Voltemos a nossa imaginação para o início do cristianismo. Depois do Pentecostes, com a vinda do Espírito Santo sobre Maria e os apóstolos no cenáculo, teve início a Igreja e a sua missão de evangelizar.
Os apóstolos sentiam-se fortalecidos pelos dons do Espírito para pregar o querigma e anunciar a vida nova trazida por Jesus a partir de Sua Paixão, Morte e Ressurreição. Muitos são os testemunhos apresentados, por exemplo, no livro dos Atos do Apóstolos: Estevão, Pedro, Paulo, Barnabé e tantos outros que, literalmente, deram as suas vidas em pregações, exortações, curas e milagres em meio a judeus e pagãos, chegando até mesmo ao martírio.
Mas o que tudo isto tem a ver com família, catequese e diálogo? Na Igreja nascente, não havia os templos construídos, os meios de comunicação atualmente existentes e estruturas de pastorais e movimentos, como hoje temos nas dioceses de todo o mundo.
O que havia era um coração com sede de anunciar a sua experiência através da palavra, da oralidade. Os cristãos se reuniam nas casas e, naquele ambiente doméstico, os discípulos proclamavam o Evangelho aos idosos, adultos, jovens e crianças. Deixavam uma marca, uma mudança de vida impressa em cada lar. Daí por diante, cada família passaria a transmitir a Boa Nova, a vida de Jesus e os valores cristãos aos seus. Ensinamentos passados de geração em geração pela força do testemunho e num espaço de diálogo.
Uma realidade que se deve perpetuar
A Igreja frequentemente nos ensina que a família é um espaço que deve ser caracterizado como uma “igreja doméstica”. Como “Igreja” então que é, a família torna-se ambiente propício de catequese e transmissão da fé. Se no início o dinamismo da Igreja, orações e instruções aconteciam nas casas, hoje não pode ser diferente.
Na Exortação Apostólica Amoris Laetitia, Papa Francisco ressalta esses aspetos e aponta que, apesar do estilo de vida atual e ritmo frenético do dia a dia, a “família deve continuar a ser lugar onde se ensina a perceber as razões e beleza da fé, a rezar e a servir o próximo” (AL, 287). E tudo começa com o Batismo, pelo qual se recebe a fé, que é dom de Deus, e a partir de então, todos os membros da casa inserem-se na grande família de Deus e são chamados a uma vida de união, solidariedade, virtudes e entrega a Deus entre si e com outras famílias.
Como ainda explica o papa, os pais são evangelizadores dentro do próprio lar e colaboradores da iniciativa divina. Não são “proprietários do dom, mas seus solícitos administradores” (AL, 287).
Este contexto de catequese familiar começa no amor entre os esposos que, desde o tempo de namoro, precisam cultivar o diálogo, o respeito e a escuta. Sem tais elementos, a comunicação torna-se difícil, truncada e, por vezes, até agressiva.
Diálogo: modalidade privilegiada para viver e amadurecer o amor
Interessante que o Santo Padre dedica alguns números da Amoris Laetitia ao diálogo que, segundo ele, requer “uma longa e diligente aprendizagem”. Isto porque inúmeras são as diferenças de comunicação, compreensão e linguagens entre homens e mulheres, jovens e adultos.
A partir do documento, podemos colher conselhos práticos para a construção de um construtivo diálogo:
- Reservar tempo de qualidade para a escuta paciente e atenciosa, até que o outro tenha manifestado tudo o que desejava;
- Fazer silêncio interior; despojar-se das pressas e de suas próprias razões;
- “Dar valor [ao outro], reconhecer que tem direito de existir, pensar de maneira autónoma e ser feliz” (AL, 138);
- Colocar-se no lugar do outro, reconhecer sua verdade, suas preocupações e motivações mais profundas, até mais quando o tom torna-se agressivo;
- Mente aberta e flexibilidade. “É possível que, do meu pensamento e do pensamento do outro, possa surgir uma nova síntese que enriqueça a ambos” (AL 139);
- Nunca ver a outra pessoa como concorrente; ter gestos de solicitude pelo outro e demonstrações de carinho (AL, 140);
- Ter um bom conteúdo para o diálogo, o que requer “riqueza interior que se alimenta com a leitura, reflexão pessoal, oração e abertura à sociedade” (AL, 141). Ou seja, os casais são chamados a não se fecharem em si mesmos, cultivarem amizades com outros casais, serem próximos de pessoas maduras e de referência. Um acompanhamento de um bom diretor espiritual pode ser também uma grande valia.
São orientações muito preciosas e precisas para a convivência que, muitas vezes, é desafiadora em qualquer família, de todos os tempos e lugares. Voltando ao título deste texto, será que podemos responder positivamente à pergunta?
Todos os pontos levantados servem para refletirmos, fazermos uma revisão na nossa vida em família e, sobretudo, seguir em frente! Colocar o amor acima de tudo a fim de que cada lar, cada família seja Igreja doméstica, templo vivo do Senhor.
- Primeiro dia do funeral marcado pela trasladação do corpo de Bento XVI para a Basílica de S. Pedro - 3 de Janeiro, 2023
- Legado teológico de Bento XVI está a ser traduzido para português - 3 de Janeiro, 2023
- Canonista explica protocolo do funeral de Bento XVI - 2 de Janeiro, 2023