Uma comparação realizada na infância pode trazer traumas quando adultos
Quem, quando criança, nunca ouviu aquela famosa frase: “Seu irmão nunca fez isso, não me deu trabalho!”; “A sua irmã já definiu o esporte dela e você fica nesse entre e sai de esporte e não define nada na sua vida”; “Você está vendo que todas as crianças comem de tudo menos você. Você tem que comer como elas, para ficar grande e forte!”.
Eu poderia ficar aqui descrevendo inúmeras frases, e você se enquadraria em algumas, ou poderia lembrar de ter ouvido mães, pais, tias, avós, amigos e tantos outros adultos terem dito essas frases para alguma criança de seu convívio.
Palavras mal utilizadas
Que mal poderia de ter nessa pequena fala inofensiva, se o objetivo do adulto é bom, é positivo? A questão é que esse adulto não sabe como a criança está recebendo a informação e como ela responderá no futuro.
A fase da primeira infância, descrita por Jean Piaget e demais teóricos do desenvolvimento, é rica em descobertas, transformações e construções. Uma delas é a busca por autonomia, e ela é construída por referência nos adultos mais próximos. Quando uma criança é comparada a outra, nasce dentro dela uma angústia, por se sentir inferior e incapaz de corresponder à expectativa daquele que é o seu espelho. Em contrapartida, aquela criança que se torna a referência da comparação assume um lugar de não mais poder errar, em ter que ser a referência e acertar sempre. É nesse momento que a criança pega o “saco pesado” da vida de responsabilidades e erros inadmissíveis e coloca nas costas.
Ouvir dos cuidadores tais palavras, que no universo adulto pode soar como incentivo, o que também não é positivo, tem grande poder de destruição na vida de uma criança. Unindo essa fala comparativa com a fase de construção da autonomia, ou seja, o momento de se sentir autônomo, capaz, independente, livre, a criança pode vir a se fechar em seu mundo e se tornar insegura por medo ou agressiva por defesa. Essa forma de enfrentar o mundo diante de tais comparações, automaticamente são incorporadas em sua formação psíquica e futuramente também serão representadas de forma similar a essa infantil na vida adulta. Muda a idade, o cenário, mas o sentimento despertado naquele adulto diante a comparação e consequentemente sua reação, serão semelhantes às vividas no passado, na infância. Claro que tudo isso acontece sem que percebamos, pois a vida, muitas vezes, entra no modo “piloto automático” e não damos conta de muitos comportamentos vivenciados em nosso dia a dia.
Como agir e o que fazer?
Você deve estar se perguntando: “O que eu faço, então?”.
Não temos uma receita de bolo para ninguém, mas comparar uma pessoa a outra, independentemente da idade em que ela se encontra, não é um bom incentivo. A melhor pessoa para ser comparada é você com você mesmo. Questionar o que levou a pessoa a fazer aquilo, escolher aquilo outro, sempre fazendo memória do que ela é, será um bom termômetro para que a própria criança, adolescente ou adulto, reflita sobre sua escolha de pensar e agir.
Comparar uma pessoa com a outra não leva a nada, porque ninguém é igual a ninguém, mas provocar reflexões sobre suas escolhas de hoje, comparadas às suas escolhas de ontem, do ano passado, da sua adolescência, da sua infância, com certeza vai construir e não destruir você.
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