Homilia da Missa, 13 junho, por D. António Luciano dos Santos Costa, Bispo de Viseu
Estamos reunidos neste lugar sagrado de Fátima para agradecermos à SantíssimaTrindade o grande amor que nos tem e a graça de nos dar Maria como nossa Mãe. Aqui, Ela nos congrega como filhos e nos ensina a sermos verdadeiros discípulos de Jesus Cristo.
Como vós, também eu, humilde pastor da Igreja, animado pela mesma fé, estou aqui como simples peregrino para louvar, agradecer e bendizer a Deus por tantos dons e benefícios que nos têm concedido a cada um de nós, às nossas paróquias, às nossas dioceses, aos nossos presbitérios e ao nosso mundo. Vimos pedir pelas famílias, pelas crianças e jovens, pelas vocações, pela santificação dos sacerdotes e de todo o povo de Deus.
Que a oração que fazemos pela paz, pelos doentes, pelos frágeis, pelos pobres e refugiados chegue, com confiança, ao coração de Deus, por intercessão do Imaculado Coração de Maria.
Maria, no calvário, torna-se Mãe dos discípulos. Junto à cruz de Jesus, torna-se Mãe do discípulo predileto, um “tempo de graça e misericórdia” (cf. Jo 19, 25-27). A maternidade espiritual exercida por Maria e que todos recebemos nas palavras que Jesus disse a sua Mãe: “Mulher, eis o teu filho”; e disse ao discípulo: “Eis a tua Mãe”, não são palavras de mera recomendação de Jesus em nosso favor, mas são o assumir de uma nova forma de relação, na qual todos os batizados nos assumirmos verdadeiramente como filhos de Deus e de Maria.
Na segunda leitura, da Carta aos Gálatas, São Paulo fala da “plenitude dos tempos”, pois a plenitude que Cristo nos oferece de modo pleno no Calvário é a graça de sermos filhos de Deus, de nos tornarmos de pleno direito “seus filhos adotivos”. E porque somos filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: “Abá! Pai!” (cf. Gal 4, 4-7).
Maria, junto à Cruz, torna-se Mãe da Igreja, Mãe compadecida de toda a humanidade, das feridas do seu Filho que continuam vivas em cada um de nós.
É Mãe cheia de compaixão por uma humanidade sofredora das injustiças dos homens, como narrava o texto da primeira leitura do livro dos Macabeus, onde a ternura de uma mulher e mãe, suporta com firme serenidade os sofrimentos da morte dos seus filhos, porque acredita no Senhor e na sua misericórdia. Esta mãe é exemplo da mulher e da mãe que defende a vida dos seus filhos, desde o momento da conceção até à morte natural. Por isso ela dizia: “Não sei como aparecestes no meu seio, porque não fui eu que vos dei o espírito e a vida, nem fui eu que ordenei os elementos de cada um de vós. Por isso, o Criador do mundo, que é o autor do nascimento e origem de todas as coisas, vos restituirá, pela sua
misericórdia, o espírito e a vida…”.
Maria, no Calvário, ensina-nos a viver a vida humana e cristã com um dom. O seu testemunho e a sua fé levam-nos a acreditar que a vida é um dom de Deus que nós devemos respeitar e promover em todos os momentos da existência humana. Perante os inúmeros atentados contra a vida humana, a falta de respeito pela sua dignidade, ou por tantas mortes inocentes, ou, simplesmente, pela afirmação de querer ser fiel à sua fé perante o testemunho da morte dos seus filhos “tudo suportou com firme serenidade, pela esperança que tinha no Senhor”. É este testemunho de fé e de coragem que Maria oferece a cada um de nós no calvário. O Fiat de Maria resume, no Stabat Mater confirmado no Calvário, a grandeza da sua fé, a pequenez da sua humildade, a riqueza da sua proximidade, a beleza da sua graça, o testemunho da sua confiança incondicional no Senhor e a riqueza de servir a humanidade e a Igreja realizando a vontade de Deus.
Em Fátima, como no Calvário, Maria ensina-nos o que significa ser mãe, Mãe de Cristo, Mãe da Igreja, Mãe dos discípulos. Ser Discípula Missionária que escuta, acolhe e testemunha a Palavra de Deus. Aqui, em Fátima, Maria é a Mãe que nos cobre com o seu manto de luz e de misericórdia. Fátima é para o mundo sinal da Igreja, “Luz dos Povos”, que acredita em Deus como Maria e que se deixa iluminar por um manto de luz e de graça.
Jesus afirma: “Eu Sou a Luz do mundo”; mas também diz aos discípulos: “Vós sois a luz do mundo”. Somos chamados a ser discípulos de Cristo a iluminar o mundo de hoje e a construir a verdadeira civilização do amor. Fátima é presença da luz de Cristo ressuscitado através de Maria e mostra aos cristãos e ao mundo de hoje os verdadeiros valores do Evangelho. A missão de Maria, a verdadeira discípula de Cristo, a missão de cada batizado como discípulo missionário, deve ser luz para o nosso mundo, mergulhado em densas trevas.
Aqui reside o grande desafio missionário para renovação da vida da Igreja nascida no mistério da Cruz: “Todos, tudo e sempre em missão”.
O Santuário de Fátima tornou-se para os cristãos um lugar de bênção e de graça. Um manto de luz para a Igreja e para o mundo, um sinal de esperança e de paz, de presença de Deus, que, por intercessão de Maria, a Senhora do Rosário, cuida da humanidade ferida e dos irmãos de Seu Filho, que, no meio de tribulações, ainda continuam as dores do Calvário peregrinando sobre a terra.
