Presidente da Comissão de Inquérito da ONU denuncia “situação complexa” no país onde, diz, actuam “cinco exércitos”

Foi divulgado, na semana passada, um novo relatório da Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Síria. Este documento, elaborado por especialistas da ONU, desaconselha neste momento o regresso dos refugiados ao país, lembrando que a Síria continua em guerra e que, por isso, não é possível garantir a segurança das populações civis.

Uma década após o início do conflito armado, o governo controla, segundo as Nações Unidas, “cerca de 70% do território e 40% do número total da população que existia antes da guerra”. Apesar disso, “parece não haver medidas para unir o país ou buscar a reconciliação”.

Em entrevista à ONU News, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão, é taxativo em afirmar que a Síria vive ainda em guerra em três regiões: no noroeste, no nordeste e no sul. E afirma que continuam a verificar-se bombardeamentos aéreos por parte do governo e das suas forças aliadas. Sérgio Pinheiro sublinha a presença na Síria de “cinco exércitos” além de “organizações terroristas e organizações não estatais armadas”.

Sobre os cinco exércitos presentes na Síria, o Presidente da Comissão de Inquérito esclarece que se refere às forças governamentais sírias, aos russos, americanos, milícias libanesas e iranianas. Isto significa “uma situação extremamente complexa para a população”. Ao lado desses cinco exércitos, acrescenta Paulo Sérgio Pinheiro, há “organizações terroristas e organizações não estatais armadas que fazem ataques indiscriminados com foguetes, colocam bombas de controlo remoto”. “Você vê o dia-a-dia da população enfrentando todas essas forças em combates entre si. As populações leais ao governo também são submetidas a essas ações desses grupos armados não estatais. O trágico da situação não é só o que é da responsabilidade da Estado. Certamente é grande responsabilidade. Mas a responsabilidade é também das organizações não estatais armadas, patrocinadas por Estados”, acrescenta.

Além da questão da violência armada, que o relatório divulgado na semana passada documenta, há ainda a considerar “um rápido agravamento da economia” da Síria, com “os preços do pão a dispararem e um aumento de mais de 50% na insegurança alimentar, em comparação com o ano passado”.

Estes dados agora divulgados vêm confirmar os relatos recentes que a Irmã Maria Lúcia Ferreira, uma religiosa portuguesa que vive no Mosteiro de São Tiago Mutilado, na Vila de Qara, enviou para a Fundação AIS.

Em mensagem enviada no final do mês passado para Lisboa, a religiosa portuguesa, mais conhecida como Irmã Myri, explica que a situação no país “está a piorar” e que “a vida está cada vez mais difícil, com os produtos cada vez mais caros, a comida, sobretudo as roupas”. E dá exemplos: “Uma peça de roupa [custa] quase metade de um salário, tal como um quilo de carne… Está a ser muito difícil. Aqueles que tinham algumas reservas de dinheiro para o futuro, estão a gastá-lo pouco a pouco. Aqueles que não têm… vivem a pão e água.”

A religiosa portuguesa, que pertence à Congregação das Monjas de Unidade de Antioquia, dá também o exemplo das falhas constantes no fornecimento de electricidade e na dificuldade de acesso às bilhas de gás ou aos combustíveis para os automóveis.

“Nós aqui, no mosteiro, temos um bocadinho de sorte porque estamos na linha do poço que bomba a água para a vila e então temos mais eletricidade do que em Qara. Agora no Verão diziam que ia haver apenas duas horas de electricidade em cada dia, o que não dá para o congelador conservar a comida, nem para o frigorífico. Também ter gás para um mês inteiro é extremamente difícil, não chega. Uma botija de gás só chega a cada família a cada mês e meio, mais ou menos. E então, não dá. Também a gasolina. Tem havido muita falta de gasolina. As famílias têm que calcular onde é que podem ir com a gasolina que recebem… a roupa fica na máquina de lavar dois ou três dias, porque não dá tempo para fazer um ciclo completo….”

A crise económica está a reflectir-se também nos projectos humanitários e de desenvolvimento que as religiosas estão a promover no Mosteiro de São Tiago Mutilado. A Irmã Myri refere o projecto das lãs, que procura dar trabalho e ser uma fonte de rendimento extra para as mulheres da vila de Qara. “Eu comprava a lã a 3 mil liras sírias há um ano e meio. Agora, passou a 25 mil o quilo… É enorme a diferença…”

Departamento de Informação da Fundação AIS | ACN Portugal