Conferência sobre a Irmã Lúcia esclarece aparente paradoxo de uma vida marcada pela profecia e pelo desejo de silêncio como experiência íntima de Deus

Vice-postuladora da Causa de Canonização da Irmã Lúcia destaca a profecia em que se transformou a vida da vidente de Fátima recolhida no Carmelo de Coimbra

A vice-postuladora da Causa de Canonização da irmã Lúcia, Irmã Ângela Coelho, proferiu esta tarde uma conferência intitulada “Lúcia de Jesus, uma vida plena de Luz”, na qual abordou o “aparente paradoxo” que ao longo da sua vida a mais velha dos videntes de Fátima desenvolveu:  saber-se profeta da mensagem que o Céu lhe entregava e sentir crescer dentro de si a vocação para a vida contemplativa no Carmelo.

foto | Santuário de Fátima

“Não lidamos, no caso da Irmã Lúcia, com a mesma simplicidade de figura que encontramos em Francisco, o Adorador e Consolador de Jesus, ou em Jacinta, a santa mais pequenina da história da Igreja, aquela que viveu a sua vida como um dom, oferecendo-se para reparar o mal do mundo”, começou por advertir a religiosa da Aliança de Santa Maria, natural do Porto, médica, vice-postuladora da Causa de Canonização da Irmã Lúcia e ex postuladora da Causa da Canonização dos Santos Francisco e Jacinta Marto, naquele que foi o III Encontro na Basílica neste ano pastoral, em que em Fátima se dá dá graças por viver em Deus.

A partir da figura do profeta Ezequiel, a conferencista aprofundou o carisma de Lúcia, explicitando a sua missão e apresentando os desafios de que somos herdeiros, sem nunca perder de vista as próprias palavras da carmelita, “escritas por obediência”, mas também “o seu testemunho de vida”. É, aliás, a partir do silêncio do Carmelo que a sua palavra aparece como inspiradora e desafiadora para os cristãos dos dias de hoje.

“A sua atividade profética desenvolver-se-á ao longo de toda sua vida, que abrangeu os momentos mais dramáticos e decisivos do século XX, dos quais foi testemunha” – a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial ,  o Concílio Vaticano II, a Guerra Fria e a queda do muro de Berlim- afirma a religiosa da Aliança de Santa Maria, sublinhando que a mensagem que Lúcia transmite “não é de menor importância para o tempo atual que vivemos”.

“A nossa época, marcada pela pandemia e pelos limites impostos por este minúsculo vírus, assiste à queda de paradigmas de convivência social, da vivência e celebração da fé, de modelos económicos que sustentaram a nossa civilização até ao momento”, adianta.

Desta dimensão profética de Lúcia, para além da denúncia sobejas também uma dimensão consoladora, refere, por outro lado, a Irmã Ângela Coelho, ao sublinhar a importância da devoção ao Coração Imaculado de Maria, na qual Lúcia “entra de corpo e alma” , procurando fazer sempre do anúncio deste “coração novo” “um refúgio e um caminho até Deus”.

“Esta é a certeza da sua vida” refere a Irmã Ângela Coelho, destacando que é também esta certeza que a mensagem de Fátima oferece a toda a Humanidade.

“Após anunciar o que lhe tinha sido dado a ver na aparição de julho, denunciando o pecado e as suas consequências (inferno, as guerras, perseguições à Igreja – estrutura tripartida do segredo), Lúcia aponta a consolação e a salvação de Deus expressa no triunfo do Coração Imaculado de Maria” e, por isso, a sua palavra “é sempre uma palavra de esperança”.

Por outro lado, adianta a oradora, há em Lúcia um desejo de recolhimento e de contemplação.

“Porquê a sua atração pelo Carmelo, o lugar do silêncio e da clausura, quando a sua missão era anunciar a devoção ao Coração Imaculado de Maria?” interroga a Irmã Ângela Coelho para, de imediato, aduzir uma resposta.

“Não tenhamos dúvidas, esta consciência de que é profeta configurará a sua forma de ser: perseverante, fiel, ousada e corajosa. Nada a detém quando se trata de anunciar o que o Imaculado Coração de Maria lhe tinha dito”, adianta.

“Mesmo que seja só por carta, a sua voz será ouvida até aos confins da terra, passando pelo Vaticano e por todos os que a ela se confiam”, esclarece ainda ao sublinhar uma outra dimensão: Lúcia “fez do silêncio uma das palavras mais eloquentes do seu ministério profético”, assumindo-se “um instrumento do qual Deus se quer servir”.

“É a profecia da vida escondida que cumpre a sua missão; o agir da Lúcia é um fazer feito de fidelidade à sua vocação de carmelita”, esclarece concluindo.

A presidente da Fundação Francisco e Jacinta Marto lembrou ainda “outro traço luminoso” que sobressai da vida da Lúcia e que “é a oferta da sua vida, pela Igreja”, pela qual “tem a sua alma de profeta ferida” quando “toma consciência de que há divisões” no seu seio. Aliás, é bem conhecida a insistência de Lúcia clamando pela união dos bispos, pela conversão da Rússia e pela consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria, a que só o Papa São João Paulo II haveria de dar resposta.

“No início da sua vida, Lúcia foi tocada pelo mistério de Deus de uma forma única e intensa. Durante a sua vida, ela teve de aprender a suportar o peso do mistério, a guardar no seu coração, na sua inteligência, na sua alma, a verdade do que «lhe fora dado ver na luz de Deus, onde está contido o passado, o presente e o futuro»”, concluiu a Irmã Ãngela, ao sublinhar que a vidente de Fátima “foi chamada a viver esta vocação de profeta num quotidiano marcado pelo ritmo de vida de uma Carmelita Descalça, pelas relações que estabeleceu com tantas pessoas, pelos sofrimentos inerentes a alguém que era tão frequentemente incompreendida e caluniada no seu trabalho solitário, assim como pela dor humana que invadia a sua cela e que ela servia com as suas lágrimas, o seu sacrifício, o seu silêncio, o seu trabalho e a sua oração”.

“Que luz maravilhosa irradia para o mundo, a partir da vida desta mulher!” concluiu  a religiosa ao lembrar que Lúcia, a pequena pastora de Aljustrel, “em 13 de junho de 1917, foi convidada pela Senhora mais brilhante que o Sol, a assumir a missão que o Senhor lhe confiava.”

Depois das aparições Lúcia parte de Fátima a 16 de junho de 1921 rumo ao Porto e ingressa no Instituto de Santa Doroteia. Mais tarde, a 25 de março de 1948, entra no Carmelo de Coimbra, a onde residirá até ao fim da vida.

O processo de canonização da Irmã Lúcia encontra-se em Roma para apreciação da Congregação para as Causas dos Santos, depois de ter sido concluída a fase diocesana.

Fonte: Santuário de Fátima