Homilia da Missa Internacional Aniversária no Recinto de Oração por Monsenhor Rino Fisichella
Fátima, 12 agosto, 2017
Irmãos e irmãs,
escutámos na primeira leitura o relato dos Atos dos Apóstolos, em que o evangelista Lucas conta que os Apóstolos, depois da aparição de Jesus Ressuscitado que subia ao céu para junto de Deus seu Pai, “voltaram para Jerusalém à distância de uma caminhada de sábado”. Esta observação toca-nos em primeira pessoa, porque muitos de nós voltaram a Fátima. Estes dias são dedicados em particular àqueles que, em anos passados, deixaram família, casa, a sua cidade e Portugal, para ir procurar trabalho noutros países. Muitas pessoas que estão entre nós conheceram a fadiga e o sofrimento de aprender outra língua, de viver longe dos afetos, de encontrar tradições diferentes. Este momento do ano, contudo, é dedicado ao regresso a casa, falando de novo a própria língua, reaprendendo as tradições que marcaram a nossa história e o nosso modo de viver. Voltar a casa significa também fazermo-nos peregrinos à capelinha onde a Mãe de Deus nos acolhe e nos sentimos protegidos. Nossa Senhora de Fátima está impressa no coração de cada português, que a leva consigo para onde quer que vá. Ela pertence à identidade deste povo e cada um de nós sente que Lhe pertence, que pertence à linda Senhora vestida de branco.
Os apóstolos – assim nos foi dito – encontravam-se juntos e “perseveravam unidos em oração, em companhia de algumas mulheres, entre as quais Maria, Mãe de Jesus”. E a mesma experiência que também nós estamos a fazer. Esta celebração da Santa Eucaristia é a oração que fazemos, sabendo que não estamos sozinhos. Este é o momento mais importante na vida de um cristão, porque sabe que nunca está sozinho.
Aqui, mesmo sem os conhecer, cada um de nós reza com tantos irmãos e irmãs que, juntos, partilham a mesma fé, a mesma esperança e a mesma caridade. Aqui realiza-se a comunhão dos Santos, porque juntamente connosco rezam também os anjos, os arcanjos, os beatos, os santos e todos os que nos precederam no testemunho de fé; todos juntos elevam um canto de louvor a Deus pela sua santidade. Daqui a pouco, diremos mesmo estas palavras: “Com os anjos e os santos também nós e, pela nossa voz, a criação inteira, aclamamos o vosso nome cantando a vossa glória: santo, santo, santo … “. Aqui, é o próprio Jesus que se oferece ao Pai como vítima inocente, para que nos sejam concedidos o perdão e a reconciliação com Deus. Aqui, juntamente connosco, reza também a Virgem Maria, e intercede por nos, porque, como mae verdadeira que é, tem amor pelos seus filhos e cuida deles. Foi o próprio Jesus que a confiou a todos nós na pessoa de João aos pés da cruz: “Eis a tua mãe”. E a partir daquele momento o discípulo recebeu-a em sua casa. Desde aquele momento, Maria nunca mais nos abandona, porque somos seus filhos, último dom do amor do seu Filho.
O apóstolo Paulo recordou-nos esta verdade profunda na segunda leitura que escutámos: “Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher … , para recebermos a adoção de filhos. Porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho … Assim, já não és escravo, mas filho”. Somos filhos de Deus, invocamo-lo chamando-o de Pai, Papá, Paizinho; e, em virtude disto, podemos invocar a sua Mãe, chamando-lhe Mamã. Rezarmos esta noite, juntos como uma família, e voltarmos às nossas casas para recomeçarmos a rezar juntos como uma verdadeira família. Muitas vezes esquecemo-nos disto e perdemos algo de grande valor. Nascemos numa família cristã, pertencemos a uma família ainda maior que é a Igreja; não podemos fazer da oração um ato privado. Esta noite torna-se para cada um de nós um momento particular de encontro com o Senhor, porque estamos a rezar-Lhe unidos à sua Mãe. Descobrimos que aqui, neste lugar, jorra uma nascente inextinguível de graça que pode colmatar a nossa sede, sem que nunca nos sintamos saciados. Nesta capelinha está a nascente da graça: se tivermos fé, podemos vê-la; se tivermos esperança, podemos beber da água que escorre em direção a nós; se tivermos amor e caridade, podemos levar connosco os frutos da graça que aqui são semeados. A nossa oração desta noite é amparada pela oração de Maria, que se une a nós, dando-nos força para crescer na fé, esperança para encarar o futuro com serenidade e paixão para testemunhar a caridade fraterna.
