A seleção de sexo reprodutiva é um dos grandes questionamentos éticos da sociedade moderna. Esse novo desafio decorre da disponibilidade de novos procedimentos médico-laboratoriais, que interferem efetivamente na geração e na própria possibilidade ou continuidade da existência de seres humanos que estão sendo gerados no útero materno.
O desejo de escolher o sexo dos filhos vem desde a antiguidade. Os gregos antigos acreditavam que, ao retirarem o testículo direito, gerariam meninos, pois o esperma que determinava homens vinham do testículo esquerdo. Ao contrário, no século XVIII, os nobres franceses diziam que a remoção do testículo esquerdo garantiria um herdeiro masculino. Hipócrates ensinava que a mulher deveria deitar-se sobre o seu lado direito e assim a “semente faria nascer um menino” e vice-versa.
Além dessas questões, por meio de registros históricos pode-se comprovar que os homens também tentam influenciar na seleção do sexo dos seus filhos por meio de infanticídio e negligência em relação à criança.
O que se entende por seleção do sexo?
Atualmente, entende-se por seleção de sexo a utilização de tecnologias para determinar o sexo do filho. Compreende qualquer prática, técnica ou intervenção, cujo objetivo seja aumentar a chance de concepção, gestação e nascimento de uma criança de um determinado sexo em relação ao outro.
Existem basicamente dois métodos para selecionar o sexo: antes da fertilização, pela seleção dos espermatozoides X ou Y para posterior fecundação, já que o gameta masculino é o definidor do sexo; ou depois da fertilização, por exame genético, que seleciona o embrião pré-implantado ou pós-implantado. No primeiro caso (seleção dos espermatozoides X ou Y), não existe a questão do respeito ao embrião, porque se trata apenas do gameta masculino; enquanto que no segundo caso tanto a pré quanto a pós-implantação implicam no descarte de embriões. A posição moral diante do estatuto do embrião leva a distinguir radicalmente entre o método de seleção anterior e o posterior à fertilização. O descarte de embriões em qualquer situação é uma violação dos direitos da criança de nascer e crescer em uma família, e é um atentado contra o ser humano criado à imagem e semelhança de Deus. Em nenhuma situação, a Igreja aprova o descarte de embriões humanos.
O que leva as pessoas a escolherem o sexo dos seus filhos?
Quais motivações podem haver para a seleção do sexo? As motivações para a seleção do sexo são razões médicas ou razões de tipo não médicas. Apresento abaixo as motivações mais comuns:
– Prevenção de doenças ligadas ao sexo – razões médicas. Exemplo: algumas doenças ligadas ao cromossomo X. As mais comuns são: a hemofilia, as distrofias musculares e a síndrome do X-frágil. Hoje, estão descritas mais de 200 doenças – segundo alguns autores mais de 500 – com herança ligada ao sexo. Essas doenças comprometem uma em cada mil crianças nascidas;
– Para controle de natalidade (balanço familiar) – razões não médicas. Casais que gostariam de ter filhos de ambos os sexos para equilíbrio familiar, não precisando ter prole tão numerosa;
– Finalidade experimental para conhecer o processo;
– Puro desejo ou preferência dos pais;
– Correção demográfica;
– Incentivo ideológico, porque um sexo é considerado superior ao outro;
– Por uma associação de razões culturais, sociais, econômicas e pessoais, que levam a preferir um dos sexos em relação ao outro.
Moralidade do método de seleção do sexo
A concepção e a geração do ser humano sempre estiveram envoltos em mistério. O homem e a mulher eram considerados instrumentos aptos para que Deus fizesse surgir um novo ser. O filho não era algo feito por eles, mas recebido como um dom de Deus. A descoberta do processo de fecundação por meio do óvulo e do espermatozoide e o sempre maior domínio desse processo pelas técnicas de inseminação artificial e, posteriormente, pela fecundação in vitro possibilitaram a superação da infertilidade e a plena autonomia com respeito à procriação, não mais determinada pelo biológico.
