A vida é importante e, por isso, não se justifica o aborto. Cabe aos cristãos lutarem e afirmarem a vida
Existe hoje em muitos países, inclusive no Brasil, uma campanha entre autoridades civis, médicos, algumas entidades sociais etc., que defendem o direito da mulher de praticar abortos em vários estágios do desenvolvimento do bebê. O apoio de tais pessoas ou entidades à autorização ou ao direito da mulher em abortar é a exaltação à cultura da violência e da morte.
O objetivo deste artigo é fundamentar na Palavra de Deus e no Magistério Católico o valor inviolável da pessoa humana, a dignidade da pessoa, desde a concepção até o fim da vida e, com isso, manifestar o repúdio a qualquer lei, ideias, posições e cultura que defendam o aborto. Todos têm direito à vida.
Compreensão à luz da Bíblia a respeito do aborto
A Sagrada Escritura não tem referências diretas e explícitas em relação ao aborto, ou seja, não existe na Bíblia o mandamento “não abortarás”. A Bíblia, mesmo não apresentando ensinamentos diretos sobre o aborto, oferece uma cosmovisão e ensinamentos decididamente a favor da vida e da sacralidade da mesma, como afirma São João Paulo II na carta encíclica “Evangelium Vitae” no número 39.
Alguns textos bíblicos:
“Todo aquele que derramar o sangue humano terá seu próprio sangue derramado pelo homem, porque Deus fez o homem à sua imagem” (Gn 9,6).
“Tu modelaste as entranhas do meu ser e formaste-me no seio de minha mãe. Dou-te graças por tão espantosas maravilhas; admiráveis são as tuas obras. Conhecias até o fundo da minha alma. (…) Eu não passava de um esboço, e os teus olhos me viram, e todas elas foram escritas em vosso livro; cada dia de minha vida foi prefixado, desde antes que um só deles existisse” (Sl 139 [138],13-14.16).
“Não matarás” (Ex 20,13).
“Se homens brigarem, e acontecer que venham a ferir uma mulher grávida, e essa der à luz sem nenhum dano, eles serão passíveis de uma indenização imposta pelo marido da mulher, e que pagarão diante dos juízes. Mas, se houver outros danos, urge dar vida por vida” (Ex 21,22-23).
“Todo aquele que ferir mortalmente um homem será morto” (Lv 24,17).
“Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações” (Jr 1,5).
“Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás, mas quem matar será castigado pelo juízo do tribunal” (Mt 5,21).
“Não matarás (…)” (Mt 19,18; Mc 10,19; Lc 18,20; Rm 13,9; Tg 2,11).
“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
“Não se arrependeram de seus homicídios, seus malefícios, suas imundícies” (Ap 9,21).
Compreensão antropológica-teológica
A pessoa humana é “imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,26), tem por vocação o chamado a participar da própria vida de Deus em Jesus Cristo. Desde o momento da concepção, a vida de qualquer ser humano, deve ser respeitada de modo absoluto, pois a pessoa é a única criatura que Deus quis por si mesma.
A vida humana é sagrada! Porque desde o início comporta a ação criadora de Deus, e é chamada a permanecer para sempre em relação vital com o criador. Somente Deus é Senhor da vida, desde seu início até o seu fim, por isso, ninguém em nenhuma circunstância, pode reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente. Todo ser humano, inclusive a criança no útero materno, possui o direito à vida imediatamente de Deus, não dos pais nem de qualquer outra autoridade humana.
Compreensão à luz do Magistério Católico
O Catecismo da Igreja Católica, no número 2270, afirma que, “a vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida”.
A constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, número 27, diz que: “Tudo o que atenta contra a própria vida, como qualquer espécie de homicídios, o genocídio, o aborto (…), é efetivamente digna de censura”; e no número 51, “existem os que ousam trazer soluções desonestas a esses problemas e não recuam até mesmo diante da destruição da vida. (…) Deus, com efeito, que é o Senhor da vida, confiou aos homens o nobre encargo de preservar a vida, para ser exercido de maneira condigna do homem. Por isso, a vida deve ser protegida com o máximo cuidado desde a concepção”.
