã Blanca Nubia Zapata Castaño, da Congregação das Carmelitas Teresas de São José. Esta religiosa denuncia o agravamento dos ataques terroristas na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, e traça um retrato dramático da situação humanitária na região.
“Não posso calar mais este grito de dor e indignação”, diz a Irmã Blanca, “com a forma vil e cruel com que os nossos irmãos desta região estão a ser despejados das suas próprias terras, despojados de tudo mesmo do dom mais precioso que é a vida”.
A mensagem, publicada ao fim da tarde, é uma denúncia e um pedido de ajuda. A irmã Carmelita fala no sofrimento do povo desta região que desde há três anos tem sido forçado – pelos ataques de grupos armados que reivindicam pertencer ao Daesh, o Estado Islâmico – a dormir “ao relento, escondendo-se entre arbustos, vendo as suas precárias casas a serem queimadas, sofrendo de fome e sede”. São pessoas, escreve a Irmã Blanca, “cheias de medo e espanto”.
A irmã interroga-se como é que este “conflito”, que começou aparentemente por ser uma questão tribal, ganhou tal dimensão. E pergunta como é possível “a passividade e indiferença daqueles que têm a obrigação de salvaguardar e proteger o povo”.
A situação é gravíssima e, tal como a Fundação AIS tem denunciado sistematicamente, está a deteriorar-se de dia para dia. Na semana passada a Fundação AIS acolhia a denúncia do Padre Edegard Júnior, missionário saletino que falava também de ”muitas mortes, pessoas decapitadas, pessoas raptadas”, num ambiente assustador. “Nas aldeias não tem mais ninguém”, explicava ao telefone este missionário brasileiro há três anos a viver em Cabo Delgado. “Todos têm medo e eles [os terroristas] estão muito violentos nestes ataques. Então, as pessoas estão ou no mato ou já conseguiram chegar a alguma cidade…”
Um relato que agora é sublinhado pelas palavras escritas pela irmã Carmelita Teresa de São José no Facebook. “Hoje toda a região norte da província está praticamente tomada pelos terroristas, que regam a seca terra com o sangue inocente de um povo que só pede uma coisa: queremos viver em paz! Pobres mas livres.”
Os ataques terroristas a Cabo Delgado tiveram início em Outubro de 2017 mas têm vindo a aumentar de intensidade especialmente desde Janeiro deste ano. Mocimboa da Praia – que está ocupada pelos terroristas desde o passado mês de Agosto – Quissanga, Macomia e Muidumbe têm sido palco dos ataques dos terroristas ou insurgentes, como localmente também são conhecidos.
A Irmã Blanca Castaño fala numa “densa sombra de morte” que se espalhou por toda a região de Cabo Delgado, “deixando à sua passagem milhares de mortos, assassinados selvaticamente sem que entendamos porquê”. E acrescenta, explicando que os ataques provocaram já “incontáveis desaparecidos e sequestrados”, assim como “mais de 400 mil deslocados na cidade de Pemba e nos distritos e províncias vizinhas”. Deslocados que viveram, faz questão de dizer, “verdadeiros dramas humanos, que ultrapassam e em muito, qualquer filme de terror”.
A mensagem é elucidativa do drama humanitário que se está a viver. “Milhares de homens e mulheres com a dor marcada nos seus rostos e com os seus pequenos filhos nos braços, desfalecidos de fome. Alguns ficaram no caminho. Anciãos, viúvas, órfãos, doentes, percorrendo a pé inúmeros quilómetros… Mulheres grávidas, algumas dando à luz nas estradas poeirentas. Adolescentes e jovens vagueando pelos montes, desconhecendo o paradeiro de seus entes queridos. Outros fogem para o mar desprovidos de segurança. Muitos morreram em naufrágios inevitáveis…”
Este é o cenário de terror que se vive em Cabo Delgado nas palavras cheias de lamento e revolta desta religiosa carmelita. A Irmã Blanca pergunta mesmo “onde estão os defensores dos direitos humanos, onde estão os organismos internacionais” que têm por missão zelar pelo respeito e dignidade dos povos…
Perguntas que ficam, para já, sem resposta cabal. A irmã agradece toda a ajuda que pessoas e instituições têm procurado dar “para atenuar esta situação”, lamentando a desventura de um “povo inocente” que “teve a má sorte de ter nascido em cima de uma das maiores reservas de gás (…) e pedras preciosas e ouro”, e que está a ser massacrado…
A Fundação AIS desde há meses que tem procurado denunciar também esta situação terrível que está a afectar toda a população de Cabo Delgado no norte de Moçambique. Na semana passada, a Fundação AIS decidiu apoiar as dioceses envolvidas no acolhimento aos deslocados com uma ajuda de emergência no valor de 100 mil euros.
É uma ajuda que, como explicou Regina Lynch, chefe de Departamento de Projectos da Fundação AIS a nível internacional, “procura aliviar o sofrimento e trauma” destas populações que têm sido vítimas da violência mais brutal. Regina recorda o rasto de destruição e medo causado pelos terroristas desde Outubro de 2017 quando começaram os ataques.
Tal como a Irmã Blanca, também esta responsável da Fundação AIS lembra a quase total indiferença com que a comunidade internacional tem lidado com esta situação. “Queimaram igrejas e destruíram conventos, e também raptaram duas irmãs religiosas. Mas quase ninguém prestou atenção a este novo foco de terror e violência jihadista em África, o qual está a afectar todos, tanto Cristãos como Muçulmanos. Esperemos que haja finalmente uma resposta a esta crise no norte de Moçambique, em nome dos mais pobres e mais abandonados.”
Departamento de Informação da Fundação AIS | ACN Portugal
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