Homilia 12 Junho | 2016

Neste Domingo, o Senhor nos chamou para celebrar a Eucaristia no final do quarto Congresso Eucarístico Nacional em Portugal. A celebração acontece 100 (cem) anos depois das visões do Anjo pelo três pastorinhos, os irmãos Francisco e Jacinta e a prima Lúcia.

Tive a alegria de participar, aqui em Fátima, à Beatificação de Jacinta e de Francisco, a 13 (treze) de Maio de 2000 (dois mil). Nessa ocasião, tive o prazer de conhecer Lúcia, que morreu em Coimbra em 2005 (dois mil e cinco), com quase 90 (noventa) anos de idade. Encontrei-a na sacristia onde tinha sido conduzida para encontrar o Santo Padre João Paulo II (segundo). Estive presente na primeira parte desse encontro. A sua idade era avançada: recordo as lentes grossas dos seus óculos e as suas dificuldades auditivas. O Bispo, Dom Serafim, fazia de tradutor e meio de diálogo entre a vidente e o Santo Padre.

Contudo, hoje, não nos interessa tanto conhecer a vida dos três pastorinhos, mas sim compreender que a mensagem de Fátima é essencialmente uma mensagem para a conversão no seguimento do que nos é dito no Evangelho.
Cada vez que vimos a Fátima é importante compreender bem o que nos diz o Evangelho proclamado e interrogar-nos sobre a relação que temos com o Senhor Jesus.
O Evangelho de hoje apresenta Jesus à mesa em casa de um fariseu. Além de Jesus estão também presentes: o dono da casa, uma mulher pecadora e os comensais. Ele, o Senhor, é o convidado de honra, o centro da atenção. Todos os olhares estão voltados para ele: a mulher com as suas manifestações de afecto, o fariseu com o seu espírito de crítica, os comensais com suas dúvidas e perguntas.

Com todos Jesus estabelece uma relação: com a mulher deixando-se tocar os pés, com o fariseu dialogando com ele, com os outros comensais despertando interesse pela sua pessoa: “quem é este homem?”. O Evangelho convida-nos, portanto, a interrogar-se sobre a identidade de Jesus e a relação que temos com ele.
Esta tarde – como o fariseu, a mulher pecadora e os comensais do Evangelho -também nós participamos numa ceia em que Jesus é o convidado de honra. Ele fala e dialoga connosco: “Simão, tenho uma coisa para te dizer”; Ele entra em relação connosco, desperta o nosso interesse. Também nós, como os comensais somos convidados a fazer algumas perguntas: Quem é este homem? Quem é Jesus para mim? Que Bispo sou eu? Que padre, que religioso ou religiosa sou eu? Que leigo comprometido sou eu? Deixemo-nos guiar pelo Evangelho.

Jesus foi convidado pelo dono da casa tal como em Canaã da Galileia, ou como pelo seu amigo Lázaro ou noutras ocasiões em que O encontramos à mesa. Mas aqui o Evangelista quer salientar a iniciativa do Mestre: Jesus entrou e tomou lugar à mesa. É Ele quem toma a iniciativa. Ele entrou na nossa vida pelo baptismo e, em primeiro lugar, nos perdoou os nossos pecados e nos deu o seu amor. Também nesta celebração é sempre Ele quem toma a iniciativa. E nós somos convidados também a fazer alguma coisa: a escutar, a pedir-Lhe perdão, a tocar o seu corpo, a estar em
Os fariseus eram geralmente hostis a Jesus. Esses sentiam-se os guardiões da ordem. O convite feito a Jesus não era motivado pela amizade, mas era um meio para o pôr à prova: “Se este homem fosse profeta, saberia que a mulher que O toca é uma pecadora”.

Jesus entra na casa de um fariseu. O fariseu representa uma parte escondida dentro de cada um de nós.
Para hospedar o Senhor, para estar à mesa com Ele e com os irmãos, devemos ter um coração bom, humilde e puro.
Com que sinceridade e humildade pedimos perdão a Deus e aos irmãos, no início desta celebração?
Ele aceita o convite de todos – dos fariseus, dos pecadores, dos amigos – e senta-se à mesa. Cada vez que na Bíblia se fala de almoço, jantar ou banquete, fala-se sempre da comunhão de pessoas, de amor, de alegria. Jesus senta-se à mesa para entrar em comunhão connosco e nos dar o dom da sua amizade.

Jesus não é apenas um mestre que ensina, como muitos na história mais distante ou recente. Ele é, sobretudo, alguém que quer reunir à sua volta uma comunidade, para estabelecer uma comunhão de amor, de fraternidade, de vida. A vida cristã, o ser cristão, não é apenas uma profissão de fé, mas é principalmente uma experiência: encontrar e conhecer o Senhor Jesus.

Na verdade, nós somos cristãos não porque dizemos que somos crentes, ou porque nos sentimos melhor do que os outros, mas porque encontramos o Senhor Jesus na comunidade dos irmãos, como nesta celebração, como em cada Domingo quando participamos na Eucaristia.
A mulher chora e as lágrimas escorem-lhe pela face, beija os pés do Senhor, seca-os com os seus cabelos, verte neles óleo perfumado. Os sentidos do seu corpo querem encontrar o Senhor Jesus: as mãos, os olhos, a boca, o odor, a cabeça e, até mesmo, os cabelos.

