A anticriação quer destruir o homem afogando na cultura da morte

Homilia do Cardeal Mauro Piacenza | Penitenciário-Mor

«Fazei o que Ele vos disser»
Estas palavras da Santíssima Virgem ecoam também hoje aqui, neste lugar que, cem anos atrás, recebeu a visita de Nossa Senhora, e que continua a ser, para cada um de nós, uma referência segura e memória certa da verdade do facto cristão e da sua perene atualidade.
Também a nós, a “ Cheia de Graça” repete hoje essas mesmas palavras: «Fazei o que Ele vos disser», apelando tanto à nossa inteligência, para que possamos discernir os sinais dos tempos atuais, como à nossa vontade, para que façamos as escolhas mais justas.
Em Caná da Galileia teve início o ministério público de Jesus e, conjuntamente, a sua própria manifestação. Assim, o mistério das bodas de Caná é, ao mesmo tempo, cristológico, profético, eucarístico e mariano; e lateja no âmbito de um contexto esponsal.
O que nos diz a nós, tudo isto? O que diz à Igreja, tudo isto?
Diante dos “dragões” deste mundo, que agora e sempre querem devorar o Filho da Mulher do Apocalipse, como ouvimos na Primeira Leitura, que nos diz hoje Maria?
Maria repete de novo: «Fazei o que Ele vos disser», convidando-nos agora e sempre, e antes de mais, a que reconheçamos o seu Filho, a que reconheçamos que, na carne do Homem Jesus de Nazaré, habita corporalmente a plenitude da Divindade (Col 2,9).
Quem, ao contrário, nega, ou esconde, a unicidade irrepetível do mistério da Encarnação, não vem de Deus.

A primeira obra que Nossa Senhora nos convida a praticar é, justamente, a obra da fé, da qual tudo o resto constantemente decorre.
Damo-Vos graças, Branca Senhora de Fátima, porque sempre, e em particular neste lugar, nos recordais como o centro da nossa fé está no reconhecimento de que Jesus de Nazaré é o Senhor e o Cristo, centro do cosmos e da história (cf. Act 4,12).
Hoje em dia, no atual contexto cultural, e mesmo naquele eclesial, este reconhecimento é certamente profético.
Ao repetir-nos «fazei o que Ele vos disser», Maria convida-nos a sermos profetas.
Convida-nos, não só a repetirmos as palavras do Senhor, numa atitude de obediência humilde à divina Revelação, mas também a permitirmos que o Espírito Santo plasme a nossa mente e o nosso coração, e que a graça santificante sustenha as nossas obras, de modo a que toda a nossa existência seja “profética”, um anúncio de Cristo, da sua presença, da salvação que Ele nos traz; exatamente como em Caná.
Devemos reconhecer que hoje, na velha e cansada Europa, ser autenticamente fiéis e crentes, e acolher a divina Revelação na sua integralidade, se tornou uma atitude contracorrente; sob certo ponto de vista, até mesmo uma atitude escarnecida, mas aqui vem-me à mente o discurso da Montanha: “Bem-aventurados, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa” (Mt 5, 11). É precisamente por isso que se trata de uma atitude “profética”, que anuncia a verdade do Cordeiro imolado que, sem proferir palavra alguma, toma sobre si o pecado do mundo.

