Santuário de Fátima celebra Missa Votiva de São João Paulo II no dia em que se completam cem anos do seu nascimento
Caia a noite na Cova da Iria, a 12 de maio de 1982, quando uma grande multidão esperava em Fátima a chegada de João Paulo II, o bispo vestido de branco, relatado nas memórias por Lúcia, a única vidente viva, e a que cumpriu o desejo de ver o Papa na Cova da Iria, consumando esse segredo confesso da prima, a pequena Jacinta, que por tantas vezes lamentou que no meio de tanta gente que acorria a este lugar “todos viessem menos o Papa”.
Não deixa de ser curiosa a coincidência entre o centenário do nascimento de São João Paulo II, conhecido como o Papa de Fátima e o centenário da morte da pequena Jacinta, a mais jovem santa não mártir da Igreja e a primeira santa de Fátima. Jacinta que tinha uma predileção especial pelo Santo Padre, por quem tanto rezava.
“Quem me dera ver o Santo Padre! Vem cá tanta gente e o Santo Padre nunca cá vem”, suspirava Jacinta, depois de rezar três ave-marias pelo Santo Padre, logo depois das Aparições de 1917, tal como recorda Lúcia na primeira memória.
“Ó meu Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores, pelo Santo Padre e em reparação dos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria”, rezava Jacinta quando detida em Ourém oferecia o seu sofrimento pelas intenções que levava no coração.
Santa Jacinta e São João Paulo II nunca se encontraram mas une-os uma grande devoção a Nossa Senhora, a Senhora mais brilhante que o Sol, que na Cova da Iria ganhou o nome de Senhora do Rosário de Fátima.
A devoção mariana do Papa Polaco, particularmente esta ligação “A Maria Santíssima tão cultuada e especialmente lembrada em Fátima”, como dizia no telegrama que escreveu em maio de 1979 ao então presidente da República Portuguesa, haveria de o fazer peregrino à Cova da Iria, três anos depois. E só não veio antes, ainda como arcebispo de Cracóvia, porque “as razões políticas o impediram” mas não deixou de se fazer presente através de uma mensagem, enviada ao então bispo de Leiria por ocasião do cinquentenário das Aparições, em 1967.
Se é certo que as viagens papais foram decisivas para a crescente visibilidade e internacionalização de Fátima, as três de João Paulo II em particular, bem como todo o seu pontificado, foram cruciais para o aprofundamento e estudo da mensagem e do acontecimento que lhe deu origem.
Foi, de facto, com o Papa polaco que se desenvolveram e intensificaram as relações de proximidade entre o Vaticano e Fátima.
As três viagens à Cova da Iria
Logo depois do atentado de que foi vítima, na Praça de S. Pedro, em Roma, em 13 de maio de 1981, o Papa atribuiu à proteção da Virgem de Fátima o facto de ter sobrevivido aos tiros disparados pelo turco Ali Agca.
Um ano depois, desloca-se a Portugal, tendo Fátima como alvo principal da visita, com o objetivo de “agradecer à Divina Providência “.
“Venho hoje aqui porque exatamente neste mesmo dia do mês, no ano passado, se dava na Praça de São Pedro em Roma contra a vida do Papa que misteriosamente coincidia com o aniversário da primeira aparição em Fátima. Estas datas encontraram-se entre si de tal maneira que me pareceu reconhecer nisso um chamamento especial para vir aqui; eis que hoje aqui estou. Vim, para agradecer à Divina Providência neste lugar que a Mãe de Deus parece ter escolhido de modo tão particular e, quiçá, uma chamada à atenção para a mensagem que daqui partiu há 65 anos, por intermédio de três crianças, filhas de gente humilde do campo, os pastorinhos de Fátima, como são conhecidos universalmente”, afirmava.
Na noite de 12 de maio, volta a ser alvo de um atentado, quando o ex-sacerdote integrista Juan Fernandez Khron tenta atingir o Papa com uma faca, não o conseguindo por intervenção de um dos polícias portugueses que escoltava o Sumo Pontífice.
Dois anos depois, em 1984, João Paulo II ofereceu ao Santuário de Fátima a bala que o atingiu no abdómen no atentado de Roma, projétil que em 1989 foi incrustado na coroa da imagem de Nossa Senhora.
