É urgente criar espaços onde a fragmentação não seja o esquema dominante.
O Papa Francisco visitou, nesta quarta-feira (17/01), a Pontifícia Universidade Católica do Chile, em Santiago.
Fundada em 21 de junho de 1888, pelo então Arcebispo de Santiago, Dom Mariano Casanova, a instituição celebra, este ano, 130 anos de vida.
Em seu discurso aos estudantes, funcionários e expoentes do mundo acadêmico, Francisco manifestou a alegria de estar ali naquela universidade que “ofereceu ao país um serviço inestimável”.
“ A história desta Universidade está, de certa forma, entrançada com a história do Chile. São milhares os homens e mulheres que, tendo-se formado aqui, desempenharam tarefas importantes em prol do desenvolvimento do país. ”
“Apraz-me recordar especialmente a figura de Santo Alberto Hurtado, neste ano em que se celebra o centenário do início de seus estudos aqui.
A sua vida é um claro testemunho de como a inteligência, a excelência acadêmica e o profissionalismo na atividade, harmonizados com a fé, a justiça e a caridade, longe de se debilitar, adquirem uma força profética capaz de abrir horizontes e iluminar o caminho, especialmente para as pessoas descartadas da sociedade.”
Retomando as palavras do reitor, Doutor Ignacio Sánchez, a propósito dos desafios importantes para Chile, o Papa deteve-se em dois pontos: “convivência nacional e capacidade de progredir em comunidade”.
Convivência nacional
“Falar de desafios é admitir que há situações que chegaram a um ponto em que devem ser repensadas. O que até ontem podia ser um fator de unidade e coesão, hoje exige novas respostas. O ritmo acelerado e a implementação quase vertiginosa de alguns processos e mudanças, que se impõem em nossas sociedades, nos convidam, de maneira serena mas sem demora, a uma reflexão que não seja ingênua, utopista e menos ainda voluntarista.
Isto não significa frenar o desenvolvimento do conhecimento, mas fazer da universidade um espaço privilegiado para «praticar a gramática do diálogo que forma encontro». Pois «a verdadeira sabedoria [é] fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas».
“ A convivência nacional é possível na medida em que dermos vida a processos educativos que sejam simultaneamente transformadores, inclusivos e de convivência. ”
‘Educar para a convivência não significa apenas acrescentar valores ao trabalho educacional, mas gerar uma dinâmica de convivência dentro do próprio sistema educativo”, destacou o Papa.
“Não é tanto uma questão de conteúdos, como sobretudo de ensinar a pensar e raciocinar de modo integral: aquilo que os clássicos costumavam designar com o nome de forma mentis.
E, para se alcançar isto, é necessário desenvolver o que eu chamaria uma alfabetização integral que saiba adaptar os processos de transformação que se estão a verificar no seio das nossas sociedades.
De acordo com o Pontífice, “tal processo de alfabetização requer que se trabalhe, de maneira simultânea, na integração das diferentes linguagens que nos constituem como pessoas. Ou seja, uma educação (alfabetização) que integre e harmonize o intelecto (a cabeça), os afetos (o coração) e a ação (as mãos). Isto proporcionará e possibilitará um crescimento dos alunos de maneira harmoniosa não só a nível pessoal, mas também e simultaneamente a nível social.
É urgente criar espaços onde a fragmentação não seja o esquema dominante, mesmo do pensamento; para isso, é necessário ensinar a pensar o que se sente e faz; a sentir o que se pensa e faz; a fazer o que se pensa e sente. Um dinamismo de capacidades ao serviço da pessoa e da sociedade.”
“ A alfabetização, baseada na integração das diferentes linguagens que nos constituem, envolverá os alunos no seu processo educativo; processo voltado para os desafios que o futuro próximo lhes apresentará. ”
Segundo Francisco, “a única coisa que consegue o «divórcio» dos saberes e das linguagens, o analfabetismo sobre como integrar as diferentes dimensões da vida, é a fragmentação e ruptura social”.
“Nesta sociedade líquida ou volátil, como a definiram alguns pensadores, vão desparecendo os pontos de referência a partir dos quais se possam construir, individual e socialmente, as pessoas. Parece que hoje a «nuvem» seja o novo ponto de encontro, que se caracteriza pela falta de estabilidade, já que tudo se volatiliza e, consequentemente, perde consistência.
“ Esta falta de consistência poderia ser uma das razões para a perda de consciência do espaço público. ”
“Um espaço que exige um mínimo de transcendência sobre os interesses privados (viver mais e melhor) para construir sobre bases que revelem aquela dimensão tão importante da nossa vida que é o «nós».
Sem esta consciência, mas sobretudo sem este sentimento e, por conseguinte, sem esta experiência é, e será, muito difícil construir a nação. Neste caso, pareceria que a única coisa importante e válida fosse o que diz respeito ao indivíduo e, tudo o que ficasse fora desta jurisdição, torna-se-ia obsoleto.
