Francisco esteve com participantes do projeto Scholas Ocurrentes, produtores de um mural que expressa os sofrimentos de diversos grupos humanos.
Na manhã desta quinta-feira, 3, o Papa Francisco visitou a sede da Scholas Ocurrentes no município de Cascais, arredores de Lisboa. No local, encontrou-se e conversou com jovens que participaram num projeto artístico intitulado “Vida Entre Mundos”. Juntamente com diversos grupos sociais, produziram a maior obra de arte do mundo: um mural com mais de três quilómetros de comprimento.
Segundo o site do projeto, esta obra busca expressar “uma outra forma de habitar a terra, uma forma em que todos os jovens, todos os mundos, se encontram, se escutam e celebram a vida, criando juntos”. Jovens, idosos, pobres, pessoas de diferentes religiões, entre outros grupos e comunidades, pintaram para manifestar seus sofrimentos e dores, em um processo que envolveu escuta, partilha e acolhimento.
O encontro realizou-se numa sala da sede do Scholas Ocurrentes, que também foi pintada como uma parte do projeto. Alguns jovens explicaram elementos que compõem a pintura, comparada pelo Papa a uma “Capela Sistina” feita pelos próprios jovens. Na sequência, três testemunhos foram apresentados a Francisco, juntamente com perguntas prontamente respondidas.
O primeiro jovem que se apresentou é muçulmano e natural da Guiné-Bissau. Ele citou a boa convivência entre todos, mesmo com as diferentes crenças. Isto porque são unidos pelo apelo ao bem estar da comunidade e pelo cuidado com o próximo. Diante disso, perguntou por que é que o Scholas é um espaço onde todos se identificam e por que é que precisa de tanta diversidade para se ter uma obra de arte.
O Santo Padre afirmou que o Scholas Ocurrentes possibilita que cada um se sinta interpretado, com grande respeito. Contudo, este não é um respeito estático, mas dinâmico, que os impulsiona para fazer as coisas e a expressarem-se enquanto o fazem. Assim, um respeita e ouve o outro, pois tem algo a dizer, resultando numa troca que une. “É um encontro onde todos caminham, seja de que país forem, independente da religião que professam, em que olham para frente e caminham juntos”, manifestou.
Na sequência, outro jovem falou que o tema dos dois meses de trabalho neste projeto foi o caos. No processo, eles visitaram várias comunidades e pessoas, de religiões e culturas diferentes, constituindo uma oportunidade de se aprofundar em cada um e descobrir o sentimento que tinham, a dor que sentiam. Assim, questionou o Papa sobre o que seria da existência humana sem o caos original.
Para responder, o Pontífice explicou a origem da palavra “crise”, ligada ao processo da colheita do trigo. Durante este processo, segundo ele, o grão é amassado e passa pelo crivo. Da mesma forma, a crise nas pessoas são as situações pelas quais passam na vida, e é preciso escolher entre uma vida com crise ou asséptica.
Francisco comparou a vida sem crises à água destilada, que “não tem sabor e não serve para nada”. Ele indicou ser necessário assumir as crises e resolvê-las. Entretanto, esse confronto também não deve ser feito sozinho: “no Scholas Ocurrentes, todos caminham juntos para enfrentar as crises juntos e seguir adiante, crescendo”.
O último testemunho foi de uma jovem que manifestou o privilégio de ouvir e se abrir verdadeiramente às histórias dos outros. Ela também partilhou as suas próprias percepções sobre a obra que produziram, expressando que, se de perto é possível ver apenas linhas espalhadas, ao se distanciar torna-se possível observar as formas que compõem a pintura. Ao encerrar a sua intervenção, a jovem perguntou ao Papa o que ele havia sentido, enquanto pessoa, ao ver o mural, e entregou-lhe um pincel, representando todos os artistas envolvidos no projeto.
O Pontífice afirmou que a vida humana é justamente fazer do caos um cosmos, dando sentido àquilo que está desordenado. Ele exemplificou esse movimento abordando o relato da criação do mundo no livro do Génesis. Segundo Francisco, o autor usou uma linguagem poética para narrar como Deus transformou o caos em cosmos, fazendo a luz e todas as outras coisas.
“Na nossa vida acontece a mesma coisa: há momentos de crise que são caóticos, e todos vivemos estes momentos”, prosseguiu. Entretanto, para o Papa, o caminho de cada um é transformar o caos. Afinal, uma vida que permanece no caos é uma vida fracassada, e uma vida que nunca viveu o caos, é uma vida “destilada”. “A vida que sentiu a crise como um caos, e lentamente, dentro de si e na comunidade, se transforma num cosmos, vai adiante”, concluiu.
No final desta partilha, Francisco recebeu um pincel ligado a um aparelho eletrónico, para dar a última pincelada do projeto e ligar dois mundos, real e virtual. Com tinta verde e movimentos circulares, ele deu o toque final à pintura da sala onde todos estavam reunidos, enquanto o trajeto feito pelas suas mãos era registado também virtualmente.
Em troca, o Santo Padre presenteou a escola com um quadro que ilustra a parábola do bom samaritano contada por Jesus (cf. Lc 10, 25-37). Ele explicou brevemente aos jovens a passagem bíblica e as ilustrações que a representavam no ícone entregue. “Muitas vezes se prefere a pureza virtual do que a proximidade humana (…). Às vezes, na vida, é preciso sujar as mãos, para não sujar o coração”, frisou.
Do lado de fora, foi apresentada ao Papa uma oliveira, plantada pelos jovens como um símbolo de paz. Ele abençoou e regou a planta, e após este momento, deixou a escola.
O Scholas Ocurrentes é uma organização internacional de direito pontifício presente em 190 países com o objetivo de promover uma cultura do encontro para a paz através da educação. Compõe uma rede que abrange mais de 400 mil realidades educativas, públicas e privadas, e alcança mais de 1 milhão de crianças e jovens. Nasceu dos projetos “Escuelas de vecinos” (“Escolas de vizinhos”) e “Escuelas hermanas” (“Escolas irmãs”), desenvolvidos em Buenos Aires pelo então arcebispo Jorge Mario Bergoglio.
Autor | Gabriel Fontana – Colaborador da Canção Nova
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