“Felizes vós, peregrinos…porque neste anúncio encontrais já consolação.”

Homilia de 13 de Julho de 2017

(Leituras: Is 61,1-3.10-11 • 2Cor 1,3-7 • Mt 5,1-12)

D. Paolo Pezzi, arcebispo de Moscovo

Excelências Reverendíssimas,

Caros Sacerdotes,

Religiosos,

Caríssimos irmãos e irmãs, peregrinos da Igreja que está em Portugal, da Igreja que está na Rússia, e provenientes de tantas outras partes no mundo!

Poderíamos hoje escrever com as nossas vidas e a nossa presença aqui neste Santuário de Nossa Senhora de Fátima uma nova bem-aventurança: felizes vós, peregrinos, cuja meta é a casa de Deus, o Pai da nova e eterna Aliança; felizes vós, que levais com a vossa peregrinação o anúncio da salvação do Evangelho a todo o mundo, porque neste anúncio encontrais já consolação.

Diz uma belíssima oração do Tempo Pascal: “Sê a nossa alegria que ninguém pode arrancar do nosso coração, para que, livres da tristeza que é fruto do pecado, busquemos sempre a felicidade da vida eterna” (cfr. Jo 16,22).

Que grande consolação nos é dada pelo Espírito através de Nossa Senhora, Mãe de toda a consolação! Quem poderia, na verdade, vencer o medo, a distância que tantas vezes nos separa dos nossos irmãos, a solidão, a angústia ou o sofrimento?

Ao longo destes últimos meses tenho pensado frequentemente nas vítimas do ódio dos homens, em todos aqueles que morrem destruídos pelo mal, pelo ódio de outros homens, seus irmãos: quem, dentre eles, pôde ao menos pressentir o conforto do amor de Cristo?

Só Cristo, na verdade, interessa-se por todo e cada homem. Como diz Dionísio o Areopagita: “Quem nos poderá falar do amor ao homem que é próprio de Cristo, transbordante de paz?”

As bem-aventuranças encontram no anúncio da Boa Nova a sua realização: a pobreza de espírito, a misericórdia, o acolhimento do outro como um bem, a consolação realizam-se quando nós vivemos “por” Cristo, quando humilde e fielmente o testemunhamos vivo, ressuscitado, presente, habitando no meio de nós.

O homem de hoje vive na expectativa, talvez nem sempre conscientemente, de escutar o anúncio de Cristo no encontro com aqueles para os quais o mistério da vida de Cristo é consolação tão presente que a sua vida se transformou.

Mas não devemos esquecer que frequentemente este anúncio, que estamos chamados a fazer com a força de atração da nossa vida transformada, transfigurada pelo Espírito de Cristo, muitas vezes será acompanhado pela mentira, pela calúnia, pela perseguição. O mundo, como o entende São João no seu evangelho, não quer escutar esta mensagem de salvação. Este parece ser também o sentido da última expressão de Jesus que encerra as Bem-aventuranças, com palavras muito fortes: “Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam”.

Mas estas palavras de Jesus não provocam medo, pelo contrário, transmitem paz e consolação. Isto mesmo nos era dito nas palavras de São Paulo na Carta que acabamo de escutar: “Se somos atribulados, é, pois, para vossa consolação e salvação. Se somos consolados, é para vossa consolação, que vos faz suportar os mesmos sofrimentos que também nós padecemos” (2Cor 1,6).

Estas palavras tornaram-se conforto para os cristãos perseguidos e martirizados nos primeiros séculos do cristianismo, mas continuam também a oferecer a mesma consolação para todos os tempos que se lhe seguiram. Na verdade, não existe uma época da história que não tenha tido os seus mártires.

Também no século passado, o século XX ficou marcado por uma perseguição particularmente sangrenta. Infelizmente, quando uma sociedade renuncia ao anúncio do evangelho torna-se facilmente vítima de totalitarismos, do poder do homem sobre o homem.

Sim, caríssimos irmãos e irmãs, é consolador saber que existe um modo de vencer o ódio do mundo, é a Cruz de Cristo. Isto mesmo nos recordaram os mártires do século XX: o testemunho de um amor gratuito vence mesmo o ódio mais irracional.

E também hoje a perseguição dos cristãos, que não diminuiu, mas pelo contrário parece crescer a cada dia, recorda-nos que uma possível convivência entre os homens só é possível num testemunho até ao martírio da fé e da caridade gratuita.

A Virgem Maria viveu as Bem-aventuranças porque foi a testemunha, a dócil Serva do Senhor. Na Virgem Maria, Deus fez uma casa para si, construiu un templo.

Nossa Senhora é o primeiro lugar onde plenamente, misteriosamente habita Deus. É o primeiro templo, é a primeira igreja, mas também nós somos, juntamente com a Virgem Maria, igreja.

Também nós somos chamados a dilatar este mesmo acontecimento da incarnação.

Tudo isto aconteceu antes de mais no nosso baptismo e mais tarde, para aqueles a quem isto já aconteceu, na concretização de uma resposta à nossa vocação. Para aqueles que são mais jovens, vivem-no na expectativa, na descoberta, na procura de que isto se realize na vocação.

