O diamante escondido

José de Belém, ou José Ben Jacob, como é apresentado pelo evangelista Mateus, é um dos diamantes mais bem escondidos da espiritualidade cristã.

São breves as palavras que, sobre si, recolhemos nos dois Evangelhos da infância de Jesus.

O sóbrio Lucas fala-nos de José: como o varão a quem a virgem Maria está prometida, no episódio da Anunciação (Lc 1,27); na viagem até Belém da Judeia, terra de José (Lc 2,4); na narrativa da visita dos pastores, (Lc 2,16); na Apresentação do Menino Jesus ao Templo (Lc 2, 33); e no episódio da perda e do encontro de Jesus, na peregrinação a Jerusalém (Lc 2, 41). Mais à frente, na genealogia, em contradição com Mateus, apresenta Eli(aquim) como pai de José e não Jacob (Lc 3,23).

Mateus é mais generoso nas suas palavras, dando muito mais peso à ação de José na história da Salvação. Neste evangelista, é José quem dá a linhagem de David a Jesus, como constatamos na genealogia apresentada (Mt 1,16); é apresentado como o homem justo que, diante da gravidez da sua prometida, decide repudiar a virgem, mas em segredo (Mt 1,19); ao mesmo tempo é dócil à vontade de Deus, recebendo Maria em sua casa, depois da revelação do anjo (Mt 1,24); generoso na solicitação da defesa da vida do menino, aquando da fuga para o Egipto (Mt 2,13); paciente no regresso à sua terra (Mt 2, 20) e perspicaz na escolha de Nazaré para refazer a sua casa (Mt 2, 23).

A partir daqui, a Sagrada Escritura é omissa em relação a José de Belém, esposo de Maria e pai, segundo a lei, do Messias do Senhor.

Com tão escasso conteúdo evangélico e frente à pressão feita pelos muitos textos apócrifos dos primeiros séculos, a figura de José mereceu pouca atenção da patrística, sendo referenciado por autores como S. João Crisóstomo e S. Jerónimo mas sempre referenciado ao mistério de Jesus Cristo.

Só a partir do do Século XII, graças à escola franciscana, particularmente a S. Boaventura de Bagnoregio, Pedro Olivi e Ubertino de Casale, José Ben Jacob volta a merecer atenção. Ficará célebre o “Sermão sobre São José” de Bernardino de Siena, no século XV.

O magistério papal apresenta-o a partir de Pio IX, quando este papa proclama, em 8 de Dezembro de 1870 (ano da reunificação italiana e do encerramento do Concílio Vaticano I), S. José como Padroeiro da igreja universal e solenizou a sua festa em 19 de Março. Com Leão XIII, em 1889, a encíclica “Quanquam Pluries” apresenta o mais amplo documento sobre S. José, onde é explicada a fundamentação teológica do papel do pai adoptivo do Messias e a sua missão na Igreja. Pio XI, continuando este movimento, apresentará S. José como modelo dos operários e dos esposos, e ainda como o defensor seguro contra o ateísmo militante. Pio XII consagra o dia 1 de Maio, em 1955, como o dia de S. José Operário e João XXIII, em 19 de Março de 1961, coloca o Concílio Vaticano II sobre a sua protecção.

João Paulo II, na celebração do centenário da “Quanquam Pluries”, em 15 de Agosto de 1989, apresenta a exortação apostólica “Redemptoris Custos” na continuação da encíclica “Redemptoris Mater” de 1987, onde São José é proposto como modelo de pai amoroso, superando o papel anódino de figura substitutiva, no contexto da Sagrada Família de Nazaré e na relação com a tarefa salvífica de Maria.

Seria injusto esquecer as múltiplas homilias e intervenções realizadas quer por Paulo VI quer por Bento XVI, sobre a figura de José Ben Jacob, que gradualmente vai sendo descoberto, no papel de homem comprometido com a história da Salvação, onde “o que é pequeno torna-se grande” (Paulo VI) e do qual “Jesus – no plano humano – tomou a robusta interioridade”(Bento XVI).

A carta apostólica “Patris Corde” do papa Francisco, que celebra os 150 anos da iniciativa de Pio IX, também em contexto de grave crise social, é uma admirável contribuição na “lapidação” deste diamante de espiritualidade.

