Peregrinação Internacional Aniversária
Santuário de Fátima, 12-13 de agosto de 2019
Cardeal Marc Ouellet, Prefeito da Congregação para os Bispos
Homilia
Missa de Nossa Senhora de Nazaré (Deut 10, 17-19; Hebr 13. 1-3.14-16; Mt 2, 13-15.19-23)
“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” “Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros, e o seu nome é: Conselheiro Admirável, Deus herói, Pai Eterno, Príncipe da paz”
Caríssimos Irmãos e Irmãs,
O povo de Deus a caminho leva consigo as suas alegrias e as suas tristezas e é solidário com toda a humanidade em Cristo, Príncipe da Paz. Quando este povo vem em peregrinação a Fátima, confia todas as suas necessidades à Mãe de Deus, mas sabe também alargar as suas intenções de oração. Hoje, pensamos particularmente em todos os migrantes e refugiados que percorrem as estradas do nosso planeta à procura de uma pátria terrestre melhor, mas à procura também da pátria que Deus prepara para nós na Jerusalém Celeste, cujas portas Cristo escancarou a fim de aí acomodar toda a família humana resgatada pelo seu sangue.
Vimos a Fátima como peregrinos e mendigos de esperança; mas para além das intenções particulares e universais que nos inquietam, vimos aqui para levantar os olhos para Nossa Senhora, para nos deixarmos olhar por ela e ser tocados pela sua ternura maternal, como tão bem o refere o Papa Francisco. Os pequenos videntes desta misteriosa Senhora ficaram marcados até ao fundo da alma pelo amor que os tocou, ao ponto de os encher de alegria e levados, em breve, para o Céu para junto da Mãe do Belo Amor e da Santa Esperança. Apenas a Irmã Lúcia permaneceu longos anos no Carmelo para ser, neste tempo esquecido das maravilhas de Deus, a memória viva do acontecimento e da sua mensagem.
Esta mensagem é e continua a ser a Paz, a garantia da paz, da oração e da penitência para a paz do mundo. Contemporânea da primeira guerra mundial e do seu epílogo revolucionário na Rússia, a mensagem de Fátima permanece mais atual do que nunca, porque nuvens carregadas pairam sobre o planeta e nós não sabemos o que nos reserva o amanhã. Ainda que o Santo Padre venha multiplicando as iniciativas e assumindo a defesa dos mais vulneráveis na causa da paz, nomeadamente através da promoção de uma ecologia humana integral, muitos são os líderes políticos que se fecham cada vez mais ao diálogo, à compaixão e à paz. Estamos conscientes de tudo isto e levantamos o nosso olhar para Nossa Senhora, Rainha da Paz. São olhares que suplicam e confiam. Sentimo-nos totalmente impotentes na conjuntura atual da história, mas estamos certos de que Nosso Senhor opera de forma singular na história desde que sua mãe pronunciou o Fiat ao anúncio do Anjo; Ele opera também por causa dela, que soube antecipar a manifestação da sua glória em Caná, obtendo o melhor vinho para salvar a alegria das bodas; Ele opera principalmente com ela que esteve presente aos pés da Cruz como Mater dolorosa, participando do sacrifício redentor que reconcilia o mundo com Deus. Por tudo isto, ela é merecedora do título de Regina Pacis!
Ninguém está mais intimamente ligado ao agir do Deus trino na história do que a Virgem Maria, a Mãe do Príncipe da Paz, cuja narrativa da Anunciação põe em cena cada uma das Pessoas da Santíssima Trindade. Em primeiro lugar o Pai: “Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo!”. Daqui surge o temor sagrado que a envolve na presença de Deus Pai. Depois, a revelação do Filho: “Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo”. Este Filho será herdeiro do trono de David e reinará para sempre. Segue-se finalmente a revelação do Espírito Santo, o Mestre do impossível, Aquele que coopera em todas as obras do Pai e do Filho e as conduz em si mesmo à coroação na glória. “O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus”.
