“Quem perder a sua vida por causa de mim, a encontrará”

Homilia, na íntegra, da Missa do dia 14 de dezembro das Exéquias de padre Jonas Abib, presidida por Dom Tiago Stanislaw

A morte de alguém sempre traz para nós a reflexão sobre a própria vida. É incrível que a morte desperte este tipo de pensamento: “Qual é o valor da minha vida?”; “Por que eu vivo aqui neste mundo?”, “Por que eu estou enfrentando tantas dificuldades e desafios que esta vida é capaz de me trazer?”.

Com certeza, a fé nesse olhar faz toda a diferença, inclusive no olhar para a morte. Não sei qual é o pensamento de alguém que não acredita em Deus, quando ele pensa sobre a morte, mas, para mim, seria desesperador enfrentar a perspectiva da morte com toda a vontade de viver que está em todos nós. 

Temos de lembrar que fomos criados para sermos eternos, foi assim que Deus nos fez. Por causa disso, é natural em nós que a morte parece não encaixar, que é uma coisa contrária àquilo que nós sentimos e queremos ser.

Como viver e como morrer

Por outro lado, entendemos que a morte faz parte da nossa vida, da nossa história. E mais ainda, a fé em Deus, fé naquilo que Ele nos revela traz também um olhar diferente, inclusive o ensinamento de como viver a vida aqui neste mundo. Como viver e como morrer.

Na primeira Leitura, nós escutamos: “Aos olhos dos insensatos, aqueles que faleceram parecem ter morrido. Sua saída do mundo foi considerada uma desgraça, e sua partida do meio de nós, uma destruição; mas eles estão em paz” (Sb 3,2-3).

Só a nossa fé nos permite abraçar essa verdade. Abraçar no sentido de fazer ela presente em nós, a ponto de começar a nos formar o nosso modo de ser, nosso modo de pensar, nosso modo de enfrentar o dia a dia, de trabalhar e, inclusive, de olhar nos olhos da morte, quando ela bater à nossa porta dizendo: “Vem, chegou a sua hora”.

Quando olhamos com a fé para a nossa vida, nós entendemos que não tem nenhum sentido focar na nossa vida aqui, neste mundo, como uma única opção de que vale a pena viver e investir. Obviamente, o mundo no qual nós vivemos tem uma mensagem totalmente contrária: que é viver esta vida ao máximo possível, aproveitando o máximo possível, cuidando das coisas deste mundo, das felicidades, até fazendo o mal, mas se isso me traz mais felicidade, mais alegria para os meus, qual é o problema? Um dia vai acabar tudo isso. São muitos que pensam assim.      

Mas nós temos de lembrar que a nossa vida aqui, neste mundo, tem um valor que Deus nos ensina. Ele nos fala como temos de olhar a vida e os valores vividos neste mundo. Basta olhar a Sagrada Escritura.   

No Evangelho de São João, nós lemos: “Quem tem apego a sua vida, vai perdê-la. Quem despreza a sua vida neste mundo vai conservá-la para a vida eterna.” (São João, 12-25). Temos, então, que desprezar a nossa vida aqui neste mundo, porque ela realmente não tem nenhum valor? Claro que não. A mensagem é que temos que viver aqui neste mundo mas com os olhos fixos lá no Céu. A nossa vida é muito maior do que aquilo que conseguimos viver aqui neste mundo. 

São Mateus, no seu Evangelhos nos explica isso com palavras um pouco diferentes daquelas que nós ouvimos com São João. “Pois quem quiser salvar sua vida, a perderá. E quem perder a sua vida por causa de mim, a encontrará” (São Mateus 16, 25).

Quanto tempo você gasta rezando?

Quantas horas vocês gastam com as suas orações, com a participação das Santas Missas, com a leitura das Sagradas Escrituras, outras leituras? Quantas horas vocês passam nos retiros? Quantas horas vocês gastam numa reflexão sobre a própria vida, sobre aquilo que tem que fazer com ela? Com os terços? 

