HOMILIA 12 JULHO
Eucaristia presidida por D. Daniel Batalha Henriques, Bispo Auxiliar do Patriarca de Lisboa
Estimados irmãos e irmãs, peregrinos de Fátima
I – Senhor, ensina-nos a orar
Eis-nos aqui, peregrinos de Fátima, neste Santuário de louvor e intercessão. Como os pastorinhos aos pés da Virgem, trazemos também nós súplicas e preces que nos foram confiadas por pessoas que conhecemos e amamos e talvez por alguém que, sabendo da nossa peregrinação, nos pediu que rezássemos pelas suas intenções. Ser peregrino de Fátima é isto mesmo, aceitar alargar o coração, recusando mantê-lo fechado na individualidade de cada um ou no círculo restrito da família e dos amigos. É aceitar reaprender a arte de rezar na escola de Jesus e de Maria, mesmo que rezar nos pareça já algo tão familiar e definitivamente assimilado. Também assim se viam inicialmente os discípulos de Jesus: habituados a rezar em casa, na sinagoga e nas peregrinações a Jerusalém, tudo parecia adquirido no que toca à oração e à relação com Deus. Até que, no seguimento de Jesus, a sua forma de rezar viu-se confrontada com a oração do Senhor, com a intimidade onde alimentava a Sua total disponibilidade para fazer a Vontade do Pai, com um jeito de rezar que se acompanhava e se nutria do concreto da vida das pessoas, das suas alegrias e aflições, com as grandes decisões que eram sempre envolvidas e precedidas pela oração abundante e intensa. E então, desconstruída a sua presunção de prefeitos orantes, suplicaram a Jesus: “Senhor, ensina-nos a rezar”. E o Senhor ensinou-lhes o “Pai Nosso”, modelo e referência máxima da oração cristã.
II – O “Vós” e o “Nós” da oração cristã
Numa das suas catequeses sobre o Pai Nosso, o Papa Francisco convida a constatar que há uma palavra propositadamente ausente na oração que Jesus nos ensinou: a palavra “EU”. Jesus ensinanos a ter em nossos lábios antes de tudo o “VÓS”, dirigido ao Pai, e o “NÓS”, onde a minha vida surge inseparável das dos meus irmãos. No diálogo com Deus, continua o Papa, não há espaço para o individualismo. Não há ostentação dos próprios problemas, como se fôssemos os únicos que sofremos no mundo (…). Na oração, o cristão apresenta todas as dificuldades das pessoas que vivem ao seu lado: quando cai a noite, apresenta a Deus as dores com as quais se cruzou naquele dia; põe diante d’Ele muitos rostos, amigos e também hostis; não os afasta como distracções perigosas. Se não se der conta de que ao seu redor há tantas pessoas que sofrem, se não sentir dor pelas lágrimas dos pobres, se estiver habituado e acomodado a tudo, então significa que o seu coração está murcho. Pior: encontra-se empedernido.” Interroguemo-nos, com o Santo Padre: “quando rezo, abro-me ao clamor de tantas pessoas próximas e longínquas? Ou vejo a oração como numa espécie de anestesia, para poder estar mais tranquilo? (…) Neste caso seríamos vítimas de um equívoco terrível. Sem dúvida, a nossa oração deixaria de ser cristã. Porque aquele “nós”, que Jesus nos ensinou, nos impede de estarmos em paz sozinhos, e nos faz sentir responsável pelos nossos irmãos e irmãs.” A primeira leitura de hoje, tirada do livro de Ester, traz-nos a situação dramática do Povo de Israel no cativeiro da Babilónia diante da decisão do rei, iludido pelo perverso Hamã, em mandar matar todos os judeus existentes no reino. Mais do que pensar em salvar a própria vida, o muito respeitável judeu Mardoqueu prostra-se em oração diante do Senhor, intercedendo por todo o Povo. “Salvai o vosso Povo, Senhor, para que glorifiquemos o vosso nome e não se feche a boca daqueles que vos louvam”. Seguindo o exemplo deste nobre ancião e da rainha Ester, unamo-nos em oração, de forma particular, pelos nossos irmãos cristãos perseguidos por causa da sua fé. O seu crime não é outro senão afirmarem-se como discípulos de Jesus e recusarem-se a abandonar esta herança recebida de seus pais. Por isso, a sua vida e a das suas famílias são sujeitas a perigos constantes, vêem-se privados dos direitos básicos dos seus conterrâneos, celebram a sua fé na clandestinidade, são proibidos sob pena de morte de anunciar o Evangelho aos não cristãos, vêm-se obrigados a viver como refugiados, abandonando as suas casas e as suas raízes. Podemos imaginar com que conforto acolhem eles as palavras do Evangelho que hoje escutámos: “Não se vendem dois passarinhos por uma moeda? Não temais: valeis muito mais do que todos os passarinhos.” Muitos destes cristãos vivem em países onde a fé entrou na época apostólica ou imediatamente nos séculos seguintes. Estes cristãos, compreensivelmente, não entendem o silêncio que parece prevalecer sobre o seu drama nos países ditos desenvolvidos, que tão orgulhosamente defendem a sua supremacia no que diz respeito à defesa dos direitos humanos. Nem tão pouco entendem o silêncio acomodado de tantos cristãos desses países, acomodados e entretidos com as suas rotinas quotidianas, onde o que importa é salvaguardar uma vida tranquila e sem sobressaltos. A voz do Papa Francisco não se cala nem esmorece em denunciar estas situações, em apelar por todos os meios ao diálogo na busca dos caminhos de paz, na defesa da liberdade religiosa. A todos nos procura envolver numa corrente de oração e de empenho continuado por esta causa. O Santuário de Fátima, consciente da sua vocação e missão na Igreja, constantemente nos envolve e desafia, como nesta noite, na oração pelos cristãos perseguidos. Unamo-nos, pois, em oração fervorosa e ardente. Rezemos para que se cumpra nestes irmãos, e em nós, as palavras de São Pedro da segunda leitura: que renasçamos, também pelas provações, para uma esperança viva que não se mancha nem desaparece, para uma fé constantemente purificada como o ouro, que se purifica pelo fogo.
