Muitas das preocupações dos pais, quando os filhos começam a imitar os heróis, diz respeito à agressividade
Muitos pais chegam até mim preocupados, porque seus filhos começaram a apresentar um comportamento mais “agressivo” do que o habitual. De uma hora para outra, aquele “anjinho” da família coloca a máscara do Batmam, a capa do Super-Man e passa a imitar os gestos do Homem-Aranha (socorro!!), além de querer a festa de aniversário temática de toda a Liga da Justiça ou dos Vingadores (claro!). Os pais, de cabelo em pé, perguntam-se: “Meu Deus, o que fazer?” É normal querer imitar os super-heróis?
A resposta que dou é sempre a mesma: calma, isso é sinal de saúde, desde que os pais estabeleçam o limite e a harmonia entre a fantasia e a realidade.
A verdade é que a imagem do herói sempre atraiu meninos de todas as culturas e épocas. Foi assim na nossa infância e continua sendo na atualidade com os personagens mais famosos dos quadrinhos, ganhando repaginadas cinematográficas. Para muitos, pode parecer simplesmente um entretenimento lucrativo (também há verdade nisso), que laçou nossos filhos e também nossos bolsos. Para outros mais radicais, trata-se de uma questão “construída culturalmente” na sociedade patriarcal com o objetivo de estereotipar garotos (o que acho uma bobagem).
Na minha opinião, há uma razão absolutamente saudável para tal comportamento na metade da infância: a necessidade de separação dos pais e a construção de uma personalidade única e autônoma.
Por que meninos se identificam com os heróis?
Para o psicólogo C.G. Jung, o herói faz parte de um conjunto de imagens primordiais que vão se repetindo ao longo da história da humanidade e passando de geração em geração, à qual damos o nome de arquétipo. Por exemplo: todos nós, independente da cultura, temos uma noção universal do que seja uma “mãe”, um “pai”, um “sábio”, um “rei”. Essas imagens arquetípicas fazem parte da nossa estrutura psíquica e nos auxiliam no nosso desenvolvimento. Por isso, encontramos essas imagens nos mitos, nas lendas, nos contos de fadas e cinemas, pois, no fundo, são símbolos de nossas necessidades psicológicas. O herói é um desses arquétipos que pode nos auxiliar na jornada da vida.
Estudiosos como Moore e Gillette vão dizer que a imagem do herói, quando despertada, representa o auge da energia masculina no menino. Até então, esse menino vinha de uma relação psicológica muito estreita com a mãe, e, na metade da infância, sente a necessidade de separar-se dessa relação simbiótica. “O que o herói faz é mobilizar as estruturas delicadas do ego do menino para torná-lo capaz de romper com a mãe (arquetípica) no fim da infância e enfrentar as difíceis tarefas que a vida vai começando a lhe atribuir. As energias do herói apelam para reservas masculinas do menino, que se aprimoram conforme ele amadurece, para estabelecer a sua independência e competência, testando-o diante das forças difíceis e até hostis do mundo” ( Moore e Gillette, 1993).
Garotos seguros de si gostam de expressar agressividade sadia
Muitas das preocupações dos pais, quando os filhos começam a imitar os heróis, diz respeito à agressividade. “Será que ele pode vir a ser um homem violento no futuro brincando assim, com uma arma ou uma espada?”.
Em primeiro lugar, não há nenhuma relação de crianças que brincaram com suas armas de brinquedo na infância e se tornaram criminosos no futuro. Isso está muito mais no imaginário dos pais do que na realidade dos fatos. Se uma criança apresenta comportamento violento (que é diferente da agressividade), isso pouco tem a ver com o herói (personagem) que ele está se identificando; tem muito mais a ver com o que ele está absorvendo do seu ambiente familiar.
Em segundo lugar, toda criança, de ambos os sexos, gosta de brincadeiras brutas como virar cambalhotas, ficar suspensas no ar, subir em árvores entre outras. Nos meninos, as brincadeiras de “luta” ficam ainda mais evidentes, pois revelam uma “agressividade positiva” própria da virilidade que começa a lhes ser familiar. Garotos seguros de si gostam de brincar de luta com seus amiguinhos, com outros homens e principalmente com o pai.
A figura paterna: um herói mais forte
Ao imitar o herói, o menino ainda não sabe dosar a sua força, ele ainda está testando os limites de um campo desconhecido; então, acaba extrapolando essa agressividade no irmãozinho, no coleguinha, na mãe e até nos objetos da casa. É aí que entra alguém mais “forte” do que ele, para ensiná-lo a administrar a força: o pai (ou uma figura masculina próxima da família).
A primeira regra que o pai precisa estabelecer na brincadeira de luta é: nunca machucar! Com essa regra, o pai está dando um contorno a essa força no menino e, ao mesmo tempo, comunicando um valor importante para o resto de sua vida: “nunca use sua força física para ferir alguém”. O terapeuta familiar Steve Biddulph diz que “brincando junto, o pai mostra ao filho quando parar, ao mesmo tempo em que o ensina a dominar a energia e a raiva, a estabelecer limite para a agressão e assumir o controle das emoções, sem se deixar levar por elas”.
Ao brincar de luta e super-herói com seu filho, o pai também cria condições para que o menino se afaste do mundo materno (feminino) para encontrar a sua pátria (masculinidade), algo que requer luta e conquista.
As fraquezas do herói: o mover-se entre a fantasia e a realidade
Apesar de apresentar-se com uma força quase que onipotente, vestido com as fantasias do herói e empunhando sua arma poderosa, o menino vai precisar de frustrações para saber que os heróis também possuem fraquezas e limites. São as frustrações e limites impostos pelos pais, os quais farão a criança transitar de forma harmônica e saudável entre o mundo da fantasia e da realidade. Nesse sentido, as crianças precisam saber que estão sendo observadas e que seus pais têm o poder da “supervisão”.
Jamais deixe seu filho brincar em locais que ofereçam perigo à sua vida como sacada de prédios e janelas sem proteção, ou portar objetos como vidros, louças ou qualquer outro cortante ou perfurante. No entanto, por mais que os pais supervisionem os filhos, é natural que sobre aqui e acolá um arranhão ou um machucado mais acentuado. Também essas experiências de dor física ajudam a criança a transitar de forma saudável entre a fantasia e a realidade.
Ao fim deste artigo, eu repito: sim, é saudável que seu filho identifique-se com os heróis. Talvez você não queira que ele se identifique com um personagem específico por questões diversas, no entanto, tolhir essa energia “horóica” que vem para fora como um vulcão é tolhir a sua capacidade criativa para o futuro. É preciso que os pais saibam que existe uma grande diferença entre estruturar o comportamento de um filho, dando-lhes limites e educação, e sabotar o movimento saudável da sua humanidade.
Daniel Machado
Daniel Machado de Assis, natural de São Bernardo do Campo-SP, é membro da Canção Nova desde 2002. Psicólogo formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, também estudou filosofia pelo Instituto Canção Nova. Atualmente é coordenador do Núcleo de Psicologia Canção Nova que tem por objetivo assessorar e auxiliar a formação dos membros desta instituição.
Fonte: cancaonova.com
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