Ao olhar deste mundo, vocês estão perdendo esta vida. Vocês poderiam estar em tantos outros lugares fazendo tantas outras coisas interessantes e vocês estão gastando todo este tempo para as coisas que, aparentemente, neste mundo, são inúteis. Mas nós sabemos que todas essas horas gastas assim são investidas na nossa história com Deus. Na nossa história que não tem um fim. Por isso, vale a pena perder a vida aqui neste mundo, neste sentido de usar ela, não para aquilo que o mundo diz que vale a pena viver, e sim se doando, se envolvendo com as coisas que são do próprio Deus. 

“Quem perder a sua vida por causa de mim a encontrará”. Ou seja, quem investir naquilo que une a mim, que faz a nossa comunhão ser aprofundada. O que cria em nós a vontade de viver por amor a mim, a Deus e ao nosso próximo, é realmente estar fazendo coisas muito boas. E mais ainda, quando lemos as palavras de São Paulo em que ele fala sobre o valor da vida, até podemos estranhar.

Ele está dizendo assim: “Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” ( Filipenses 1, 21 ). Imagina alguém dizer que morrer é lucro!? Pois estamos acostumados em dizer que é ruim. Então, teremos de discutir com São Paulo. Por que ele está falando que morrer é lucro? Ele explica, nestas palavras: “Fico na indecisão, meu desejo é partir desta vida e ficar com Cristo, e isso é muito melhor. No entanto, por causa de vocês, é mais necessário que eu continue a viver” (Filipenses 1, 23).

Leia mais:
.:Assista às homenagens dedicadas a Monsenhor Jonas
.:Missa do dia 14 de dezembro das Exéquias de padre Jonas Abib, presidida por Padre Vicente de Paula
.:Missa do dia 14 de dezembro das Exéquias de padre Jonas Abib, presidida por Padre José Augusto
.:Missa do dia 14 de dezembro das Exéquias de padre Jonas Abib, presidida por Dom Orani Tempesta

Olha como São Paulo está avaliando a própria vida, ele está dizendo claramente: “Eu queria estar com Cristo, já unido com Ele”. Não que aqui nós não podemos nos unir com Cristo. Podemos sim, mas de uma maneira muito limitada. Na outra realidade nós temos a chance de estar com Ele plenamente. 

São Paulo está dizendo: “Eu já gostaria de estar nesta comunhão com Deus, que é impossível aqui neste mundo. É a minha vontade. Seria melhor para mim, mas para o bem de vocês, eu ainda entendo que preciso continuar, que podemos acrescentar aqui um comentário, como se fosse ele dizendo: “Eu estou aqui porque preciso ainda estar. Se o Senhor quisesse me chamar, já me chamaria. Não me chamou porque eu tenho aqui ainda uma missão para cumprir”. 

E ele explica que a missão é cuidar para que as pessoas entregues a Ele possam progredir e ter alegria na fé. E eu te pergunto: qual é a sua missão aqui neste mundo? Você acha que Deus está te deixando aqui à toa? Está aqui só para tentar sobreviver até a morte? Não tem nada para fazer aqui neste mundo? Qual é a sua missão? 

Sem dúvida, hoje olhamos a vida do Monsenhor Jonas para a missão que Deus entregou para ele, a missão a qual ele o escolheu como seu instrumento. Imagina um dia, ele, lá no passado dizendo: “Ah, não estou a fim. Tenho outras coisas melhores para fazer porque estão me chamando para ir à praia. “Não que ir à praia seja errado, mas trocar as coisas de Deus pela praia, aí sim, seria errado. Para conhecer os lugares bons temos tantas oportunidades. E aqui parece que Deus está esperando muito trabalho, e isso vai me cansar muito.

Imagina se Monsenhor Jonas pensasse assim! Graças a Deus, ele estava a “altura do recado”. Na altura da vocação que recebeu de Deus. Tantas vezes nós podemos pensar que para uns Deus entregou uma missão, para outros, outra missão. E alguém ainda pode dizer: “Se Deus me convidasse para uma missão maior, aí seria melhor. Mas está me chamando para uma missão muito pequena, que é cuidar da minha família, cuidar dos meus filhos. O que eu posso fazer demais?”.

Muitos santos que fizeram coisas maravilhosas não poderiam fazer nada, se não fossem os pais que cuidaram muito bem da sua criação, da sua educação na fé. Nós precisamos confiar no plano que Deus tem para nós. Se ele está nos dando uma missão, é porque Ele quer cada um de nós naquilo que quer realizar aqui, neste mundo. Temos de nos perguntar: “Será que eu estou respondendo a Ele, exatamente no nível ao qual ele está me chamando, dando uma resposta plena?”. 

