O que acontece na infância, não fica na infância

Na infância, a linguagem não está ainda, totalmente, dominada, portanto há uma dificuldade em exprimir-se o que se sente, pensa e vive e isso pode dificultar a compreensão de uma situação e levar a um trauma mais ou menos intenso, consoante fique claro ou confuso dentro da criança.

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Da mesma forma, a amnésia infantil, característica até aos 3/5 anos, faz-nos esquecer determinados acontecimentos, pessoas, locais e dificulta a recordação do trauma, mas sempre fica algo, sobretudo mais ao nível sensorial, um cheiro, uma cor, um sabor, uma emoção associada a alguma vivência sensorial.

Por vezes caímos no erro de pensar que como são crianças vão esquecer rapidamente a situação e, portanto, não há problema. Mas tudo o que é vivido, sentido como traumático algum efeito terá e alguma lembrança ficará. O cérebro de uma criança é como uma esponja que absorve tudo à sua volta, portanto tudo o que vive, vê, escuta, sente fica guardado. É uma fase onde não há discernimento para compreender o que é bom ou mau. É frequente ouvirmos uma criança perguntar à sua mãe “estou a portar bem?” ou “achas que ele se portou bem?”, portanto a criança precisa da validação do adulto para compreender algumas situações, desta forma, algumas memórias não são arquivadas como boas ou más, não há essa distinção. A maioria das vezes, estas recordações só se manifestam na vida adulta, em forma de ansiedade, depressão, insegurança, dificuldades na socialização.

Cada criança é um ser único e, portanto, não conseguimos prever a sua reação a um evento traumático, por isso é de extrema importância uma atenção redobrada dos pais, para compreenderem se existe algum sinal de alerta ou não.

Segundo alguns estudos, podemos perceber que os traumas da infância têm impactos nas aptidões cognitivas, emocionais, físicas e sociais, ao longo de toda a vida, sobretudo se a criança não é cuidada. Algumas consequências a longo prazo são o alcoolismo, droga, tabaco, insucesso escolar, perturbações neurológicas, depressão e/ou ansiedade crónica, suicídio, comportamentos de risco (exposição a doenças sexualmente transmissíveis, jogos perigosos …), obesidade.

Existem alguns comportamentos, observáveis nos adultos, que nos podem indicar que essa pessoa sofreu um trauma na infância, são eles:

Inibição: a pessoa que tem dificuldade no convívio social, tende a isolar-se, pois tem receio de expressar a sua opinião e ser julgado, não consegue autoafirmar-se perante as situações e acaba por viver muito só.

Recusa elogios: pode ter dificuldade em aceitar elogios, em reconhecer o seu valor, sente-se inferior, não se considera suficientemente bom e, portanto, não aceita um elogio, pois não há eco interno, não tem ressonância dentro de si esse elogio. Por vezes pode até rir, quando alguém lhe faz um elogio e não o leva a sério.

Irritabilidade: tendem a ser pouco tolerantes e não controlam os seus impulsos. Normalmente, há uma tendência para reagir com agressividade e ficam muito tensos nos gestos e na fala. É uma forma de se defenderem.

Concluímos, que os traumas na infância são muito sérios com repercussões a diversos níveis e com um alcance muito longo na vida da pessoa. Quem passa por um trauma vai precisar de apoio e, por vezes, é mesmo necessário um apoio especializado, com o intuito de ajudar a dar sentido à sua vida, a resignificar as experiências traumatizantes e trilhar o caminho do perdão.

Na próxima semana, vamos conhecer alguns tipos de traumas que podem ser vividos na infância.