Um chamado especial é determinado pela livre e gratuita escolha feita por Deus, a escolha desde o ventre materno
A sabedoria de Deus, presente do Espírito Santo que acompanha todos os passos da Igreja, tem conduzido sua prática pastoral à atenção diversificada aos aspectos vários da vida cristã, pois não temos uma existência linear, repetitiva, mas cheia de novidades, com as quais descobrimos novas exigências e aprofundamos dimensões novas. Assim acontece com a liturgia dominical, cujos ciclos conduzem sempre a novos passos e aprofundamentos diferentes do mesmo mistério de Cristo. Que dizer da Palavra de Deus, tão antiga e sempre nova, com a qual o Espírito Santo suscita passos diferentes e cada vez mais profundos na estrada da santidade em todo o povo de Deus?
O chamado de Deus, vocação, traz consigo uma dinâmica sempre nova, todas as vezes que os cristãos de todas as idades e estados de vida se colocam diante da graça que os interpela. O mês de agosto retorna ainda uma vez com o convite a escutar o chamado de Deus e ajudar-nos mutuamente a identificá-lo, para que a resposta seja generosa, especialmente da parte das crianças, adolescentes e jovens, que se encontram justamente nesta fase de discernimento. Nos próximos meses, em torno da realização da Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos sobre a juventude e as vocações, o tema estará em pauta e pedirá o empenho de todos no aprofundamento dos passos a serem dados. O instrumento de trabalho divulgado pela Santa Sé, no qual nos inspiramos para esta reflexão, oferece alguns elementos de grande importância (Cf. números 87 a 99).
A vida humana, especialmente à luz do Concilio Vaticano II, é compreendida à luz do chamado universal à santidade (Cf. Lumen Gentium 39-42), e a esta luz se compreendem as vocações individuais para o ministério ordenado e para a vida consagrada, bem como a vocação do leigo, e a vida matrimonial. E aí a Palavra de Deus orienta a ler o mistério da vocação como uma realidade que marca a própria criação de Deus, iluminando a existência de todo homem e toda mulher. Somente uma visão de vocação pode compreender plenamente o ser humano.
A vida como vocação
Falar da vida como vocação evidencia, segundo o Documento do Sínodo, que a vida de um jovem não é determinada pelo destino ou pelo fruto do acaso, ou que seja um bem privado administrável por conta própria. O discernimento vocacional tem as características de um caminho de reconciliação com o próprio corpo e com o próprio eu, com os outros e com o mundo. A concepção da vida como vocação leva a renunciar à mentira do narcisismo para se deixar interpelar pelos apelos de Deus que destina cada homem e cada mulher a procurar o bem dos outros, no amor.
Trata-se, portanto, de criar uma nova cultura vocacional, que esteja sempre relacionada à alegria da comunhão de amor que gera vida e esperança. A plenitude da alegria, de fato, só pode ser experimentada após a descoberta de ser amado e, como resultado, pessoalmente chamado a amar, por sua vez, nas circunstâncias concretas em que cada um vive.
Entretanto, só a luz de Jesus Cristo se esclarece completamente a vida de qualquer pessoa! Só ele pode revelar quem nós somos. Com Jesus, descobre-se o chamado a ir além de si mesmo. Ouvir sua palavra é abrir-se a horizontes que, com a própria força, não se poderiam nem imaginar. O trabalho pelas vocações só pode acontecer quando as pessoas são confrontadas com Jesus Cristo. Não se começa por tempos e tempos de tratamento das questões humanas, sem dúvida, importantes. Estas só serão compreendidas e abordadas com profundidade à luz da experiência do seguimento de Jesus Cristo. E na medida em que acontece este seguimento, quando o jovem enxerga a vida à luz da fé, ele vê, na medida em que caminha, em que entra no espaço aberto pela Palavra de Deus. Aí o jovem vê seu lugar na Igreja, como ensina o Papa Francisco.
Caminho vocacional e chamado particular
O caminho vocacional tem sua raiz na experiência da filiação divina dada no batismo, um caminho pascal, que requer um compromisso de negar a si mesmo e perder a própria vida, para então recebê-la renovada. O Cristo que nos chama a segui-Lo é aquele que “pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz, desprezando a ignomínia, e está agora sentado à direita do trono de Deus” (Hb 12, 2). O fiel, mesmo quando experimenta que o discipulado envolve renúncias e fidelidade sofrida, não se desanima e continua a seguir o Senhor, que nos antecedeu à direita do Pai e nos acompanha com o seu Espírito.
Entre aqueles que o seguem, Jesus escolhe alguns para um especial ministério. Um chamado especial é determinado pela livre e gratuita escolha feita por Deus, a escolha desde o ventre materno, a revelação à pessoa chamada do mistério de Cristo e a missão histórica de salvação. O chamado particular só é compreensível dentro do horizonte “vocacional” da Igreja inteira. Nela, as vocações para uma tarefa especial tornam evidente a graça com a qual Deus chama a todos para a salvação: assim, enquanto Jesus diz “segue-me” ao publicano Levi, tornando-o apóstolo da Igreja (Mc 2, 14), anuncia a todos que ele não veio “para chamar os justos, mas os pecadores” (Mc 2, 17).
A vocação da Igreja encontra sua real antecipação e sua plena realização na figura de Maria, uma jovem que, com seu ‘sim’, tornou possível a encarnação do Filho e, consequentemente, criou as condições para que qualquer outra vocação eclesial pudesse existir. O princípio mariano antecede e excede todos os demais princípios ministeriais, carismáticos e jurídicos da Igreja, e de todos esses é apoio e acompanhamento. Somente assim é possível para a Igreja tornar-se uma imagem integral do rosto de Jesus na história humana.
Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.
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