Sermos filhos de Deus e de Maria, no entanto, torna-nos responsáveis por um estilo de vida coerente. E o nosso estilo de vida que está em questão e que impõe que façamos um sério exame de consciência, para verificarmos a nossa coerência. Devemos perguntar-nos: como vivemos enquanto filhos de Deus? A nossa Mãe está contente com a vida que levamos, com o que temos feito e com o que vamos fazer? O Evangelho vem em nosso auxílio, para nos fazer compreender a exigência de escutar o convite de Maria. “Fazei o que Ele vos disser”. Somos capazes de escutar esta palavra? Será que ainda somos capazes de um ato de obediência, com o qual renunciamos a nós mesmos para fazer entrar dentro de nós a vontade de Deus? Maria não diz aos servos: se tiverdes vontade, fazei o que Ele vos diz … ; nem sequer: se tiverdes tempo, fazei o que Ele diz … Não! Maria diz com uma grande convicção: “Fazei”. E uma ordem que vem do profundo do seu coração, porque viu o mal-estar dos esposos que, a meio da festa, ficaram sem vinho. Que figura iam fazer diante de toda a aldeia e dos convidados! O olhar materno chega ao lugar onde os outros não chegam. Maria preocupa-se com a alegria dos esposos; conhece-os bem; talvez sejam até seus parentes. . . não pode acontecer que um véu de tristeza ou de embaraço estrague a festa do casamento. O gesto de intercessão da Mãe para com o seu Filho é percetível na forma como Maria olha para Jesus: não têm vinho … O pedido é acompanhado pelo olhar que diz muito mais que as próprias palavras. Jesus, porém, parece não querer dar-lhe ouvidos: ainda não chegou a minha hora! Ainda assim, o Filho obedece ao olhar da mãe. Mesmo se ainda não tinha chegado o seu tempo, tendo em conta que a sua mãe o pede por amor daqueles esposos, então tudo deve ser feito. Jesus realiza o primeiro dos seus sinais; isto significa que a sua obra de anúncio do Evangelho se coloca à sombra do olhar de Maria. Esse olhar consegue antecipar os tempos; esse olhar supre à perplexidade de Jesus; esse olhar transforma-se num pedido de ajuda ao qual não se pode dizer que não! Esse olhar incide em toda a atividade missionária do Filho.
Permanece viva também para cada um de nós a força desse olhar que pede para fazer algo por quem está em necessidade: pelos que deixaram de ter alegria, felicidade, para quem a tristeza tomou a dianteira; pelos que se afastam e percorrem, errantes, caminhos_ que não levam a lado nenhum; pelos que estão doentes e sofrem; pelos que são inseguros e torturados pela dúvida; pelos que deixaram de ter uma casa, um trabalho, um projeto; pelos que são objeto de violência e de opressão … E a lista poderia tomar-se longa e sem piedade, ao descrever os males e as pobrezas do nosso mundo de hoje. Enquanto esta lista se alonga, como uma ladainha da dor, o que permanece único e forte é o olhar de Maria que pede que se dê uma ajuda.
A nossa existência cristã situa-se, portanto, entre o olhar maternal de Maria para connosco, para que possamos fazer algo, e o seu pedido para fazer o que o seu Filho nos pede. A obediência ao Filho é amparada pelo olhar que penetra no íntimo e dá força e coragem.
Irmãos e irmãs, fiquemos uns momentos em silêncio, façamo-lo de modo a que os nossos olhos alcancem o olhar da Linda Senhora e sigamos o seu convite para fazer o que Jesus nos pedir.
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