Há casos de fome em Pemba entre os milhares de deslocados que estão nesta cidade por causa dos ataques terroristas que se fizeram sentir com particular intensidade ao longo do ano passado. O Padre Edegard Silva, que se encontra precisamente em Pemba, após a sua missão em Nangololo ter sido atacada e destruída pelos terroristas em Outubro de 2020, afirma, à Fundação AIS, que a vida na cidade não está fácil, havendo desemprego e dificuldade de adaptação por parte das populações que estão habituadas apenas a plantar as terras.
“A cidade em si não tem gerado empregos”, diz o missionário saletino brasileiro. “E mesmo que tivesse”, os deslocados são pessoas simples, habituadas apenas “a trabalhar nas machambas, nas plantações”. “O que eles sabem fazer bem é plantar. Plantar o milho, plantar o feijão… É isso que eles sabem. Então, chegando aqui, não tendo trabalho, não tendo terra para plantar, então, tem muita fome. Tem muita…”
O apoio aos deslocados é agora uma das principais prioridades do trabalho da Igreja na Diocese de Pemba. A questão da distribuição de alimentos é um problema concreto. “Hoje mesmo cedo recebi uma mensagem de um catequista que dizia: ‘estou passando fome…’ Aí, temos de estar vendo junto das organizações como socorrer esses casos”, explicou, falando ao telefone com Lisboa, o Padre Edegard.
A região norte da província de Cabo Delgado tem estado sob ataque de grupos armados que têm reivindicado pertencer ao Daesh, a organização terrorista ‘Estado Islâmico’. Os ataques tiveram início em 2017 mas foi durante o ano passado que atingiram maior violência com aldeias e vilas destruídas, pessoas raptadas e assassinadas por vezes com enorme violência. O balanço é trágico. Calcula-se que terão já morrido mais de duas mil pessoas e haverá mais de 600 mil deslocados.
A maior parte destas pessoas que foram obrigadas a fugir das suas terras estão agora a viver em reassentamentos promovidos pelas autoridades. São novas aldeias onde irão procurar refazer as suas vidas. A Igreja está atenta a esta nova realidade. Segundo o Padre Edegard Silva, os principais reassentamentos estão localizados em Namuno, Ancuabe, Montepuez, Chiúri e Metuge. Este, por exemplo, fica relativamente perto da cidade de Pemba, a cerca de 40 quilómetros de distância.
São locais com um perfil agrícola que se adapta às características das populações que tiveram de fugir. “Quanto mais um lugar tiver aspecto rural mais o povo se identifica”, pois aí pode desenvolver “as suas plantações, as suas machambas”, pois são “pequenos agricultores que vivem da agricultura familiar”, diz o sacerdote brasileiro. O facto de haver novas aldeias onde as populações se estão a abrigar não significa, porém, que os problemas tenham terminado. Pelo contrário.
“Há a questão cultural”, explica o Padre Edegard. A vida comunitária como existia antes dos ataques, desestruturou-se. Os reassentamentos, a nível geral, não estão a ser feitos com base nas aldeias de origem. “Vai misturando todo o mundo” e vão surgindo problemas até ao nível da língua. “Por exemplo, a comunidade que eu servia, era eminentemente maconde. Predominava o povo maconde. Então, se você leva esse povo para outro lugar dentro da diversidade linguística que tem aqui, então isso vai ser um processo muito complicado até do ponto de vista da comunicação. E isso já está a acontecer.” Na província de Cabo Delgado falam-se cinco línguas além do português e há três etnias principais: os macuas, os macondes e os mwani.
A comunidade que o Padre Edegard refere, oriunda da região de Nangololo – onde existia a segunda missão católica mais antiga em toda a província e que foi destruída pelos insurgentes em Outubro, como a Fundação AIS então relatou – enfrenta um novo obstáculo por causa disso. “O nosso povo lá da aldeia, aqui na cidade de Pemba sente muita dificuldade em comunicar. Eles só falam maconde e aqui na cidade de Pemba praticamente não se fala maconde…”
O trabalho da Igreja nos novos reassentamentos tem agora de ser estruturado. O Bispo de Pemba está no Brasil, onde foi submetido a uma cirurgia oftalmológica e só deve regressar no início de Fevereiro. Será ele a desenhar a nova orgânica diocesana. “Só mesmo D. Luiz, agora no retorno, é que vai provavelmente conversar connosco, com todos os missionários. É uma nova acção da Igreja, da presença da Igreja até porque os reassentamentos com certeza que não são só de cristãos. Vai ter que pensar no atendimento aos cristãos mas pode até ser que nesses reassentamentos, num primeiro momento, não seja um trabalho de catequese mas seja um trabalho mais humanitário, de pensar a saúde, de pensar a educação, já que aqui a evangelização passa por essa dimensão social.”
Os ataques dos insurgentes – como localmente os grupos armados são conhecidos – praticamente esvaziaram a região norte da província de Cabo Delgado de pessoas. Se esse era o objectivo dos terroristas, está conseguido. “Agora – diz o Padre Edegard à Fundação AIS –,creio que praticamente já não tem mais gente para fugir… São pouquíssimas ainda as aldeias que ainda têm pessoas…” O mesmo não se poderá dizer dos terroristas. “Com certeza eles devem continuar lá em Muidumbe, em Macomia, em Mocímboa da Praia… espalhados na região norte nos esconderijos que eles têm por lá…”
A situação extremamente delicada do ponto de vista humanitário que se está a viver em Cabo Delgado levou a Fundação AIS a aprovar uma primeira ajuda de emergência para este país lusófono no valor de 160 mil euros.
Departamento de Informação da Fundação AIS | ACN Portugal
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