Homilia do Cardeal Mauro Piacenza | Penitenciário-Mor
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
[”Sempre seja louvado, com Sua Mãe Maria Santíssima]
É para mim motivo de uma alegria deveras intensa poder celebrar convosco e para vós a Eucaristia neste lugar, aqui onde a Bem-aventurada Virgem Maria se dignou aparecer há cem anos, fazendo assim de Fátima um lugar extraordinário.
De facto, a Santíssima Virgem não aparece em todos os lugares, e, por isso, este lugar não é igual aos outros. Bem pelo contrário: respeitando fielmente a lógica da Encarnação, que aconteceu num tempo e num espaço precisos, as manifestações sobrenaturais de Nossa Senhora, reconhecidas pela Igreja, reenviam-nos para a historicidade da nossa fé e para a ligação imprescindível que, por Vontade Divina, ela tem com o espaço e com o tempo. Estes últimos são criaturas de Deus, como o é o inteiro cosmos, e Deus quis habitar neles, no espaço e no tempo.
Agora que é passada a Ascensão – de que acabámos de ouvir a narração – , perguntamo-nos o que é que ficou com os Apóstolos? Quando Cristo subiu aos Céus, o que é que ficou nos seus corações e nas suas mentes?
Imediatamente, todos nós logo seríamos capazes de responder: ficou- lhes a recordação de Jesus, os Seus ensinamentos… É verdade, mas não é tudo. Ninguém pode viver apenas de uma recordação passada! A nossa fé não é uma recolha arqueológica de verdades passadas incertas; é antes a experiência de uma Presença, verdadeira, objetiva, real e transformante. Aí está exatamente a experiência que tiveram da presença de Maria os Santos Pastorinhos Francisco e Jacinta e a Serva de Deus, a Irmã Lúcia: uma presença verdadeira, real e transformante.
O que ficou aos Apóstolos quando Cristo subiu aos Céus? Ficou-lhes a unidade! A experiência de pertença de cada um deles a Jesus, e da sua comum pertença à unidade que o próprio Jesus determinou e gerou entre eles. A pertença a esta unidade è aquilo que professamos no Credo, sempre que dizemos “Creio na Igreja Una”, e é o que nos permite afirmar a perfeita continuidade entre aquela primeira Comunidade de Jerusalém, reunida no Cenáculo, bem junta em redor de Maria, enquanto aguardava o Dom do Espírito para a Missão, e a Igreja de hoje, e esta nossa Assembleia.
A Santíssima Virgem apareceu neste lugar faz agora cem anos, não somente para exortar os homens à conversão e à oração, como sucedeu noutras aparições, mas com um propósito explicitamente profético, indicando aos homens acontecimentos do futuro, a fim de que eles possam lê-los prudentemente, preparar-se, reconhecê-los e converter-se. Eis aqui a excecionalidade de Fátima! Maria, em Fátima, profetizou, e a Igreja reconheceu a verdade das aparições, e com essas, a das próprias profecias.
Podemos mesmo dizer que estaria em erro quem pensasse que a missão profética de Fátima já está concluída; Fátima não terminou! Fátima está ainda por completar, porque o Coração Imaculado de Maria ainda não triunfou plenamente.
Toda a Igreja, Una, na ininterrupta Tradição apostólica, tende ao anúncio de Cristo aos irmãos, para que se realize a Vontade de Deus, que escutámos na Segunda Leitura. É verdade: Deus quer que «todos os homens se salvem e alcancem o conhecimento da verdade»; mas, para que a Vontade de Deus se cumpra, por uma escolha soberana e imperscrutável do mesmo Senhor, é necessário o concurso da nossa liberdade.
É certo que a salvação é oferecida a todos os homens, e Deus quer que todos se salvem; ora, este oferecimento passa através da indispensável mediação da Igreja e do testemunho dado pelos cristãos; passa através daquilo que a doutrina chama de “substituição vicária”, ou seja, o reviver no Corpo da Igreja, que somos nós, daquele oferecimento que Cristo faz de Si por toda a humanidade.
A Vontade salvífica universal realiza-se com o necessário abrir-se a Deus por parte da liberdade pessoal de cada um. Por esta razão, a Segunda Carta a Timóteo afirma o imprescindível binómio que junta o ser-se salvo e o alcançar-se o conhecimento da verdade: ordinariamente, não se pode realizar a salvação prescindindo do conhecimento da verdade, isto é, o conhecimento do próprio Cristo. Certamente, Deus tem as Suas vias para salvar os homens, mas foi uma delas que Ele nos revelou, e é essa que devemos percorrer e dar a conhecer.