III – A terceira parte do Segredo de Fátima
Estamos a celebrar o aniversário da terceira aparição de Nossa Senhora em Fátima. Nesta aparição, Nossa Senhora diz aos pastorinhos um segredo que só seria plenamente revelado no ano 2000, por decisão do Papa São João Paulo II. Hoje, o seu conteúdo original e a interpretação autêntica da Sé Apostólica, todos o conhecemos. Mas porque foi revelado, para muitos este tema deixou de ser tema e tornou-se irrelevante. A minha juventude e parte significativa da minha vida adulta, como da maior parte de nós, decorreu com esta pergunta de fundo: qual seria o conteúdo deste Segredo? Certamente uma pergunta de curiosidade mais do que de um desejo autêntico de progresso espiritual. O director espiritual do seminário que frequentei, diante da nossa insistência irreverente, respondia: se o Segredo fosse que todos nos deveríamos urgentemente converter ao Senhor, algo iria mudar realmente na tua vida? Assim nos confrontava com a pobreza e a inutilidade da nossa curiosidade.
Depois do episódio de Ourém, começou a divulgar-se que Nossa Senhora tinha revelado algo aos pastorinhos na aparição de Julho, pedindo-lhes que guardassem absoluto segredo, o que eles escrupulosamente acataram, mesmo diante de insistentes interrogatórios. Tocou-me especialmente uma das perguntas que o Dr. Formigão fez a Lúcia, no dia 19 de Outubro desse ano: “Se o povo soubesse o segredo que Nossa Senhora te revelou, ficava triste? Ao que Lúcia, ponderando um pouco, respondeu “Cuido que ficava como está, quase na mesma”. A revelação do Segredo aconteceu, como descreve Lúcia, como uma visão vista “na Luz imensa que é Deus”. Na sua linguagem profética, quase em estilo bíblico, ele relata a parte sangrenta e dramática da história da Igreja no século XX, no que aos mártires da fé diz respeito. Mas podemos ver também nele o caminho da Igreja ao longo da história, desde o martírio de Santo Estêvão, o primeiro mártir ou de São Pedro, o primeiro Papa até aos anos já decorridos depois do ano 2000, em que foi revelado o Segredo. Mas se impera nesta montanha que, é a História, a Cruz do Senhor, ela não é uma cruz de honrarias e prestígio, mas uma cruz de troncos toscos, como a Cruz do Calvário, onde o Crucificado manifesta a Sua Glória. O caminho de Jerusalém e o caminho do Calvário será sempre o caminho da Igreja, pois outra forma não há de sermos discípulos do Senhor e de com Ele ressuscitarmos… Nesta visão, diz-nos Lúcia, sob os braços da Cruz encontram-se dois Anjos, cada um com um regador de cristal na mão, nos quais recolhiam o sangue dos Mártires e com ele regavam as almas de quantos se aproximavam de Deus. Que o sangue dos mártires de hoje e de sempre, unido ao Sangue do Cordeiro, possam regar e fecundar as nossas almas para produzirmos abundantes frutos de santidade, nós que procuramos em cada dia viver mais próximos de Deus.
Nesta peregrinação internacional aniversária estiveram presentes 72 grupos de vários países: Portugal, Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Costa do Marfim, Colômbia, Coreia do Sul, Espanha, EUA, Filipinas, França, Hungria, Itália, Líbano, Malta, Ilhas Maurícias, Polónia e Reino Unidos.
- Primeiro dia do funeral marcado pela trasladação do corpo de Bento XVI para a Basílica de S. Pedro - 3 de Janeiro, 2023
- Legado teológico de Bento XVI está a ser traduzido para português - 3 de Janeiro, 2023
- Canonista explica protocolo do funeral de Bento XVI - 2 de Janeiro, 2023