Obrigado, Branca Senhora de Fátima, porque, como fizestes com o vosso amado Filho, também a nós nos apoiais na subida até ao Calvário; apoiais-nos na árdua luta de quem quer dar testemunho; obrigado, porque, connosco e por nós, continuais a “esmagar a cabeça da serpente”, que sempre arma as suas ciladas para corromper a verdade da fé, com a mentira, e para corromper a pureza da vida, com tentações e compromissos.
A consciência da unicidade de Cristo vibra, desde há dois mil anos, no mundo, através da Igreja, e, de modo especial, através da celebração da Santíssima Eucaristia, na qual a Igreja afirma e vê realizado “tudo aquilo que ela é e tudo em que acredita” (Dei Verbum, n. 8).
Este «Fazei o que Ele vos disser» é, então, uma antecipação do comando de Jesus aos Apóstolos na Última Ceia: «Fazei isto em memória de mim.»
Vigiemos, pois, caríssimos irmãos, para que não acabe o “bom vinho” da nossa fé; para que o “bom vinho” da nossa fé não se veja aguado pela nossa constante mundanização, pelo ceder às tentações do mundo e à ditadura do “pensamento único” que é difundido com todos os meios, e que, incessantemente, procura “reduzir o mistério”.
Jamais permitamos que as nossas celebrações eucarísticas se tornem “bodas sem o esposo”: isto é, simples banquetes de uma qualquer festa humana, dos quais está ausente o próprio protagonista, neste caso, Cristo, o Único Esposo da Igreja. Se isso acontecesse, caríssimos amigos, se o Esposo estivesse ausente, também a Esposa deixaria de ser esposa. Se, nas nossas Eucaristias, o centro não fosse Cristo, a Igreja perderia a própria identidade, e, como tantas vezes adverte o Papa Francisco, reduzir-se-ia a uma mundana organização não governamental.
Obrigado, Branca Senhora de Fátima, porque, nesta celebração eucarística, nos repetis mais uma vez: «Fazei o que Ele vos disser», e nós obedecemos à ordem do Senhor: «Fazei isto em memória de mim.»
Mostrar Cristo e convidar os homens a que façam a sua vontade é precisamente o empenho da Santíssima Virgem. Não há, de facto, quem, mais do que Ela, creia em Cristo e O ame, assim como não há quem ame a Santíssima Virgem mais do que o seu Filho, Jesus Cristo.
Nesta relação única e irrepetível entre Mãe e Filho, manifesta-se e cumpre-se “a obra de Maria” na história. Manifesta-se e cumpre-se a realização da vontade do Pai, iniciada com o “Eis-me aqui” da Anunciação, e que não tem fim.
A Bendita entre as mulheres é realmente a Mulher dos “Eis-me aqui”, e pronuncia este seu “Eis-me aqui” por toda a eternidade, assim também na glória do Paraíso.
Em suma, poderíamos quase dizer que o “Eis-me aqui” pertence à ontologia mariana: o ser da Santíssima Virgem é um ser criado para o “Eis- me aqui”, pronunciado no amor e em liberdade.
Por isso, pela sua total disponibilidade à vontade divina, a “Sempre Virgem” tem a força e a autoridade para nos dizer «fazei oque Ele vos disser». Ela é cumprimento pleno do querer divino.
Temos a certeza de que obedecendo ao convite de Maria, também a água das nossas ânforas será transformada por Cristo em vinho excelente!

Estamos certos de que as “ânforas” da nossa vida, repletas dessa água que é a nossa liberdade, um vez que esta seja oferecida ao Senhor, serão por Ele enchidas de “vinho bom”, de salvação, vinho de festa e de alegria, daquela presença sacramental, e por isso real, que tem o seu máximo cumprimento terreno na Eucaristia.
Se na Eucaristia, Cristo se dá, hoje e sempre, à humanidade, então, também não pode estar ausente de cada celebração eucarística Aquela que, de uma vez para sempre, deu Cristo ao mundo.
Aquela que é o primeiro “sacrário” e a primeira “custódia viva” na história, Aquela que dá a carne ao Filho de Deus, quis manifestar-se aqui, neste lugar: em Fátima!
E foi aqui, neste lugar, que quis não apenas exortar os homens à oração, à penitência e à conversão, mas também prepará-los para o futuro, profetizando e indicando as lutas e as canseiras, as cruzes e as batalhas que são chamadas a cumprir as almas, e com elas a própria Igreja, que vive nas almas.
A fé, ensinada com autoridade pelo Magistério ininterrupto no Catecismo da Igreja Católica, diz-nos que, no fim da história, chegará um tempo de sofrimento para a Igreja, um tempo de kenosi e de pobreza da fé (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 677).
Por essa razão, Nossa Senhora, também aqui em Fátima, repete hoje à Igreja e ao mundo «fazei o que Ele vos disser», a fim de que a ninguém suceda a desgraça de não estar preparado quando o Senhor vier.