A Congregação para a Doutrina da Fé na Instrução “Donum Vitae” sobre o respeito à vida humana nascente, e a dignidade da procriação, (nº 17 e seguintes), afirma que: “Desde o momento da concepção, a vida de todo ser humano deve ser respeitada de modo absoluto, porque o homem é, na terra, a única criatura que Deus “quis por si mesma”. A vida é sagrada porque comporta “a ação criadora de Deus” e permanece para sempre em uma relação especial com o criador, seu único fim”.
Conclusão
No entanto, a vida de uma criança no ventre da mãe deve ser protegida pela lei, cada qual no seu estágio de desenvolvimento. Trata-se de um direito inalienável. Permitir a cessação dessa vida é praticar o crime de aborto. Independentemente do estágio de desenvolvimento ou do estado de saúde, a vida humana sempre deve ser preservada e defendida. Não podemos admitir exceções. A Igreja se mostra radical quando o assunto é a defesa da vida humana, em particular a indefesa. A defesa da vida humana tem de ser garantida, apesar do que possa se desenvolver depois. A Igreja Católica sempre se posiciona em defesa da inviolabilidade da vida humana, mesmo ainda não nascida.
Qualquer lei contrária à vida, nesse caso, a vida da criança ainda no útero da mãe, não é moral. Na mão das autoridades constituídas, a norma facilmente se torna instrumento de manipulação e dominação das consciências.
A sociedade civil com suas leis deve favorecer a vida e o bem comum de um determinado povo. As leis do Estado são obrigatórias “em consciência”, ou seja, não automaticamente, mas após um exame de consciência que tem como critério de avaliação a lei revelada e a lei natural. As leis civis injustas são aquelas que se opõem à vida e ao bem comum do povo. Essas não obrigam em consciência, pelo contrário, existe a obrigação moral de não seguir as suas disposições e de tentar mudá-las (At 5,29); e se isso não for possível, que se tente reduzir os seus efeitos negativos (cf. Catecismo da Igreja Católica, nº 2254, 2255 e 2256).
A morte direta e voluntária de um ser humano inocente é sempre e gravemente imoral. Importante lembrar do que nos disse São João Paulo II: “Nada e ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente, seja ele feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente incurável ou agonizante” (Evangelium Vitae, nº 57). O papa ainda afirma que, “dentre todos os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente grave e (…), juntamente com o infanticídio, ‘crime abominável’” (Evangelium Vitae, nº 58).
A Igreja Católica é coerente com o pensamento de Jesus que assumiu a condição humana para trazer vida a todos e vida em abundância. A Igreja sempre se posiciona em defesa da inviolabilidade da vida humana, mesmo ainda não nascida. A proteção da vida humana inocente e indefesa deveria interessar a todos, acima de concepções religiosas ou ideológicas; é questão de humanidade, não apenas de religião; a vida deve ser acolhida como dom e compromisso. Há uma enorme diferença ética, moral e espiritual entre a morte natural e a morte provocada, aplica-se aqui, o mandamento: “Não matarás” (Ex 20,13).
A vida é importante e, por isso, não se justifica o aborto. Cabe aos cristãos lutarem e afirmarem a vida. O aborto é um problema profundamente humano e, dessa forma, exige ser enfrentado e resolvido à luz da razão e por todos. A vida é sagrada e deve ser respeitada até o final, ou seja, não se pode adiantar o final da vida. A vida é o que temos de mais precioso.
Padre Mário Marcelo
Mestre em zootecnia pela Universidade Federal de Lavras (MG), padre Mário é também licenciado em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque (SC) e bacharel em Teologia pela PUC-RJ. Mestre em Teologia Prática pelo Centro Universitário Assunção (SP). Doutor em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana de Roma/Itália. O sacerdote é autor e assessor na área de Bioética e Teologia Moral; além de professor da Faculdade Dehoniana em Taubaté (SP). Membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral e da Sociedade Brasileira de Bioética.
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