Porém, tanto para uns como para outros, isto exige que nos coloquemos diante do Mistério de Deus presente que torna possível viver com dignidade, com grandeza a própria vocação; ou que nos torna disponíveis de uma forma séria para que esta vocação se venha a manifestar.

O anúncio da Boa Nova insere-se na vocação que todo o homem recebe de Cristo. A comunicação missionária do dom que recebemos não é assim um dever reservado só aos sacerdotes ou às religiosas; não é uma questão de ofício ou profissão: “a minha profissão é a de ser missionário”, não, o anúncio cristão diz respeito a todos, homens, mulheres, crianças, jovens, idosos.

Não existe um momento em que possamos dizer: “bem, anunciar a Boa Nova é algo de belo, mas isto não é para mim, não me diz respeito”, não, diz-te respeito, e porquê? Pelo simples facto de teres recebido a graça das bem-aventuranças.

Por isso mesmo, se não queres perder aquilo que recebeste, aquilo que te foi dado, deves comunicá-lo com a tua vida. E não existe um momento em que possamos dizer: “Basta! acabou”, não! O único limite é a tua vontade, é quanto queiras reviver, permanecendo naquele dom que recebeste. Permanecendo grato pelo dom recebido.

E então compreendemos que tudo aquilo que Isaías diz profeticamente de Jesus: “O espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu: enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem” (Is 61,1), é comunicado a todos nós, batizados em Cristo.

O mistério da vida de Nossa Senhora, Virgem e Mãe de toda a consolação, realiza a segunda parte da profecia de Isaías: “Rejubilo de alegria no Senhor, e o meu espírito exulta no meu Deus, porque me revestiu com as ves¬tes da salvação e me envolveu num manto de justiça” (Is 61,10) e põe em destaque a ação do Espírito Santo.

Também a vida de Nossa Senhora é um mistério, e acompanha toda a vida terrena de Jesus. É por isso que quando a piedade popular do povo cristão chama a Nossa Senhora de Consoladora, Advogada, Auxiliadora, – basta pensar em quantas expressões de devoção encontramos nas inumeráveis e belíssimas Ladaínhas dedicadas a Nossa Senhora! – este é um modo privilegiado para entrar na vida do Espírito que é Consolador, Advogado, Apoio no caminho, e nos faz reviver os mistérios da vida de Jesus.

Um modo simples e acessível a todos em qualquer circunstância de entrar na vida do Espírito é a oração, através da qual nós contemplamos as maravilhas realizadas por Deus.

Existe uma oração que chegou até nós da tradição profunda da sabedoria da Igreja e que se prolonga em nós. A invocação ao Espírito Santo, Veni Sancte Spiritus, Veni per Mariam, “Vinde Espírito Santo, vinde por Maria”, exprime o desejo ardente de entrar no mistério da vida do Espírito, de entrar em relação com Cristo, em relação com os Seus irmãos e com as coisas: como se adequa bem esta simples mas profunda jaculatória à festa que hoje celebramos, na qual nos entregamos e nos confiamos nas mãos da Senhora de Fátima!

Veni Sancte Spiritus, veni per Mariam: é o desejo ardente que se faz invocação humilde: vinde, Espírito Santo, vinde por meio de Maria: desta forma aquilo que aconteceu há dois mil anos na vida de Jesus aconteça novamente nas relações que compõem a trama da nossa vida, na história de Deus dentro da história do mundo, que é a graça de Deus na nossa vida.

É dom do Espírito que cada homem, cada criatura, entre neste desígnio de amor para o mundo tal como o Pai o pensou, que entre no Mistério de Deus, que sustenta o homem e toda a criação, como o afirma São Paulo: “um só é Deus, que realiza tudo em todos. E a cada um é dada uma manifestação particular do Espírito para o bem comum. Assim como o corpo é um só e tem muitos membros e todos os membros, apesar de numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade, todos nós fomos baptizados num só Espírito para constituírmos um só corpo” (1Cor 12,7.12-13).

Espírito Santo, Espírito Consolador, Espírito Criador, Tu que criastes o mundo, que o redimiste, que o recriaste na tua ação contra o mal, Tu tornaste presente no homem esta possibilidade de combater o mal.

É através da graça do Espírito e por intercessão de Nossa Senhora que desejamos ser construtores de uma morada entre os homens e para os homens, que queremos ser mais santos. Porque tudo, tudo vem do Espírito. Somos nós enviados a realizar uma humanidade nova, diferente, mais humana.

Peçamos a Nossa Senhora que nos seja dado com abundância o dom do Espírito para que possamos saborear e viver esta união com o Senhor que nos envia. É este o sentido profundo da oração que todos podemos repetir: “Veni Sancte Spiritus, Veni per Mariam”.

Peçamos à Senhora de Fátima, a graça da conversão a Seu Filho, peçamos ao Espírito que faça voltar o nosso olhar para Cristo, fonte de toda a paz, conforto, e de criatividade para a nossa vida e para a vida dos nossos irmãos.

Esta é a forma em que compreendemos a nossa vida e que seja também este o modo, a consciência com que voltemos às nossas casas.