Neste 12 de maio de 2021 na Celebração da Palavra da Vigília da Peregrinação Aniversária de Fátima, presidida pelo Cardeal D. José Tolentino Mendonça, onde estiveram presentes 7.500 peregrinos devido às restrições impostas pela atual pandemia, o cardeal bibliotecário e arquivista da Santa Sé, refletiu sobre este tempo histórico e interior que todos temos percorrido, pedindo o auxílio de Nossa Senhora, Mãe de Esperança, confiando-lhe a “travessia de tantas incertezas” mas certos de que “a esperança transforma os obstáculos em caminhos e os caminhos em novas oportunidades”.
.: texto da homilia da celebração da vigília na íntegra
Batem à porta do nosso coração as palavras de Jesus no Evangelho que acabamos de proclamar: «Não vos deixarei», «Não vos deixarei órfãos», o Pai enviará em meu nome o Espírito consolador, «não se perturbe o vosso coração», «dou-vos a minha paz». Abramos, queridos irmãos e irmãs, a porta a estas palavras. Que no silêncio vasto desta noite, sob o olhar maternal de Maria, cada um possa sentir como a si dirigida a voz de Jesus: «Não permitirei que o medo domine», «Não te deixarei só», «ofereço-te a minha paz». Como precisamos da âncora que estas palavras representam! Louvado o Senhor, que levanta os fracos!
Queridos Irmãos e Irmãs
De maio passado a este vivemos um ano difícil. Experimentamos uma vulnerabilidade que desconhecíamos. A pandemia em curso ceifou vidas e alastrou lutos. De repente, sentimo-nos reportados à época dos Santos pastorinhos Francisco e Jacinta, quando a pandemia da febre espanhola fazia milhões de vítimas. A atual pandemia tem disseminado sofrimento: condicionou sociabilidades, isolou-nos uns dos outros, acentuou solidões. A crise sanitária ativou outras crises, no campo social, na precarização do trabalho, no agravamento das dificuldades económicas, na pobreza que cresce e não só entre os segmentos considerados mais frágeis, na debilitação do campo escolar, na diminuição de presenças nas comunidades cristãs e na incerteza que pesa sobre a vida tantos.
Junto a ti, Senhora de Fátima, Mãe da consolação, colocamos os nossos corações nesta hora. Trazemos até ti estes corações que tu conheces. Mas não só os nossos. Queremos hoje pedir, Senhora de Fátima, que ilumines a dor de todos, sem fronteiras nem distinções, que ilumines a dor de próximos e distantes, de crentes e não-crentes, como se fosse uma só. Que escutes no silêncio desta noite a fadiga e o esforço, a solidão e as lágrimas, o cansaço e as necessidades de todos. Que veles pela grande família humana ferida. E nos mobilizes a todos para o desafio urgente de consolar, de cuidar e de reconstruir.
Em especial te rogamos, Senhora de Fátima, para que a crise que vivemos não se torne numa crise da esperança. Pois precisamos da esperança para olhar mais para diante, para ganhar confiança e repartir. Precisamos da esperança para transformar os obstáculos em caminhos e os caminhos em novas oportunidades. Precisamos da esperança para nos unirmos mais, para construirmos sociedades eticamente qualificadas, sociedades que concretizem a justiça social e a fraternidade entre todos os homens.
Tu, Mãe de Esperança, fortalece a nossa esperança. Tu que em momentos tão tormentosos da história do século XX foste um pilar de Esperança, ajuda-nos a atravessar este século XXI movidos pela esperança. Inspiram-nos aquelas palavras que dirigiste a Lúcia: «Sofres muito? Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus». Lembra-te, Mãe de Fátima, que hoje especialmente precisamos de encontrar, no teu Imaculado Coração, refúgio e caminho!
Mas não queremos apenas pedir: queremos também agradecer. Pois se cada um de nós tem uma história de sofrimento para contar, tem também histórias de amor, de reencontro, de interajuda e solidariedade e essas histórias constituem um património que não podemos esquecer. A família foi colocada à prova, mas para muitos foi uma oportunidade para redescobrir o que significa estar em família e o tesouro humano insubstituível que a família representa. E não esquecemos o testemunho de quantos colocaram o bem dos outros acima do seu próprio bem. A generosidade de tantos que deram um passo em frente quando era mais cómodo permanecer no seu lugar. É verdade: de quantas histórias de amor cada um de nós tem sido testemunha!
Estes meses foram difíceis, mas não foram vãos: ao nosso coração ocorreram, por exemplo, tantas perguntas. E perguntas não banais, que se podem tornar um trampolim de futuro. Perguntas sobre o sentido da vida, sobre o que é afinal o mais importante a salvaguardar, sobre mudanças de rumo a introduzir nas nossas vidas e nas nossas sociedades. A turbulência da pandemia também nos desinstalou e nos ajudou a identificar o essencial com mais clareza. Queremos confiar-te, Mãe de Jesus e nossa Mãe, o caminho histórico e interior que estamos a percorrer e pedir-te que esta dor sirva para alguma coisa, que todo este sofrimento nos torne melhores: mais espirituais, mais humanos e mais fraternos.
Sabemos que nos entendes bem, Maria, pois foi também a tua fraqueza a sustentar a tua força, e soubeste aceitar a travessia de tantas incertezas, colando o teu coração a uma confiança que não se via. Por isso, não te é estranha a nossa turbulência, a nossa fragilidade, os medos que nos assaltam nesta época da história, e que tu abraças, compreendendo tudo. Difícil foi também o teu caminho, cheio de estorvos, batido por tempestades e dores. Mas através dele o teu olhar se tornou num imenso regaço, onde podemos entregar esta estação que nos custa e que tu abraças, compreendendo tudo.
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