Livro de Apocalipse: a carta ao anjo da Igreja de Éfeso

Primeira carta: dirigida à comunidade cristã de Éfeso

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Depois de ter apresentado uma breve introdução ao livro do Apocalipse, fazendo também uma referência geral às sete cartas que o apóstolo João dirigiu às sete Igrejas da Ásia Menor, neste último livro da Bíblia, vamos apresentar cada uma dessas cartas, primeiro lendo o texto e depois tecendo um comentário explicativo. Antes de tudo, as cartas são dirigidas aos “anjos das Igrejas”, a saber, aos mensageiros de Deus encarregados de guiar a comunidade cristã. Trata-se, pois, dos “bispos” dessas comunidades. A primeira carta é dirigida à comunidade cristã de Éfeso e se encontra no início do segundo capítulo do Apocalipse. Eis o texto, a seguir:

1 Ao anjo da igreja de Éfeso, escreve: Eis o que diz aquele que segura as sete estrelas na sua mão direita, aquele que anda pelo meio dos sete candelabros de ouro.

2.Conheço tuas obras, teu trabalho e tua paciência: não podes suportar os maus, puseste à prova os que se dizem apóstolos e não o são e os achaste mentirosos.

3.Tens perseverança, sofreste pelo meu nome e não desanimaste.

4.Mas tenho contra ti que arrefeceste o teu primeiro amor.

5.Lembra-te, pois, donde caíste. Arrepende-te e retorna às tuas primeiras obras. Senão, virei a ti e removerei o teu candelabro do seu lugar, caso não te arrependas.

6.Mas isto tens de bem: detestas as obras dos nicolaítas, como eu as detesto.

7.Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao vencedor darei de comer (do fruto) da árvore da vida, que se acha no paraíso de Deus.

João elogia os cristãos de Éfeso
Éfeso era a maior cidade da antiga província da Ásia, hoje situada na Turquia. A Igreja tinha sido fundada pelo apóstolo Paulo. Tratava-se de uma cidade em que reinava o paganismo e havia escolas filosóficas, como aquela de Heráclito (535-475 a.C.), nas quais o cristianismo não era aceito. Para este filósofo, Deus não era nem criador nem onipotente; e a alma do homem não era imortal.

Nesse clima, havia, para a comunidade cristã, o problema da presença de falsos apóstolos (v.2). Estes são, por um lado, aqueles ainda ligados à religião judaica e, por outro, os que simpatizavam pela heresia gnóstica. A doutrina gnóstica afirmava a existência, juntamente a Deus, de um demiurgo que teria criado o mundo; negava a ressurreição, falava da existência dos éons, quer dizer, de emanações divinas. Para o gnosticismo, o éon Cristo, durante o Batismo no rio Jordão, desceu no homem Jesus, mas o abandonou no início da Sua Paixão.

Em sua carta, o apóstolo João elogia os cristãos de Éfeso por terem recusado a influência desses falsos apóstolos. Mesmo assim, esta comunidade não tem mais o entusiasmo primitivo. Por isso, ele escreve: “Tenho contra ti que arrefeceste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, donde caíste. Arrepende-te e retorna às tuas primeiras obras. Senão, virei a ti e removerei o teu candelabro do seu lugar, caso não te arrependas”.

Cristãos, não se corrompam por falsas doutrinas!
Aparece, porém, ainda algo de bom na comunidade. Os cristãos de Éfeso detestam as obras dos “nicolaítas”. Tratava-se de uma seita caracterizada pela vida desregrada no campo da moral. Viver a fécristã nessas circunstâncias é uma verdadeira luta. Mas ao vencedor é prometida a recompensa máxima: “comer (do fruto) da árvore da vida, que se acha no paraíso de Deus”. Desse paraíso e da árvore da vida já fala a primeira página da Bíblia. A árvore da vida é o Deus Vivo que transmite a vida através da Cruz e da Ressurreição de Cristo. Seu fruto é a vida eterna e, por isso, a entrada no paraíso.

Os cristãos de Éfeso e os cristãos de todos os tempos são chamados a não se deixar corromper por doutrinas falsas, por maus exemplos, e a manter o intenso fervor da fé. Por isso, a carta não é dirigida apenas ao “anjo da Igreja de Éfeso”, mas a todos os responsáveis pelas comunidades cristãs e a todos os cristãos.

Em suma, a comunidade de Éfeso está firme na fé e não aceita doutrinas contrárias à fé cristã. Porém, diminuiu seu entusiasmo por Cristo: e, por isso, é criticada na mensagem do apóstolo. Trata-se, então, para a Igreja de todos os tempos, de manter, ao mesmo tempo, a fé verdadeira, juntamente com o fervor no amor a Cristo e aos irmãos.

Lino Rampazzo
Doutor em Teologia pela Pontificia Università Lateranense (Roma), Lino Rampazzo é professor e pesquisador no Programa de Mestrado em Direito do Centro Unisal – U.E. de Lorena (SP) – e coordenador do Curso de Teologia da Faculdade Canção Nova, Cachoeira Paulista (SP).