Não será esta a experiência de cada crente quando é baptizado? Quando chora os seus pecados no sacramento da Reconciliação? Quando é ungido com o Crisma na Confirmação? Quando toca com as mãos e os lábios o Corpo do Senhor na Comunhão? Também a nós, fariseus e pecadores, nos é permitido tocar o Corpo do Senhor para por Ele ser curados e receber a vida, como está descrito no Evangelho de Lucas: “todos O procuravam tocar, porque Dele saía uma força que a todos curava”.

O Senhor fala ao fariseu e fala com a mulher pecadora. O fariseu não demonstrou uma atenção especial para com o hóspede. Ele é um homem frio e sem coração. De um lado, está a generosidade da pecadora, do outro lado a frieza do dono da casa. “Simão, tenho uma coisa a dizer-te”.

O Senhor condena a nossa indiferença, a nossa falta de amor, a nossa frieza. Acolhamos com humildade a repreensão do Senhor e deixemos espaço no nosso coração à Sua Palavra: “Os teus pecados estão perdoados”; deixemos espaço para a graça de Deus, ao amor, ao reconhecimento, à fraternidade.
Na conclusão do Evangelho, os comensais fazem a pergunta: “Quem é este homem?”. Quem é para nós Jesus? O nosso convidado de honra? “Deus nos amou”, cantamos antes do Evangelho. O ícone do amor de Deus é o Crucificado que está sempre presente na celebração da Eucaristia. O nosso convidado de honra é aquele que é levantado na cruz para revelar ao mundo o mistério de Deus que é amor.
Os gestos de amor da mulher pecadora devem tornar-se gestos de amor de toda a nossa vida, porque o Senhor Jesus nos perdoou todas as dívidas, Ele nos amou primeiro.
Jesus dirigindo-se à mulher diz: tu muito amaste.

Como amamos nós o Senhor Jesus?

O Evangelho levanta questões que se aplicam a todos: Bispos, sacerdotes, religiosos, fiéis leigos. Na nossa vida cristã, somos como os comensais do Evangelho: curiosos, colocados à margem sem se quererem comprometer? Somos como Simão, o fariseu que respeita as etiquetas, mas tem o coração frio e distante?
Viemos aqui a Fátima para celebrar o Congresso Eucarístico, para participar na Eucaristia, para visitar a capela da Virgem Maria. No final de tudo isto, continuamos a ser os mesmos de antes, como o fariseu, ou sentimos a necessidade de mudar de vida, de chorar os nossos pecados e começar uma verdadeira conversão e uma comunhão mais profunda com o Senhor?
O Evangelho que foi proclamado conclui apresentando a figura de um mestre itinerante: “Jesus ia caminhando por cidades e aldeias”. O seu caminho, no entanto, não é sem uma meta: Jesus – recorda muitas vezes o evangelista Lucas – dirige-se para Jerusalém. Além disso, o Mestre também não é um solitário, não caminha sozinho. Ele reúne à sua volta discípulos, uma comunidade: “Acompanhavam-n’O os Doze, bem como algumas mulheres”.
Os discípulos e as mulheres seguem Jesus pelas cidades e aldeias deste mundo em cada época da história. A meta é sempre a cidade de Jerusalém. Ali, o Senhor é crucificado, ali Deus O ressuscita dos mortos. A meta do Mestre é também a meta do discípulo, o mistério pascal do Mestre é o mistério pascal do discípulo.
Não basta escutar e servir. O discípulo deve partilhar o destino do Mestre e fazer sua a cruz.
Jesus, instituindo a Eucaristia, deixou-nos em dom toda a sua vida, desde o primeiro momento da incarnação até ao último momento de sua existência, com todas as experiências que viveu: orações, humilhações, lutas, sofrimentos, dores, traição, etc. Agora cabe a cada um de nós, na experiência da nossa vida e à semelhança de Jesus, ser misericordiosos para cada homem e mulher que encontrarmos.
Uma oração inspirada num texto de Santa Teresa de Jesus ajuda-nos a compreender melhor o que significa ser discípulos do Senhor, segui-Lo nas cidades e aldeias deste mundo, tornar-se o Seu Corpo dado pela vida dos outros.

Cristo não tem corpo, se não o teu.
São teus os olhos através dos quais passa o seu olhar de compaixão e de misericórdia, e repousa sobre as misérias da humanidade.
São teus os pés com os quais Ele pode ainda caminhar ao longo das estradas do mundo fazendo o bem a todos.
É teu o coração com o qual o Senhor Jesus se comove ainda pelos homens e as mulheres do nosso tempo.
São tuas as mãos com as quais Ele continua a nos abençoar.
Até que seja contigo um só corpo, misericordioso como tu foste misericordioso, faz Senhor que:
os meus pensamentos sejam os teus pensamentos;
os meus sentimentos sejam os teus sentimentos;
os meus desejos sejam os teus desejos;
as minhas palavras sejam as tuas palavras;
os meus gestos sejam os teus gestos;
as minhas obras sejam as tuas obras.

 

+ Piero Marini