Nesse ano, a 13 de maio decreta a heroicidade das virtudes de Francisco e da sua irmã Jacinta. Os decretos das virtudes dos irmãos Marto, e a consequente concessão do título de veneráveis, representam um momento verdadeiramente significativo para a História da Igreja, na medida em que pela primeira vez, e depois de um longo período de reflexão teológica, iniciada precisamente em resposta à Causa dos dois pastorinhos de Fátima, é reconhecida a heroicidade das virtudes e a maturidade de fé de crianças não-mártires, abrindo assim o precedente para que a santidade das crianças seja reconhecida, como aliás se constata nas observações escritas no Osservatore Romano de 10 de abril de 1981 e publicadas na revista Fátima XXI, em outubro de 2014.
A segunda viagem do Papa polaco a Portugal, em 1991, incluiu a participação na Vigília de Oração, em 12 de maio, e a celebração da Eucaristia no dia seguinte.
Na homilia, sublinhou a importância da mensagem de Fátima para os tempos de hoje, caracterizando-a como uma espécie de eco das palavras de Jesus a Sua Mãe, no Gólgota, quando lhe entregou o discípulo amado. “Aqui Ela teve de os acolher a todos. Todos nós, homens deste século e da sua difícil e dramática história”.
“O Santuário de Fátima é um lugar privilegiado, dotado de um grande valor especial: contem em si uma mensagem importante para a época que estamos a viver”, disse na Homilia do dia 13 de maio de 1991.
A terceira e última deslocação de João Paulo II à Cova da Iria, já com a saúde debilitada, ocorreu em 13 de maio de 2000, com o objetivo de presidir à celebração de beatificação de Francisco e Jacinta Marto.
Na altura apresentou-os à Igreja e ao Mundo como “duas candeias que Deus acendeu para iluminar a humanidade nas suas horas sombrias e inquietas”.
Esta foi uma viagem feita por insistência do Papa, que obrigou os serviços do Vaticano a desmarcarem a celebração inicialmente prevista para o dia 9 de abril, na Praça de São Pedro, em Roma.
O Segredo de Fátima
Outro sinal evidente da relação muito próxima que manteve sempre com Fátima foi a revelação da terceira parte do Segredo de Fátima, feita em 13 de maio de 2000 pelo Secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Angelo Sodano.
O Segredo de Fátima é tido como núcleo fundamental da Mensagem de Fátima e refere-se às visões e palavras testemunhadas pelos Pastorinhos na aparição de Nossa Senhora a 13 de julho de 1917. O seu conteúdo foi redigido por Lúcia na década de 40. As duas primeiras partes (a visão do inferno e a devoção ao Imaculado Coração de Maria) foram dadas a conhecer em 1941; a terceira (a visão da Igreja peregrina e mártir e da cidade em ruínas), redigida em 1944, permaneceu sob reserva e foi revelada publicamente em Fátima no ano 2000.
A terceira parte do Segredo inclui precisamente a referência a um atentado contra a figura do Papa, tendo João Paulo II ligado essa revelação ao acontecimento de 13 de maio de 1981, em Roma, ao qual sobreviveu por – disse-o várias vezes – “uma mão materna” ter desviado a trajetória da bala.
A escultura de Nossa Senhora
A relação do ex-arcebispo de Cracóvia com Fátima também se diz e escreve pela ligação à escultura que se venera na Capelinha das Aparições e que este ano celebra, também, o seu centenário. João Paulo II foi o primeiro Papa a solicitar uma deslocação desta imagem ao Vaticano para consagrar o mundo ao Imaculado Coração de Maria no dia 25 de março de 1984, precisamente um ano depois de ter iniciado o Ano Santo dedicado à Redenção.
Uma pequena comitiva liderada pelo bispo de Leiria, e onde se incluía o reitor do Santuário de Fátima partiu para Roma de avião tendo feito a viagem entre o aeroporto e o vaticano de helicóptero. Depois de ter estado na capela Paulina, uma das mais importantes do Palácio Apostólico, a escultura passou a noite na capela privada do Papa.
No dia seguinte, milhares de pessoas assistiram ao ato de consagração que João Paulo II fez diante da Imagem. Depois desta consagração, a Imagem ainda esteve durante algumas horas na Basílica de São Pedro, onde o Papa fez a sua despedida formal com um discurso em que reconhecia a sua devoção especial por Nossa Senhora do Rosário de Fátima, passando posteriormente pela Basílica de São João Latrão, a sé episcopal do bispo de Roma e pelo santuário do Divino Amor.