Para a seleção do sexo do filho, um ponto essencial é o método de seleção. Existe algum método natural que favoreça a escolha do sexo da criança? Conforme o Magistério Católico, natural é sempre moral. Existem estudos que fazem uso da seleção natural. Por exemplo: ocasionar a fecundação num momento mais próximo ou mais distante do pico da ovulação (na prática, essa teoria não é muito confirmada).
Se algum dia encontrarem um método natural e seguro, a Igreja aprova a seleção natural do sexo da criança em determinados casos, ou seja, a moralidade do ato vai estar relacionada às motivações. Por que quero menino ou menina?
Não é possível fazer um juízo definitivo de cada método concreto, por isso, para a avaliação moral, deve-se estabelecer alguns critérios segundo as motivações:
Escolha do sexo por motivo terapêutico seria aceitável pela Igreja, embora tenha restrições morais.
Escolha do sexo por motivo ideológico deve ser absolutamente excluído, pois vai contra a igualdade e a dignidade da pessoa humana. Também não poderia ser uma imposição do Estado.
Seria justificada a escolha do sexo com a finalidade educativa e equilíbrio familiar. Sexos diferentes têm finalidade educativa e ajudam no amadurecimento psicológico.
Doutrina da Igreja Católica
Efetivamente, só de Deus pode provir aquela “imagem e semelhança”, que é própria do ser humano, assim como aconteceu na criação. A geração é a continuação da criação.
“Uma vez realçada a missão específica dos pais, há que acrescentar: a obrigação de acolher e servir a vida compete a todos e deve manifestar-se, sobretudo, a favor da vida em condições de maior fragilidade. É o próprio Cristo quem nos recorda isso, ao pedir para ser amado e servir nos irmãos provados por qualquer tipo de sofrimento: famintos, sedentos, estrangeiros, nus, doentes, encarcerados… Aquilo que for feito a cada um deles, é feito ao próprio Cristo (cf. Mt 25,31-46)”.
A ciência não pode impor-se como critério exclusivo à margem dos princípios éticos, dado que isso comprometeria a pessoa e a sociedade: “Ele os criou homem e mulher”.
Como pais, serão capazes de dar a vida a um semelhante a eles, não apenas “osso dos seus ossos e carne da sua carne” (cf. Gn 2,23), mas imagem e semelhança de Deus, isto é, pessoa. Ao perguntar: “Estais dispostos?”, a Igreja recorda aos noivos que eles se encontram perante o poder criador de Deus. São chamados a tornarem-se pais, ou seja, a cooperar com o Criador no dom da vida. Cooperar com Deus no chamamento à vida de novos seres humanos significa contribuir para a transmissão daquela imagem e semelhança divina, de que é portador todo o “nascido de mulher”.
“A distinção sexual, que aparece como uma determinação do ser humano, é diversidade, mas na igualdade da natureza e da dignidade. A pessoa humana, pela sua natureza íntima, exige uma relação de alteridade que implica uma reciprocidade de amor. Os sexos são complementares: semelhantes e dessemelhantes ao mesmo tempo; não idênticos, mas sim iguais quanto à dignidade da pessoa; semelhantes para se compreenderem, diferentes para se completarem”.
Algumas tentativas de intervenção no patrimônio cromossômico ou genético não são terapêuticas, mas visam produzir seres humanos selecionados segundo o sexo ou outras qualidades pré-estabelecidas. Essas manipulações são contrárias à dignidade pessoal do ser humano, à sua integridade e à sua identidade. De forma alguma, pois, podem ser justificadas em vista de eventuais consequências benéficas para a humanidade futura. Cada pessoa deve ser respeitada por si mesma: nisso consiste a dignidade e o direito de todo ser humano, desde o seu princípio.
Toda criança deve ser acolhida como dom de Deus, seja sustentada pelo amor do pai e da mãe, para poder crescer como o Senhor Jesus “em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52).
Fonte: Cancaonova.com
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