HOMILIA 12 AGOSTO | Deus peregrina com o seu povo e o protege ao longo do caminho

Peregrinação Internacional Aniversária
Santuário de Fátima, 12-13 de agosto de 2019
Cardeal Marc Ouellet, Prefeito da Congregação para os Bispos

Missa da Vigília | Homilia
Recinto do Santuário de Fátima, 12 de agosto de 2019
XIX Domingo Comum (1 Rs 19, 4-8; Ef 4, 30 – 5, 2; Jo 6, 41-51)

 

 

Caros Irmãos e Irmãs,
A palavra de Deus oferece-nos hoje uma mensagem de esperança para sustento da nossa fé em Deus, que opera na história e convida os homens e as mulheres a responder à sua aliança. Se estamos aqui em Fátima, tão numerosos e fervorosos, é porque pertencemos ao povo de Deus a caminho, este povo de pobres, tantas vezes fustigados e sofredores, mas acompanhados pelo Deus de Abraão, de Isaque e de Jacob; este povo que, em Cristo, se tornou a Igreja de Deus, cujos laços de unidade são tecidos pela comunhão das Pessoas divinas, pela comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
A história santa ensina-nos, de facto, que Deus peregrina com o seu povo e o protege ao longo do caminho. Lembramo-nos particularmente da passagem do mar vermelho, do dom do maná no deserto, da visão da serpente de bronze que curava as picadas de serpente. Todos estes sinais da proteção divina são completados, na primeira leitura, pelas instruções de Deus no livro do Deuteronómio em relação aos estrangeiros: «Não violarás o direito do estrangeiro e do órfão, nem receberás como penhor o vestido de uma viúva». «Quando fizeres a ceifa do teu campo e te esqueceres de algum feixe, não voltes atrás para o levar. Deixa-o para o estrangeiro, o órfão e a viúva». O mesmo com a tua vinha e as tuas oliveiras porque «Lembra-te que foste escravo na terra do Egipto».
Na caminhada com o seu povo, Deus preocupa-se com os mais frágeis e afirma ao seu povo que deve agir como Ele. Esta atitude é uma constante na história e a sua realização máxima encontra-se em Jesus. Pois, em Jesus, vemos não apenas o Deus que nos acompanha e exorta, mas também o Deus-homem que cuida de tudo o que nos oprime, que cuida das nossas dores, dos nossos pecados, ao ponto de sofrer a nossa morte de pecadores. Em Jesus, Deus inclina-se e humilha-se por amor; Ele identifica-se com os mais pobres de entre as vítimas do egoísmo e do ódio no mundo.
Nunca Deus foi tão solidário com a humanidade como em Jesus crucificado, morto e ressuscitado. O Seu amor de Pai manifestou-se totalmente nele, Seu Filho, que deu a sua vida por amor para nos reconciliarmos com Ele. Assim, tornamo-nos, pelo nosso batismo, verdadeiros parceiros da Aliança, capazes de amar como ele e, por isso, levados a espalhar aos outros a caridade gratuita com a qual somos misericordiosamente abençoados por Deus. Daqui advém o seu grande mandamento de que amemos como Ele nos amou, com a sua predileção pelos pobres, os estrangeiros, os órfãos: “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes”. Este solene ensinamento do Evangelho de Mateus fala-nos da vida presente e do juízo final. Seremos julgamos pelo que fizemos com o amor de Jesus derramado nos nossos corações e destinado a todos os que precisarem. Não esqueçamos nunca este ensinamento, pois é o nosso passaporte para o Céu. Sem este passaporte, não entraremos no Paraíso.
No dia 8 de julho o Papa Francisco disse, no sexto aniversário da sua visita a Lampedusa, que o seu pensamento se dirigia constantemente aos “«últimos» que diariamente clamam ao Senhor, pedindo para ser libertados dos males que os afligem. São os últimos enganados e abandonados a morrer no deserto; são os últimos torturados, abusados e violentados nos campos de detenção; são os últimos que desafiam as ondas dum mar impiedoso; são os últimos deixados em acampamentos de acolhimento (demasiado longo, para ser chamado de temporário). Estes são apenas alguns dos últimos que Jesus nos pede para amar e levantar”.
Caros amigos migrantes e refugiados, possais vós encontrar, nas vossas peripécias de viagem até à Cidade que Deus prepara para os seus filhos, o testemunho da caridade dos cristãos e dos não-cristãos a fim de conservardes a vossa esperança ao longo do caminho. O Espírito de Jesus ressuscitado derramou-se nos nossos corações, mas também fora dos nossos meios e das nossas comunidades; sentimo-nos, por vezes, edificados ao testemunhar gestos de amor e de compaixão por parte de seguidores de religiões diferentes da nossa. Rezemos juntos e peçamos ao Espírito Santo que reconforte, console, levante aqueles e aquelas que tropeçam e caiem no caminho, quer nos sejam pessoas próximas ou de qualquer outra pertença. O povo dos migrantes e dos refugiados é um povo de seres humanos vulneráveis, descartados, maltratados e desprezados como o foi o Crucificado.
A vossa solidariedade para com todos, que manifestais através desta peregrinação, é um sinal dos tempos e um sinal de Deus em ação na história, Deus que revela através do seu povo a caminho a aspiração profunda da humanidade que ultrapassa de facto o horizonte terrestre. A Epístola aos Hebreus afirma isto mesmo com todas as letras, ao elogiar a fé dos nossos antepassados e dos profetas que não viram aquilo que lhes tinha sido prometido, mas que confessaram que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Eles testemunharam assim que estavam em busca duma pátria melhor, isto é, celeste. «Por isso, Deus não se envergonha de ser chamado o «seu Deus», porque preparou para eles uma cidade».
Caros amigos migrantes e refugiados que caminhais com Jesus Cristo Ressuscitado, sob o olhar misericordioso do Pai celeste e com o sopro do Espírito de Amor no coração, lembrai-vos da Esperança que habita em vós e da mensagem que levais a toda a humanidade. Não sois apenas miseráveis expostos a todas a intempéries, sois mensageiros de Deus que, através de vós, recorda a todos o destino comum da humanidade a caminho até à cidade de Deus, a Jerusalém celeste prometida a todos os homens de boa vontade.
Que Nossa Senhora de Fátima, Mãe de misericórdia e Rainha da Paz, que invocamos com plena confiança no poder da sua intercessão, nos obtenha, nesta peregrinação, uma fé mais viva no Seu Filho amado e uma resposta mais fiel à vocação profética com a qual Deus nos abençoou n’Ele, o Único Salvador da humanidade.
Ámen.