Obrigado, Branca Senhora de Fátima, porque, depois da assunção na glória do Paraíso, não abandonastes a humanidade que caminha, mas sustendes-nos e guiais-nos nesta peregrinação que tem por meta o abraço com o vosso Filho e o estarmos sempre sob o vosso manto.
Obrigado, porque, hoje também, nos repetis «Fazei o que Ele vos disser», neste cenáculo de amor que é Fátima.
As quatro dimensões da mensagem de Caná, cristológica, profética, eucarística e mariana, palpitam no contexto esponsal das bodas. Sabemos bem que elas nos remetem vigorosamente para a Aliança da criação, a primeira aliança do Antigo Testamento, pela qual Deus decide fazer de Israel a sua esposa, mas também para a aliança definitiva, em Jesus Cristo.
O que é este contexto esponsal nos diz hoje, aqui em Fátima, à nossa existência de cristãos?
Penso, antes de mais, em dois aspetos, um pessoal e o outro social, e ambos dotados de particular relevo.
O primeiro, creio poder vê-lo no caráter esponsal de cada alma em face de Cristo.
Perguntemo-nos, pois: estão as nossas almas unidas de modo esponsal ao Senhor? Vivem elas aquela pureza que é necessária para poderem apresentar-se nas bodas do Cordeiro? Para se apresentarem no banquete eucarístico?
O segundo aspeto, o aspeto social, diz respeito ao tremendo ataque ao matrimónio que, em todo o mundo, foi desencadeado, qual último assalto do maligno.
Como mostra claramente uma carta da Irmã Lúcia, o último ataque do demónio será lançado sobre a família, esse instituto natural querido pelo Criador, Que “homem e mulher os criou”, ordenando-lhes: “sede fecundos e multiplicai-vos” (Gen 1, 27-28).
Este violento ataque à família é sem precedentes na história, tanto de um ponto de vista cultural como sob o aspeto jurídico, e cumpre-se nele aquilo que, para o dragão do Apocalipse, ou seja, o demónio, é a anti-criação.
O demónio, que é o macaco de Deus, quer imitar o Criador “ao contrário”, convencendo os homens do facto de que a anti-criação poderá ser mais bela, mais prazenteira, e em tudo melhor do que a criação de Deus.
Em que consiste, então, esta anti-criação?
Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, e pô-lo nessa irrenunciável relação de unidade-dual entre homem e mulher, que é pressuposto indispensável para a vida.
O demónio, na sua anti-criação, quer destruir o homem afogando-o na cultura da morte. E, não contente com isto, satanás quer também destruir “o lugar” em que a vida vibra, se comunica e se educa: a família.
A anti-criação, que se realiza pela supressão da vida, tem como eco a anti-criação que se realiza na destruição cultural da família.
Cumprir a vontade de Deus, discernir os sinais dos tempos, significa, para nós, hoje, aqui em Fátima, resistir! Resistir com a força da fé e da caridade!
Estamos convencidos de que nada é mais profético, mais moderno, mais anticonformista do que defender a vida, a educação, reconhecendo que elas constituem hoje uma verdadeira emergência.

Caríssimos amigos, um dia, o mundo há-de agradecer à Igreja por ter defendido sem temores nem compromissos a vida e a família, e com elas, a civilização!
Branca Senhora de Fátima, nós nos comprometemos, diante de Deus, nesta celebração do 13 de Setembro, a cumprir a Sua vontade, obedecendo à vossa palavra de Mãe, que, agora e sempre, nos repetis: «Fazei o que Ele vos disser.»
Para isso, queremos renovar, hoje, nesta Eucaristia, a nossa consagração ao vosso Imaculado Coração, na esperança trepidante do cumprimento da vossa promessa, a do Vosso triunfo completo nos nossos corações e no mundo, para o verdadeiro bem de todos os povos, para que possam ser preservados da corrupção, das calamidades, da violência e das guerras!

Amém!