Lá, no início da Bíblia, encontramos um irmão ciumento e invejoso, que elimina aquele que parecia ter maior benevolência da parte de Deus (Cf. Gn 4,1-16). “Por que andas irritado e com o rosto abatido? Não é verdade que, se fizeres o bem, andarás de cabeça erguida? E se fizeres o mal, não estará o pecado espreitando-te à porta? A ti vai seu desejo, mas tu deves dominá-lo”, diz o Senhor a Caim que, fechado em seus sentimentos, inaugura uma série de comportamentos que, ao longo da história da humanidade, levaram, muitas vezes, os homens e as mulheres à indiferença e ao egoísmo diante do próximo.
Com frequência encontramos afirmações que nos fazem refletir sobre os valores que norteiam nosso comportamento e os rumos assumidos pela sociedade: “E eu, como fico nessa história?” “Exijo que me respeitem como eu sou!” “Eu sou eu e o resto é resto!”. E lá vamos nós, defendendo nossas políticas afirmativas, para ver quem conquista maiores espaços na sociedade. Quando falta num discurso a referência a um determinado grupo, desabam as reações e reclamações. Logo os esquecidos se sentem discriminados, porque não lhes podem faltar as devidas deferências. Curioso é ver que a definição dos espaços dos diversos grupos não traz a esperada realização. Vêm à tona novas exigências e as pessoas continuam em busca da felicidade que poderia vir do bater o pé para defender suas posições.
É óbvio que nossas observações encontram resistências, pois a sociedade de mercado e consumo vê, justamente na competição, o seu motor, mas tomamos a liberdade de propor questionamentos que nos possibilitem confrontar modelos, equilibrar atitudes e moderar as tendências que estão dentro de nós mesmos. É bem verdade que a história da humanidade assistiu inúmeras discriminações injustas, por raça, cor, religião, condição social ou outros motivos, mas, tantas vezes, a justa busca de superação das mesmas estabelece um círculo vicioso, gerando novas divisões entre pessoas e grupos. Mais crescem as reivindicações, mais aparecem manifestações de egoísmo. Parece-nos estar envolvidos num novelo interminável!
Deus, que é perfeição eterna, quando criou o mundo (Cf. Gn 1,26), fez o homem à Sua imagem e semelhança, homem e mulher o criou. Inteligência, liberdade e comunhão de amor são os valores da mais íntima intimidade na família eterna que nossa fé cristã professa “Santíssima Trindade”. Um só Deus verdadeiro em três pessoas iguais em sua divindade e distintas, tanto que afirmamos que o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus. Desde toda a eternidade, ser Deus é amar infinitamente, sair de si mesmo, pois o Pai ama e gera o Filho, o Filho ama e é gerado pelo Pai, o Espírito Santo é o amor do Pai e do Filho. Difícil de entender, pode alguém afirmar, mas decisivo para conhecer a estampa com a qual fomos pensados e amados, para existirmos neste mundo como imagem e semelhança! As tentativas de reinventar o ser humano, sem referência a Deus, são fadadas à frustração. Sim, no acolhimento do fato de termos sido criados para amar e sair de nós mesmos está o caminho para a plena realização humana.
Na Santíssima Trindade, o Pai Criador, o Filho Redentor e o Espírito Santificador vivem num perene relacionamento de amor, que pode atrair e provocar gestos e atitudes novas em nosso tempo. Afinal, a Trindade de Deus foi revelada por Jesus Cristo a nosso favor! Ele afirma constantemente seu relacionamento com o Pai do Céu, de quem quer realizar a vontade, de onde veio e para onde vai. É o Pai que sabe tudo e é com o Pai que Jesus se encontra continuamente no silêncio da oração, linguagem da Trindade de Deus! Na hora decisiva, quando o homem verdadeiro que é Jesus experimenta a agonia, a dor e o abandono, é nas mãos do Pai que se entrega! Quando o Pai toma a palavra nos Evangelhos, é para afirmar que Jesus é seu Filho amado, a quem todos devem ouvir. Ele o glorificou e haveria de glorificar de novo! E o Espírito Santo de Deus, que conduz a humanidade à plena verdade, que procede do Pai e do Filho, acompanha a Igreja para esclarecer tudo, inclusive nossa dificuldade para entender este modelo de vida! (Cf. Jo 16,12-15). Em Deus está o relacionamento e a saída de si para amar, criar, salvar, santificar!
“Quem quiser salvar sua vida a perderá; e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará” (Mt 16,25). Afirmar o valor da outra pessoa, amar e servir, olhar ao nosso redor para ver as necessidades dos outros, usar criatividade para propor soluções dos problemas sociais, cumprimentar primeiro, ouvir, esvaziar-se de si mesmo para dar espaço aos mais sofredores, incluir e não discriminar!!! Mas qual é a diferença? É que o primeiro passo cabe sempre a cada um de nós. Na perspectiva cristã, a novidade é que a competição e a concorrência são justamente por sair de si mesmo. É nossa proposta cristã e sabemos que pode não só contribuir para que o mundo seja melhor, mas é a única possibilidade de desatar os nós da existência humana. Trata-se de viver em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo!
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