É precisamente neste sentido que Jesus afirma no Evangelho que aqueles que cumprem a vontade do Pai são para Ele «irmão, irmã e mãe». Deste modo, Cristo declara não somente a extraordinária proximidade, familiaridade dos fiéis para com Ele, mas outrossim a possibilidade de os irmãos e do mundo virem a ser como a “Mãe do Senhor”, isto é, como Aquela que gerou a Cristo para a Humanidade, e que sempre gera o Seu Corpo, que é a Igreja.
Eis, caríssimos irmãos e irmãs, a subida e fascinante tarefa que o Senhor nos confia e que a Santíssima Virgem Maria nos recorda em Fátima: sermos profecia para o mundo, mostrando agora e sempre Cristo, o Seu Corpo, aos irmãos, para que, conhecendo a Verdade, possam alcançar a salvação.
Se Deus quer que todos os homens se salvem e alcancem o conhecimento da Verdade, o macaco de Deus, o demónio – que existe, com presença pessoal e, dramaticamente, sempre operante – quer exatamente o oposto! Isto é, quer que todos os homens se condenem eternamente e permaneçam nas trevas da mentira. Por isso, a Bem-aventurada Virgem Maria, para nosso bem, veio mostrar claramente, aqui em Fátima, a possibilidade real da perdição definitiva, da recusa definitiva de Deus e da Sua salvação. Recordá-lo não é fazer terrorismo, mas sim cumprir um ato de misericórdia, um ato de amor. Acaso poderia a Santíssima Virgem pronunciar sequer uma palavra que não fosse vibrante de amor?
Se Cristo já derrotou definitivamente o mal e a morte, a Igreja, unida a Ele, dá continuidade à Sua obra de anúncio e de salvação.
A oração, e em especial a recitação do Terço – no qual o Santo Nome de Maria, de que também fazemos hoje memória, é repetido em litania e amorosamente –, é, ela própria, um grande exorcismo sobre o mundo; com ela envolve-se numa rede de amor os homens, os lugares e a história, o espaço e o tempo, para que nada fique subtraído à universal vontade salvífica de Deus, e para que os corações, plasmados pelo Bendito Nome de Maria, se abram ao encontro com o Salvador.
Também neste sentido, Fátima ainda não se completou! Porque não se completou ainda a missão da Igreja, que permanecerá viva até ao fim dos séculos, em todas as circunstâncias históricas e apesar de todas as adversidades vindas da cultura e do poder.
Caros Amigos, todos os inimigos da Igreja, todos quantos a perseguiram e combateram ao longo dos séculos, já passaram. A Igreja de Jesus ainda aqui está, como a Bem-aventurada Virgem Maria! Ainda aqui está, jovem, forte, rica da fé de tantos filhos seus, adornada com todas as suas orações e obras de caridade, enriquecida por tantos sofrimentos escondidos e oferecidos, que realmente edificam o Reino de Deus, o único novo mundo a que podemos aspirar. É este o melhor dos mundos possíveis! Estamos a experimentá-lo esta noite, nesta extraordinária vigília. O Reino de Deus não é questão de «comida nem bebida» (Rm 14, 17), não é questão de organizações ou estratégias, de tentativas de solução deste ou daquele problema, ainda que importantes e necessárias.
Há cem anos, quando tudo começou, ninguém poderia ter imaginado que três simples Pastorinhos haveriam de ter uma ação determinante para a história deste país, de toda a Península Ibérica, da Europa, do mundo e da Igreja. No entanto, eis-nos hoje aqui, a testemunhar a verdade da fé e a evidência de que, apesar de tudo, mau grado os inimigos fora e dentro dela, a Igreja vive nas consciências dos homens, nelas progride, nelas dá fruto, e nelas acontece uma e outra vez para a salvação de cada um e da humanidade.
O triunfo do Coração Imaculado de Maria é isto mesmo: o acontecer de Cristo nas consciências dos homens e na história do mundo; o acontecer de Cristo e, com Ele, d’Aquela Mãe que O gerou, oferecendo-O por nós e pela nossa salvação; o acontecer, antes de mais em nós, da salvação que nasce do encontro redentor com Cristo, e que, por isso, através de nós, leva à apresentação ao mundo do Senhor.
Caríssimos, tal como os discípulos depois da Ascensão, também nós fitamos o Céu, e, junto com os videntes de Fátima, vislumbramos o Vulto luminoso de Maria, Ícone perfeito da Igreja Una, à qual queremos pertencer, e de facto pertencemos; também nós, obedientes à Vontade de Deus, desejamos que todos os outros homens, que ainda não conhecem o Seu Amor, sejam salvos e alcancem o conhecimento da Verdade, e, por este motivo, sofremos e oferecemos, rezamos e damos testemunho; e é também por esse motivo que estamos aqui hoje, para regressarmos nos próximos dias às nossas casas alegres e seguros.
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