Esta mesma imagem haveria de regressar a Roma, em 2000 e diante dela, ladeado por 1500 bispos de todo o mundo, São João Paulo II haveria de consagrar o novo milénio ao Imaculado Coração de Maria: “A Ti aurora da salvação consagramos o nosso caminho no novo milénio”.
Se é certo que há, desde sempre uma ligação entre Fátima e o sucessor de Pedro, a verdade é que com São João Paulo II essa ligação tornou-se quase umbilical. O papa polaco acabaria por selar essa ligação oferecendo a Nossa Senhora o seu anel que tem inscrito o lema do seu Pontificado “Totus Tuus”.
O primeiro Papa eslavo
Karol Jozef Wojtyla nasceu em Wadowice (Polónia), a 18 de maio de 1920, e morreu no Vaticano, a 2 de abril de 2005, com 84 anos. Entre os seus principais documentos, contam-se 14 encíclicas, 15 exortações apostólicas, 11 constituições apostólicas e 45 cartas apostólicas.
O Papa polaco, o primeiro do mundo eslavo, foi uma das figuras mais marcantes da história recente, na Igreja e no mundo, e deixa atrás de si a herança de um longo Pontificado de 26 anos e meio (1978-2005) o terceiro mais longo da história da Igreja.
Em 1938 foi admitido na Universidade Jagieloniana, onde estudou poesia e drama. Durante a II Guerra Mundial (1939- 1945) esteve numa mina em Zakrzowek, trabalhou na fábrica Solvay e manteve uma intensa actividade ligada ao teatro, antes de começar clandestinamente o curso de seminarista.
Durante estes anos teve que viver oculto, junto com outros seminaristas, que foram acolhidos pelo Cardeal de Cracóvia.
Ordenado sacerdote em 1946, completa o curso universitário no Instituto Angelicum de Roma e doutora- se em teologia na Universidade Católica de Lublin, onde foi professor de ética.
No dia 23 de Setembro de 1958 foi consagrado Bispo Auxiliar do administrador apostólico de Cracóvia, D. Baziak, convertendo-se no membro mais jovem do episcopado polaco.
Participou no Concílio Vaticano II, onde colaborou ativamente, de maneira especial, nas comissões responsáveis na elaboração da Constituição Dogmática Lumen Gentium e da Constituição conciliar Gaudium et Spes.
No dia 13 de Janeiro de 1964 faleceu D. Baziak e Wojtyla sucedeu-lhe na sede de Cracóvia como titular. Dois anos depois, o Papa Paulo VI converte Cracóvia em Arquidiocese.
Durante este período como Arcebispo, o futuro Papa caracterizou-se pela integração dos leigos nas tarefas pastorais, pela promoção do apostolado juvenil e vocacional, pela construção de templos apesar da forte oposição do regime comunista, pela promoção humana e formação religiosa dos operários e também pelo estímulo ao pensamento e publicações católicas.
Representou igualmente a Polónia em cinco sínodos internacionais de bispos entre 1967 e 1977.
Em Maio de 1967, aos 47 anos, o Arcebispo Wojtyla foi criado Cardeal pelo Papa Paulo VI.
Em 1978 morre o Papa Paulo VI, e é eleito como novo Papa o Cardeal Albino Luciani de 65 anos que tomou o nome de João Paulo I.
O “Papa do Sorriso”, entretanto, falece 33 dias após a sua nomeação e no dia 15 de Outubro de 1978, o Cardeal Karol Wojtyla é eleito como novo Papa, o primeiro papa não-italiano desde 1522, ano da eleição do holandês Adriano VI.
Tendo-se formado num contexto diferente dos Papas anteriores, João Paulo II viria a imprimir na Igreja um novo dinamismo, impondo ao mesmo tempo um maior rigor teológico e disciplinar.
“Toda a vida do Venerável João Paulo II decorreu sob o signo da caridade, da capacidade de doar-se com generosidade, sem reservas, sem medida, sem cálculos. O que o movia era o amor a Cristo, ao qual tinha consagrado a vida, um amor super-abundante e incondicionado”, disse Bento XVI, em Março passado, a respeito do seu predecessor.
Fonte: Santuário de Fátima
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