Envolvida pelo Amor das Três Pessoas divinas, Maria deixa-se surpreender, fecundar e habitar pelo Deus Altíssimo. Ela torna-se Rainha, não pelos seus próprios méritos que ela reconhece como fruto da graça da divina misericórdia, mas pela decisão divina de a associar inteiramente a todo o desígnio salvífico a título da sua maternidade divina e da sua maternidade espiritual recebida na Cruz da sua participação no sacrifício do Redentor.
Quando dirigimos o nosso olhar para ela com total confiança, ficamos maravilhados pela sua beleza imaculada e pela dimensão universal da sua mediação. É por isso que o Espírito Santo nos inspira a invocá-la e a pedir-lhe que intervenha no mundo em benefício da paz. Pois toda a graça que Deus derrama sobre a humanidade tem um toque mariano, uma ternura misericordiosa e uma doçura humana, que desfaz os nós mais difíceis e oferece ao pecador, para além da paz, o gosto de se lançar nos braços da Mãe de misericórdia.
Caros amigos, o nosso olhar sobre Maria e o olhar de Maria sobre nós, iluminados pelo Espírito Santo, fazem de nós novas criaturas, homens e mulheres de esperança, peregrinos que de repente sentem que o fardo é mais leve, pobres que repentinamente param de se queixar e começam a ter compaixão pelos que são mais vulneráveis e sofredores. É o efeito da graça em nós, o efeito da misericórdia do Pai, do amor redentor do Filho e da consolação do Espírito Santo que a Rainha da Paz nos concede pela sua poderosa intercessão no Céu.
Caros amigos peregrinos, migrantes e refugiados, o que levaremos aos nossos irmãos e irmãs quando regressarmos desta peregrinação? Lembranças? Objetos que nos recordem a graça recebida neste lugar? Atitudes novas para com eles que resultam da transformação do nosso olhar através do olhar de Maria? Sim, haverá certamente lugar para tudo isto, mas também para nos decidirmos tornar apóstolos ativos ao serviço do Príncipe da Paz e da sua Mãe, a Rainha da Paz. O Santo Padre convida-nos ferverosamente a este compromisso; ao dirigir-se aos refugiados no dia 8 de julho, agradece calorosamente aqueles e aquelas que têm essa coragem e generosidade: «Trata-se, irmãos e irmãs, duma grande responsabilidade de que ninguém se pode eximir se quiser levar a cabo a missão de salvação e libertação na qual o próprio Senhor nos chamou a colaborar. Sei que muitos de vós, chegados apenas há alguns meses, já estais a ajudar irmãos e irmãs que chegaram depois. Quero agradecer-vos por este belíssimo sinal de humanidade, gratidão e solidariedade».
Reconfortados por estas palavras e pela graça de Cristo, retomamos o caminho com um Espírito novo e novas energias para transformar os nossos infortúnios e as nossas buscas em aventura missionária, em testemunho da graça de Deus que trabalha mesmo nas condições mais adversas da nossa humanidade sofredora. Pode parecer excessivo pedir a pessoas desprovidas de quase tudo que sejam missionárias, mas não somos nós ricos de fé e de esperança? É por isso que, sob a proteção da Virgem Maria, somos capazes de uma caridade que será cada vez mais fervorosa, mais paciente e criativa, para que encontremos a nossa alegria e a nossa salvação não apenas quando as nossas preces são atendidas, mas também na alegria de servir os nossos irmãos e irmãs e, neles, o Cristo Rei e sua mãe, a Rainha da Paz. Ámen!
- Primeiro dia do funeral marcado pela trasladação do corpo de Bento XVI para a Basílica de S. Pedro - 3 de Janeiro, 2023
- Legado teológico de Bento XVI está a ser traduzido para português - 3 de Janeiro, 2023
- Canonista explica protocolo do funeral de Bento XVI - 2 de Janeiro, 2023