Tornando presente a provação da pandemia que sujeita toda a humanidade, o documento apresenta José Ben Jacob como o modelo de todos aqueles que, “dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tomando a peito não semear o pânico, mas a co-responsabilidade”, “estão, sem dúvida, a escrever momentos decisivos da nossa história”.

É este José, “o homem que passa despercebido”, “da presença quotidiana discreta e escondida”, que ensina à humanidade que “aqueles que estão, aparentemente, escondidos ou em segundo plano, têm um protagonismo sem paralelo na história da salvação”.

O papa Francisco tem uma enorme devoção pessoal por São José. No encontro com as famílias em Manila, em 2016, confidenciou-a desta forma: “Amo muito S. José, porque é um homem forte e silencioso. Na minha escrivaninha, tenho uma imagem de S. José que dorme e, quando tenho um problema, uma dificuldade, escrevo um bilhete e meto-o debaixo de S. José, para que o sonhe. Este gesto significa: reza por este problema.”

Desta forma, como que em partilha, Francisco apresenta à Igreja o Santo a quem confia as suas grande preocupações, “o homem que custodia, o homem que faz crescer, o homem que leva adiante toda a paternidade, todo o mistério, mas não se apropria de nada”, o homem que também age quando dorme, porque sonha o que Deus quer.

São estas as sete características sublinhadas em José Ben Jacob, pelo papa Francisco:

Pai amado: pelo seu papel na história da salvação, S. José sempre foi amado pelo povo cristão, na sua invocação às terças feiras, especialmente no mês de Março; a devoção de Santa Teresa de Jesus, nas suas grande dificuldades; a invocação do outro José, o do Egipto, que distribuía pão aos esfomeados e que a sabedoria popular agregou ao carpinteiro de Nazaré.

Pai na ternura: a ternura com que José, no silêncio de Nazaré, olha Jesus, permite entender a ternura com que Deus nos olha, particularmente no Sacramento da Reconciliação: “Ter fé em Deus permite acreditar que Ele pode agir no meio dos nossos medos e das nossas fragilidades.”

Pai na obediência: José sabe, pelos seus sonhos, o que Deus espera dele a cada momento e responde rapidamente e de uma forma decisiva, apesar das dificuldades. E na vida silenciosa na Galileia, é com José que Jesus aprende a fazer a vontade do Pai. Ele é um verdadeiro ministro da História da Salvação.

Pai no acolhimento: recebe Maria sem estabelecer qualquer tipo de condições. Acolhe a vontade de Deus sem exigir explicações; põe de lado o raciocínio para aceitar o que acontece, assume a sua responsabilidade e reconcilia-se com a sua vida. Um realismo que não supõe passividade mas força.

Pai com coragem criativa: por meio desta coragem, agiu Deus, através de José, contra o crime de Herodes. Não foi preciso fazer qualquer tipo de intervenção milagrosa porque José foi o milagre criativo que salvou Maria e o Menino.

Pai trabalhador: com José aprendeu Jesus o valor, a dignidade e a alegria do que significa comer o pão do próprio trabalho. Este torna-se participação na obra da salvação, e por isso, ninguém deve ser excluído do trabalho como forma de sustento e de realização pessoal.

Pai na sombra: no livro de Dobraczynski, “Pai na sombra”, José é apresentado como a sombra do Pai Celestial, cuidando de Jesus desde o seu nascimento. Por isso, José é apresentado como o modelo de toda a paternidade para todos, pois esta é exercida sempre que alguém assume a responsabilidade da vida do outro. A felicidade advém não na ordem do sacrifício mas na doação de si mesmo, por isso a frustração não tem lugar na vida de José Ben Jacob, antes a confiança. O silêncio do carpinteiro na Escritura não é uma reclamação mas sim um permanente gesto de confiança.

Esta proposta de aprofundamento da espiritualidade em José Ben Jacob; José, o carpinteiro; José de Belém; José, esposo de Maria; José, pai segundo a lei, de Jesus; é o convite do Santo Padre para fazer crescer na Igreja o amor a este grande santo resoluto, que ainda é mal conhecido e mal compreendido.

Tal como um diamante que ficou esquecido na poeira dos acontecimentos, aproveitemos esta oportunidade para redescobrir e abrilhantar São José, na afável e paterna partilha que é a “Patris Corde”.


Padre José Luís Costa

Pároco de Paço d’Arcos