Desde o longínquo dia 13 de maio de 1917, Fátima continua até aos nossos dias esta dimensão profética em que a Virgem, a Senhora mais brilhante que o Sol, aqui anunciou aos pastorinhos uma vida nova para toda a humanidade.
O Céu, isto é, a Bem-Aventurança eterna, é aqui referido aos pastorinhos como o destino de todo o género humano, o destino de todos os filhos que, martirizados, morrem diante de sua mãe. Nossa Senhora afirmou ser do Céu e também nos ensinou, com carinho de Mãe, os meios que nos conduzem ao Céu: a conversão, a emenda de vida, a oração por nós e pelos pecadores e pela paz no mundo. Uma vida nova centrada em Cristo, revelador do mistério Trinitário de Deus.
Ser discípulo de Cristo confiado a Maria, durante este ano de 2019 no qual celebramos dois centenários relevantes e importantes no contexto da vivência e difusão da Mensagem de Fátima: o centenário da construção da Capelinha das Aparições e o centenário da morte de São Francisco Marto, deve levar-nos a pôr em prática as palavras de Maria pronunciadas nas bodas de Caná: “Fazei tudo o que Jesus vos disser”.
O cumprimento das palavras de Jesus, que nos pede para amarmos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, são um desafio para vivermos o mistério da comunhão, da presença, da unidade e da compaixão que nos vem do mistério da Cruz e das palavras que Jesus partilhou com a sua mãe momentos antes da sua morte.
Esta peregrinação é um desafio para sermos mais cristãos no mundo de hoje, promovendo e criando uma nova cultura de escuta, de acolhimento, de disponibilidade, de relação e de abandono à vontade de Deus. A renovação e coerência da liberdade, da responsabilidade e da autenticidade, devem ser o compromisso missionário da proximidade junto dos pobres, dos doentes, dos injustiçados e dos mais frágeis da sociedade.
A Mensagem de Fátima faz desta celebração um tempo de graça e de misericórdia. Somos convidados a dar graças a Deus por este grande dom e a pedir, por intercessão de Nossa Senhora de Fátima, a graça de defendermos a vida humana. Com Maria, a Mãe da vida, e o exemplo de São Francisco e Santa Jacinta Marto, sejamos verdadeiros adoradores da Vida de Deus, que em Jesus nos foi dada em abundância, tornando-nos, como os pastorinhos, reparadores de todos os atos humanos que provocam violência e morte. Quero agradecer a Deus neste dia, de modo particular, a vida de cada um de nós, das nossas famílias, das nossas dioceses, do povo simples e humilde que em todo o mundo quer aprender a ser verdadeiro discípulo de Cristo.
Que aprendamos sempre a cantar um hino à vida e a trabalharmos apostolicamente para que todos tenham a vida de Deus em abundância. Este é o centro fundamental da Mensagem cristã e o dom que em Fátima nos aponta o caminho de conversão dos pecadores. Que São Francisco e Santa Jacinta Marto e a Serva de Deus Lúcia de Jesus nos ensinem sempre a confiar no Coração de Jesus e de Maria e a entregarmos a nossa vida ao serviço do próximo.
Que aprendamos, como Maria, a ser verdadeiros discípulos missionários, seguindo Jesus Cristo que morreu na cruz para nos salvar. Todos nós, peregrinos, nos sentimos neste santuário um dom de Deus, de Nossa Senhora de Fátima e dos Pastorinhos.
Na Aparição de 13 de outubro, Nossa Senhora disse aos videntes: “Quero que façam aqui uma capela”. Essa capela foi o início do Santuário e constitui, ainda hoje, “o seu coração”. Ora, em contexto cristão, o edifício da igreja – neste caso, a “capela” – é sempre símbolo da Igreja de pedras vivas que aí se reúne para celebrar a presença de Jesus Cristo (cf. Padre Carlos Cabecinhas, Reitor do Santuário, em Fátima, Luz e Paz a 13/2/2019). Foi isto que aconteceu hoje connosco.
A mensagem de Fátima põe sempre em destaque a dimensão eclesial, a multidão reunida a cantar, a rezar, a celebrar e a louvar como sinal da Igreja peregrina. Dar graças a Deus por peregrinar em Igreja. Sempre um povo em caminhada para a casa do Pai, animado pela esperança Pascal. Um povo em conversão, como rezavam os pastorinhos: “Peço-vos a conversão dos pobres pecadores”.
A oração pelos pecadores, pelo santo Padre, pela Igreja, a oração do terço pela paz foram sempre uma constante na vida dos pastorinhos. O Espírito de oração e culto Eucarístico expresso na adoração a Deus, Trindade Santíssima, ensinada pelo Anjo, invocam os “méritos infinitos do Santíssimo Coração de Jesus e do Coração Imaculado de Maria” e faz- se a prece “pela conversão dos pobres pecadores”. Aqui encontramos o sentido da conversão e a mudança de vida provocada pela graça de Deus. Além de pessoal, é também comunitária. A conversão envolve também as nações e a humanidade inteira, numa mudança radical do mal para o bem, conversão e desejo de uma vida interior cheia de sentimentos de alegria e de santidade. Estes foram sentimentos sempre muito vividos e partilhados por São Francisco Marto, Santa Jacinta e a Serva de Deus Irmã Lúcia de Jesus. Eles tornaram-se exemplos para cada um de nós, mas de modo especial para as crianças e os jovens. Deus ama muito os
pequeninos e fá-los instrumentos de ternura, de beleza e apelo de santidade para o mundo de hoje. Rezemos com confiança a Nossa Senhora de Fátima para que aumentem em toda a Igreja os discípulos de Cristo. Ámen!
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