Populações em pânico fogem após novo ataque este fim-de-semana em Moçambique

Religiosas descrevem “situação preocupante” em Cabo Delgado e temem que jihadistas controlem a província

Desde a madrugada de sábado que grupos fortemente armados atacaram Mocímboa da Praia, causando o pânico e levando à fuga das populações. A Irmã Graça António Guitate, das Filhas do Imaculado Coração de Maria, confirmou à Fundação AIS o início do ataque. “Sim, às 5 horas, eles atacaram a vila de Mocímboa da Praia.”

Todos os relatos apontam para confrontos violentos entre exército e os grupos terroristas. Segundo a Irmã Graça, os combates terão durado essencialmente “até ao meio-dia” e terão causado muitas baixas entre os militares. “Não se fala em muitas infraestruturas danificadas, mas sim conta-se que morreram muitos militares moçambicanos”.

Este confronto é considerado como o mais significativo em Cabo Delgado desde a ocupação pelos grupos armados, que se afirmam ligados ao Daesh, o Estado Islâmico, da vila de Mocímboa da Praia entre os dias 28 e 30 de Maio.

Nuno Rogeiro, autor do Livro “O Cabo do Medo”, em que descreve a ameaça jihadista na região norte de Moçambique, assinalou também o ataque de ontem a Mocímboa da Praia, referindo que “os insurgentes”, como os terroristas também são conhecidos localmente, fizeram uso de armas pesadas, nomeadamente “morteiros de 60 mm e canhões sem recuo SPG-9”.

Escreve Rogeiro, na sua página no facebook, que só “a intervenção de helicópteros” pelas forças governamentais, “terá evitado a reocupação total da terra pelo bando, mas muitos civis voltaram a estar na situação de refugiados nas matas circundantes”.

Horas antes deste ataque ter ocorrido, a Irmã Graça assim como a Irmã Joaquina, ambas pertencentes à Congregação das Filhas do Imaculado Coração de Maria, descreviam já em mensagens enviadas para a Fundação AIS um ambiente de caos humanitário na região de Pemba, para onde se têm dirigido milhares de pessoas por causa dos ataques dos jihadistas.

De facto, face à violência destes ataques, tornou-se insustentável a permanência das pessoas em muitas localidades na região mais a norte na província de Cabo Delgado. Nem os padres ou as irmãs ficaram nas paróquias ou missões existentes na região.

“Os ataques têm sido algo cada vez pior aqui na nossa província, e os missionários nessa zona norte, nomeadamente de Palma, Mocímboa da Praia, Nangade, Mueda, Muidumbe, Macomia, Meluco, Quisanga e Ibo já abandonaram as missões.”

A Irmã Graça António Guitate afirma que “alguns destes missionários” estão agora na cidade de Pemba. Para trás, ficaram episódios de violência nomeadamente contra a missão dos monges beneditinos e a casa das Carmelitas Teresas de São José.

A Irmã Graça recorda que os jihadistas “atacaram os monges beneditinos, que estavam na zona de Auasse, apropriaram-se de uma viatura e estragaram a casa”, tendo entretanto “os missionários voltado para a Tanzânia”.

Sobre o ataque às Irmãs de São José, esta religiosa não tem muita informação, mas sublinha que “todos, naquela zona, já abandonaram as missões e estão cá na cidade [de Pemba] ou já voltaram para outras zonas.”

A Irmã Joaquina Tarse, que pertence à mesma Congregação das Filhas do Imaculado Coração de Maria, enviou também uma mensagem para a Fundação AIS em Lisboa, destacando que se vive “uma situação preocupante” no norte de Moçambique, manifestando o receio de que os grupos armados pretendem mesmo controlar toda a província de Cabo Delgado.

No princípio, diz a irmã, referindo-se aos primeiros ataques que ocorreram em 2017, “parecia que o interesse [dos grupos armados] era mais a zona norte da província… hoje percebe-se que eles querem tomar toda a província porque já estão a alastrar-se para sul de Cabo Delgado”.

Para justificar este receio, a Irmã Joaquina Tarse diz que, quando os jihadistas “encontram populações, são capazes de dizer: ‘se vocês querem fugir, fujam o mais que puderem para a província de Nampula ou para outra província’, porque Cabo Delgado, para eles, está já no projecto para ser conquistado”.

A situação de violência em Cabo Delgado, que já provocou centenas de mortos e mais de 200 mil deslocados, foi um dos temas principais da reunião da Conferência Episcopal de Moçambique entre os dias 9 e 13 de Junho.

Os prelados falam em “atrocidades” e em “actos de verdadeira barbárie” e pedem “uma resposta urgente a esta tragédia”. No documento final, os bispos agradecem o espírito solidário de todos os que têm vindo a acolher as populações em fuga.

A crise humanitária que se está a viver em Cabo Delgado e que é consequência dos ataques de milícias jihadistas, já mereceu palavras de solidariedade do Papa Francisco no Domingo de Páscoa.

Precisamente dois meses depois de o Papa ter falado na Praça de São Pedro sobre Cabo Delgado, o Bispo de Pemba denunciava à Fundação AIS que se estava a viver uma realidade “cada vez mais dramática” na região.

“O alojamento não é suficiente para todos, porque aqui em Pemba, por exemplo – explicou D. Luiz Fernando Lisboa –, as famílias estão a receber [os desalojados], mas há também grandes acampamentos sem as condições necessárias. Não há tendas suficientes, não há comida que chegue, porque é muita gente.” A agravar esta situação, e porque agora “é a época do frio”, como sublinhou o Bispo, faltam “mantas, e cobertores” para distribuir a todas as pessoas.

Esta realidade veio agora agravar-se com o ataque de ontem a Mocímboa da Praia que provocou mais algumas largas dezenas de deslocados.

A Irmã Graça António Guitate sublinha esta realidade. Na mensagem enviada no final desta semana para a Fundação AIS, a religiosa explica que “o governo arranjou um sítio onde está aglomerada a população”, não adiantando, no entanto, um número sequer aproximado de quantos deslocados estarão a viver na cidade de Pemba. “Neste momento não temos efectivamente o número total das pessoas mas tem crianças, mulheres, homens, muita gente…”

A Igreja Católica está fortemente empenhada no apoio a todas estas pessoas que, tendo fugido das aldeias e vilas por causa dos ataques dos grupos jihadistas, estão agora de mãos vazias, dependendo totalmente na ajuda fornecida pelas autoridades e pela diocese, através da Caritas.

Tanto a Irmã Graça como a Irmã Joaquina revelam que a Congregação das Filhas do Imaculado Coração de Maria está no terreno junto destes deslocados, procurando “apoiar também moralmente porque é uma população que não precisa apenas de alimentos mas também de um acompanhamento espiritual”. Uma ajuda essencial até porque muitas destas pessoas estão traumatizadas pela experiência de violência extrema que tiveram de suportar. “São pessoas que viram os seus pais, os seus irmãos a serem degolados…”, lembra a Irmã Graça.

Departamento de Informação da Fundação AIS | ACN Portugal