Semelhante cultura perdeu a memória, perdeu os vínculos que sustentam e tornam possível a vida. Sem o «nós» dum povo, duma família, duma nação e, ao mesmo tempo, sem o «nós» do futuro, dos filhos e do amanhã; sem o «nós» duma cidade que «me» transcenda e seja mais rica do que os interesses individuais, a vida será não só cada vez mais fragmentada, mas também mais conflituosa e violenta.
Neste sentido, a universidade tem o desafio de gerar, dentro do seu próprio claustro, as novas dinâmicas que superem toda a fragmentação do saber e estimulem a uma verdadeira universitas”.
Progredir em comunidade
“Daí segue-se o segundo elemento, muito importante para esta Casa de Estudo: a capacidade de progredir em comunidade”, frisou o Pontífice.
“Soube, com alegria, do esforço evangelizador e da vitalidade radiosa da vossa pastoral universitária, sinal duma Igreja jovem, viva e «em saída». As missões, que vocês realizam em diferentes locais do país, são um ponto forte e muito enriquecedor.
Em tais ocasiões, vocês conseguem alargar o horizonte de seu olhar e entrar em contato com várias situações que, para além do evento específico, deixam vocês mobilizados. De fato, o «missionário» nunca retorna igual da missão; experimenta a passagem de Deus no encontro com tantos rostos.
Estas experiências não podem ficar isoladas do percurso universitário. Os métodos clássicos de investigação provam nisso certos limites, e mais ainda numa cultura como a nossa que estimula a participação direta e instantânea dos sujeitos.”
“ A cultura atual exige novas formas capazes de incluir todos os atores que dão vida à realidade social e, consequentemente, educativa. Daí a importância de ampliar o conceito de comunidade educativa. ”
“Esta comunidade é desafiada a não se isolar de [novas] formas de conhecimento; bem como a não construir conhecimentos à margem dos destinatários dos mesmos. É preciso que a aquisição de conhecimento seja capaz de gerar uma interação entre a aula e a sabedoria dos povos que constituem esta terra abençoada.
Uma sabedoria carregada de intuições, de «olfato», que não se pode ignorar na hora de pensar o Chile. Deste modo, produzir-se-á a sinergia muito enriquecedora entre rigor científico e intuição popular.
Esta estreita interação mútua impede o divórcio entre a razão e a ação, entre o pensar e o sentir, entre o conhecer e o viver, entre a profissão e o serviço”.
“ O conhecimento deve sentir-se sempre a serviço da vida e confrontar-se com ela para continuar a progredir. ”
“Por isso, a comunidade educativa não se pode reduzir a aulas e bibliotecas, mas deve ser continuamente desafiada à participação. Tal diálogo só pode ser realizado a partir duma episteme capaz de assumir uma lógica plural, ou seja, que assume a interdisciplinaridade e a interdependência do saber.
«Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços».
A comunidade educacional guarda, em si mesma, um número infinito de possibilidades e potencialidades, quando se deixa enriquecer e interpelar por todos os atores que compõem a realidade educativa. Isto requer um maior esforço em termos de qualidade e integração.”
“ O serviço universitário deve ter sempre como objetivo ser de qualidade e excelência, colocadas a serviço da convivência nacional. ”
“Neste sentido, poderíamos dizer que a universidade se torna um laboratório para o futuro do país, porque sabe incorporar em si a vida e a caminhada do povo, superando toda a lógica antagónica e elitista do saber.
Uma antiga tradição cabalística diz que a origem do mal se encontra na divisão produzida pelo ser humano quando comeu da árvore da ciência do bem e do mal. Desta forma, o conhecimento adquiriu um primado sobre a criação, submetendo-a aos seus esquemas e desejos.
Será tentação latente em todos os campos acadêmicos, a de reduzir a criação a alguns esquemas interpretativos, privando-a do mistério que lhe é próprio e que impeliu gerações inteiras a procurar o que justo, bom, belo e verdadeiro.
Mas, quando o professor se torna «mestre» pela sua dimensão sapiencial, é capaz de despertar a capacidade de deslumbramento nos nossos alunos. Deslumbramento perante um mundo e um universo a descobrir!
“ Hoje, a missão que vocês têm nas mãos é profética. Vocês são chamados a gerar processos que iluminem a cultura atual, propondo um humanismo renovado que evite cair em qualquer tipo de reducionismo. ”
E esta profecia, que nos é solicitada, impele-nos a buscar eventuais espaços mais de diálogo que de conflito; espaços mais de encontro que de divisão; caminhos de amistosa discrepância, porque se diverge, com respeito, entre pessoas que caminham procurando lealmente progredir em comunidade para uma convivência nacional renovada.
E, se vocês pedirem, não duvido que o Espírito Santo guiará os seus passos para que esta Casa continue frutificando para o bem do povo do Chile e para a glória de Deus.”
Fonte: news.va
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