O corpo, de fato, é capaz de tornar visível o que é invisível
Quando pensamos em Teologia, palavras como Deus, céu, divindade e outras similares nos vêm à mente. Mas você pensa em corpo assim que ouve a palavra “Teologia”? Se sua resposta for ‘não’, este texto é um convite feito não por mim, mas por São João Paulo II, que elaborou 133 catequeses em seu Pontificado, cujo tema era ‘Teologia do Corpo’.
Ainda está difícil juntar as palavras Teologia e Corpo? Então pense numa grande obra de arte: pode ser um belo quadro, uma escultura, um monumento ou até uma sinfonia musical. Em muitos casos, sabemos quem foi o autor de determinada obra por causa de alguns rastros que o artista deixa impresso como assinaturas em cada trabalho que executa. O mesmo fez Deus.
Na criação do mundo, Ele deixou marcas da Sua beleza espalhadas na natureza, fez as águas abundantes como a Sua misericórdia, as montanhas permanentes como Seu amor e tantas outras dicas sobre como Ele é. Ao fim, Sua obra mais sublime e completa foi feita à Sua imagem e semelhança. O corpo humano fala de Deus.
A partir dessa realidade, o Papa João Paulo II nos convida a ingressar numa belíssima aventura de descobertas a respeito desse universo maravilhoso que é o corpo de cada um de nós, com a coragem de mergulhar no verdadeiro significado do nosso existir. Em cada catequese, vamos adentrando nos mistérios do corpo humano e, pouco a pouco, descobrimos que, quando compreendemos a plenitude do significado da nossa sexualidade (masculino e feminino), passamos a viver de maneira mais autêntica, livre e feliz.
Muitos filósofos passaram pela humanidade com os questionamentos mais fundamentais da existência humana: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Qual a finalidade do meu ser? A resposta para todos esses questionamentos está impressa no corpo de cada homem e de cada mulher feitos por Deus: nascemos para o amor!
Em uma sociedade que procura “coisificar” nossos corpos, fazer do prazer a nossa última meta e nos assemelhar a objetos para satisfação pessoal, a Teologia do Corpo vem nos recordar, com olhar sereno e mãos estendidas, que o nosso corpo é bom, é santo e templo onde o próprio Deus habita (I Cor 3,16). E é somente a partir do nosso corpo que podemos amar verdadeiramente, traduzir esse amor em gestos de doação e entrega ao outro, como dirá o Sumo Pontífice:
“O corpo, de fato, e só ele, é capaz de tornar visível o que é invisível: o espiritual e o divino. Foi criado para transferir para a realidade visível do mundo o mistério oculto desde a eternidade em Deus, e assim ser sinal d’Ele”.
A Igreja sempre deixou claro, em sua tradição, magistério e com suporte na Palavra de Deus, que toda obra divina é boa e deve ser reverenciada como tal, incluindo o corpo. Seguindo a mesma prática da Igreja, o Sumo Pontífice faz a leitura do significado do corpo sob uma perspectiva antropológica e filosófica, atendendo aos apelos da contemporaneidade. Além dos textos bíblicos e da literatura eclesial, o Papa utiliza como pano de fundo a Humanae Vitae, um dos documentos que mais sofreu resistência da comunidade católica. Seu olhar paterno ajuda a abrir o nosso na interpretação de todas as recomendações da Santa Madre Igreja, recordando que o caminho não é o mais cômodo, mas, com certeza, o mais perfeito e libertador.
Com uma linguagem filosófica e poética, São João Paulo II inicia sua obra nos levando ao princípio de tudo. Em Gênesis, mergulhamos na beleza desse mistério a que chamamos corpo, quando Deus o criou e disse que era “muito bom” (Gen 1,31). Dentro da sua solidão original, sem encontrar quem lhe fosse semelhante dentre tantas criaturas feitas sobre a Terra, Adão solta uma exclamação ao ver Eva pela primeira vez e entender plenamente o significado do seu corpo.
Sem precisar de nenhuma explicação teológica, nossos primeiros pais sabiam que eram chamados a participar da íntima união do próprio Deus, que é Ele próprio, uma Comunidade de Amor. Seus corpos falavam sobre isso: o homem foi feito para a mulher e a mulher para o homem. Ambos são chamados a se complementarem em uma sintonia de amor e doação e, somente por meio dessa entrega total de si, descobrirem o significado esponsal do corpo.
A obra de São João Paulo II foi dividida em seis ciclos com o intuito de facilitar a compreensão dos temas tratados. A saber: ‘O Princípio’, ‘A Redenção do Coração’, ‘A Ressurreição da Carne’, ‘A Virgindade Cristã’, ‘O Matrimônio Cristão’ e ‘Amor e Fecundidade’.
Depois de tratar, com a sutileza de um maestro, sobre o princípio, João Paulo II nos conduz para a vida matrimonial, quase que nos pegando pela mão para apresentar a imensidão de belezas e possibilidades de santificação dentro desse estado de vida. Sua visão clara deixa transparecer o belo de se viver a plena união entre um homem e uma mulher, demonstrando a magnitude a que somos convidados ao experimentar o amor de maneira integral. Como Adão e Eva, os esposos são chamados a se doarem inteiramente por meio de seus corpos e, a partir dessa união livre, total, fiel e fecunda, ingressarem na sacralidade da própria Trindade.
Quando adentra no profundo significado da vida celibatária, a beleza dos textos é encantadora. A continência pelo Reino de Deus é tratada não apenas pela ausência de algo – como a união conjugal –, mas pela presença de uma realidade transcendente. O celibatário aponta, na vida presente, para a vida futura, quando a igreja se dará como uma noiva ao seu Amado. Com a opção pela continência, o celibatário antecipa a realidade que viveremos nas núpcias do Cordeiro, onde a plenitude da felicidade será concreta para todos.
Estamos longe de abranger todos os aspectos apresentados nessa linda obra de um santo que desejou alimentar seu rebanho com pitadas da verdade. Se o desejo de aceitar o convite para adentrar nessa aventura de descobertas e êxtase aguçou seus sentidos, tenha coragem! Dê o primeiro passo e o próprio Deus o conduzirá ao Seu maravilhoso mistério de amor!
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