Desde os meus primeiros artigos publicados no Portal Canção Nova, que tratam sobre o processo de nulidade do matrimônio, tenho recebido diversos e-mails de leitores que buscam o caminho para iniciar o processo. O desejo da nulidade deve ser encaminhado ao Tribunal Eclesiástico, que será apreciado conforme as regras do Código de Direito Canônico, e cada caso em suas peculiaridades. O que me cabe é indicar aos leitores que busquem o Tribunal, tentar esclarecer ao máximo as dúvidas e rezar para que a angústia que lhes aflige se esvaia.
Primeiro, é necessário lembrar que a nulidade do matrimônio é um procedimento que visa declarar que a celebração do sacramento não ocorreu de fato. Não se trata de anulação, mas sim de nulidade. Com efeito, “o matrimônio rato e consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder humano nem por nenhuma causa além da morte” (Cânone 1141). Diante disso, as razões que levam à nulidade do matrimônio ocorrem antes da própria celebração. Notem, não há casamento válido e depois cancelado, mas o que ocorre é a declaração de que, no momento da celebração, já existia um impedimento ao matrimônio que não identificado na época.
Conseguir a nulidade do casamento não é o mesmo que a anulação, por isso a importância de conhecer o processo
O Código de Direito Canônico enumera os impedimentos dirimentes em especial, que são as hipóteses que devem ser verificadas antes da celebração, mas, se não observadas, podem causar a nulidade futura. A vontade de Deus é a união entre homem e mulher, para que vivam felizes, com cuidado e respeito mútuos. Quando isso não ocorre, a infelicidade pode cegar e os maus sentimentos guiam para um pedido de nulidade em vão. Outra hipótese comum é quando o cristão separado, de fato, encontra um novo parceiro que, respeitoso aos dogmas da Igreja, pretende um casamento religioso, mas aquele primeiro não pode celebrá-lo.
Seja pela infelicidade do casamento atual ou pela esperança de uma união futura, a serenidade e a cautela devem estar presentes para evitar uma busca pela nulidade do matrimônio que não pode ser alcançada, frustrando o desejo do cristão angustiado. Chama-me à atenção que a maioria dos questionamentos que recebi vieram do novo parceiro e não daquele que já celebrou um casamento anterior. Sem pretensão de generalizar, isso leva a crer que a busca pela nulidade é fundada no desejo de uma nova união e não no sentimento sincero de que o sacramento anterior é nulo por quem prometeu diante Deus amor para a vida toda.
Considere, então, que a nulidade é anterior à celebração; o desejo deve partir daquele que participou do sacramento; o pedido deve ser honesto e sincero; a atual infelicidade pode ser passageira e raramente será suficiente para a nulidade; ao tratar desse processo, falamos de uma promessa de amor feita perante Deus e a comunidade, a qual se pretende seja declarada nula. As dificuldades existem em toda união e nem sempre a relação é a soma de 50% de carinho de cada cônjuge. Às vezes, a esposa só pode entregar 20% e o marido tem de se esforçar pelo outros 80%; em outros momentos, o marido só poderá fornecer 10% e a esposa deve preencher os outros 90%. Amor, respeito, carinho e compreensão são o segredo para praticar esses números.
O que diz o Papa Francisco e a Igreja?
Nas palavras do Papa Francisco: “Certamente, o Senhor, na sua bondade, concede que a Igreja rejubile pelas tantas famílias que, amparadas e alimentadas por uma fé sincera, realizam na fadiga e na alegria diária os bens do matrimônio, assumidos com sinceridade no momento das núpcias e perseguidos com fidelidade e tenacidade. Mas a Igreja conhece também o sofrimento de muitos núcleos familiares que se desagregam, deixando atrás de si os destroços de relações afetivas, de projetos, de expectativas comuns. O juiz está chamado a fazer a sua análise judicial quando subsiste a dúvida sobre a validade do matrimônio, para certificar se há vício de origem do consenso, quer diretamente por defeito de validade intencional, quer por grave deficit na compreensão do próprio matrimônio a ponto de determinar a vontade (cf. cân. 1099). A crise do matrimônio, de fato, muitas vezes, é na sua raiz crise de conhecimento iluminado pela fé, ou seja, da adesão a Deus e ao seu desígnio de amor realizado em Jesus Cristo”.
Na angustiante hipótese de o sacramento ter sido celebrado sem a promessa verdadeira de amor, o cônjuge deve procurar o Tribunal Eclesiástico competente e dar início ao processo de nulidade matrimonial. O pedido é apresentado à secretaria do Tribunal pelo documento escrito chamado de libelo, que é o ato pelo qual o autor afirma a existência de uma vontade concreta da lei que lhe garante um bem. Após recebido o libelo, será nomeado o juiz que, no primeiro momento, irá analisar os requisitos de admissão, atento às disposições do Canône 1504 do Código de Direito Canônico.
O processo em si é íntimo e intenso, o que exige a honestidade e o comprometimento das partes. Os sentimentos, as relações íntimas, os pensamentos e os comportamentos dos cônjuges durante toda a união serão questionados, sob o sigilo do Tribunal Eclesiástico. Portanto, ao dar início ao processo de nulidade, esteja pronto para “mexer fundo na ferida”, pois só assim será possível alcançar um resultado justo, alinhado às normas da Igreja. Durante o curso do processo, as partes receberão todo o suporte e orientação do Tribunal até que seja proferida a sentença que declara (ou não) a nulidade do matrimônio.
Embora o rito seja previsto no Código de Direito Canônico, para proferir a sentença é preciso que o juiz alcance a certeza moral sobre a nulidade, o que traz particularidade a cada caso, não podendo se precipitar em uma expressão genérica dos impactos do processo de nulidade na vida e no espírito das partes. Em outras palavras, cada vida, cada sentimento e cada história formarão um processo diferente que pode afetar de forma mais ou menos intensa a vida das pessoas. Que a fé e a compreensão no sacramento do matrimônio possam iluminar noivos e fortalecer os cônjuges, para que cada vez mais o processo de nulidade seja exceção e a vida de amor e felicidade se torne regra na união de todo ser humano. Que assim seja.
Luis Gustavo Conde
Advogado com atuação na área de Direito de Família e Direito Bancário. Professor de cursos técnicos. Catequista no Santuário de Nossa Senhora Aparecida em Ribeirão Preto/SP. Palestrante focado na doutrina cristã.
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