Em um projeto chamado “Adoção Espiritual” promovido pela nossa Arquidiocese do Rio de Janeiro, que eu cuido de uma maneira particular, nós falamos sobre o valor de cada vida. Falamos quanto cada vida tem, a importância de nós acolhemos com amor materno/ paterno, as crianças que nós nem conhecemos, mas  sabemos que elas já foram concebidas mas correm o risco de serem abortadas.

Nós acreditamos firmemente que cada um de nós veio a este mundo com uma missão muito importante para cumprir, por isso, não podemos descartar ninguém. E eu falei: “Tem uma missão para cumprir aqui neste mundo”. Eu acho que não só aqui neste mundo.

Eu acredito que chegaram para a Comunidade Canção Nova muitas mensagens que dizem sobre a perda, que é a morte do Monsenhor Jonas. Vou falar palavras que podem até incomodar alguém, mas presta bem atenção no que eu quero dizer: vocês têm certeza que perderam o Monsenhor Jonas? Vocês acham que perderam?

Eu tenho certeza que vocês ganharam. Vocês ganharam. Só lembrando o que poderiam pensar os apóstolos quando olharam Jesus subindo para o Céu. O que eles poderiam pensar? Que acabou tudo? Pode ser que um ou outro pensou, mas depois eles perceberam que era ali que tinha começado.  

Comunhão com os Santos

E quando Nossa Senhora também partiu deste mundo. “Ela não poderia ter ficado um pouco mais? Não tinha o que fazer neste mundo?”. Tinha, mas indo para junto de Deus tinha muito mais para fazer, inclusive, fazendo até agora. 

Por causa disso, eu tenho certeza que a missão do Monsenhor Jonas não terminou. Agora que ela vai começar. Agora que não terá mais limitação humana, que nos prende aqui neste mundo e nos faz ficar cansados, com sono e doentes. Não terá mais isso. E mais ainda, ficando em comunhão com Deus, o acesso ao coração de Deus é direto. Por causa disso eu tenho certeza de que agora vai começar a missão do Monsenhor Jonas. Então, ele não foi para descansar, ele foi para começar a trabalhar mais ainda.

Obviamente, todos nós estamos aqui para rezar por ele, porque entendemos que todos nós temos nossas falhas e limitações, e se existe alguma coisa que possa impedir este encontro maravilhoso dele com o próprio Deus, estamos aqui, celebrando as Santas Missas, elevando as nossas orações a Deus, pedindo a misericórdia e mostrando, com o nosso amor, o quanto ele realmente merece a vida eterna.

Eu acredito que tem de marcar estes dias da despedida do Monsenhor Jonas aqui neste mundo, mas também da festa lá no céu, que está começando para ele. Esperamos também ter a participação nela, através da nossa união que nós chamamos de “Comunhão dos Santos”. União com ele mesmo.

Por isso, esta realidade da morte, que hoje enfrentamos, ao olhar para o corpo do Monsenhor Jonas, que possamos realmente levantar, com o olhar voltado para o céu, com esperança da vida plena que está nos aguardando, com a qual já colaboramos, vivendo aqui, a vida limitada neste mundo. 

Que, de fato, as palavras do Salmo de hoje possam se tornar nossas palavras: 

“Como a corsa suspira pelas águas correntes, suspira igualmente a minha alma por vós ó meu Deus. Minha alma tem sede de Deus, e desejo o Deus vivo; quando terei a alegria de contemplar a face de Deus?” ( Salmos 41).

A nossa hora vai chegar, sem dúvida. Até então, temos muita coisa ainda para fazer, porque, se vivemos aqui, é porque Deus conta conosco, com a nossa missão e com o nosso trabalho. Peçamos para que ele nos ilumine, para que ele nos mostre o caminho, para que nos mostre a nossa missão e nos dê a força  para que realmente cumpramos bem o que Ele espera de cada um de nós.

Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Cristo. Para sempre seja louvado!

(Transcrição e adaptação: Ester Vieira)

 

O post “Quem perder a sua vida por causa de mim, a encontrará” apareceu primeiro em Monsenhor Jonas Abib.