O tema da amizade é sempre especial! Criamos laços na família, escola, trabalho, universidade, paróquia e até no ambiente digital.
Com os nossos amigos podemos ser livres, verdadeiros e autênticos. Intrinsecamente, estão conceitos como lealdade, confiança e sinceridade: “Perfume e incenso trazem alegria ao coração; do conselho sincero do homem nasce uma bela amizade” (Provérbios 27,9).
Se nas nossas relações humanas esperamos viver tais atitudes, imaginem entre duas pessoas escolhidas e enviadas pelo Pai? Estamos a falar de Jesus e Maria, o Filho de Deus feito homem e aquela concebida sem pecado.
Ou seja, já parou para pensar que, além do forte vínculo como filho e mãe, Jesus e Maria eram amigos? Para contemplar esta amizade, podemos usar a nossa imaginação.
Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola sugerem fazer a “composição do lugar”. Ou seja, ao lermos um texto bíblico, entramos na cena; assumimos o papel de um dos personagens; imaginamos como seria o cenário, o ambiente, a hora do dia, o clima, os sentimentos etc. Não se trata de criarmos uma interpretação própria sem nos basearmos no entendimento total da Bíblia, conforme a doutrina e magistério da Igreja, mas sim de aplicarmos a passagem em questão à nossa vida como forma de crescer na intimidade com Deus através das escrituras.
A partir da imaginação, o Espírito Santo ilumina a mente e o coração a fim de que a Palavra de Deus se torne viva e eficaz: “A Palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4,12).
Tudo isso para também nos aprofundarmos na amizade de Jesus e Maria. Vejamos o conhecido texto das Bodas de Caná:
No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia, e a mãe de Jesus estava lá. Também Jesus e seus discípulos foram convidados para o casamento. Faltando o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm vinho!” Jesus lhe respondeu: “Mulher, que é isso, para mim e para ti? A minha hora ainda não chegou”. Sua mãe disse aos que estavam servindo: “Fazei tudo o que ele vos disser!” Estavam ali seis talhas de pedra, de quase cem litros cada, destinadas às purificações rituais dos judeus. Jesus disse aos que estavam servindo: “Enchei as talhas de água”! E eles as encheram até à borda. Então disse: “Agora, tirai e levai ao encarregado da festa”. E eles levaram. O encarregado da festa provou da água mudada em vinho, sem saber de onde viesse, embora os serventes que tiraram a água o soubessem. Então chamou o noivo e disse-lhe: “Todo o mundo serve primeiro o vinho bom e, quando os convidados já beberam bastante, serve o menos bom. Tu guardaste o vinho bom até agora”. Este início dos sinais, Jesus o realizou em Caná da Galileia. Manifestou sua glória, e os seus discípulos creram nele. (Jo 2,1-11)
O diálogo entre mãe e filho expressam uma profunda relação de liberdade entre ambos. Maria atenta às necessidades daquela festa e dos noivos, logo disse a Jesus que eles não tinham mais vinho. Jesus, por sua vez, respondeu que sua hora ainda não havia chegado. Essa “hora” seria, na verdade, a “hora final” de Cristo na sua entrega total na Cruz, a qual aponta, sobretudo, para a Ressurreição. O milagre das Bodas de Caná, portanto, antecipa o que seria completado no Calvário.
Mas voltando ao ponto da conversa entre a Mãe e o Filho, era como se os dois conhecessem tanto o coração um do outro que Maria acolheu as palavras de Jesus; intuiu, a partir deste primeiro milagre de Jesus, todo o caminho de sofrimento que viria pela frente; e não deixou de intervir e dizer aos servos: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Maria representava o povo de Deus, esposa da Igreja e tinha uma comunhão profunda com seu Filho. Sua atitude retratou, assim, esse desejo de comunhão não apenas para que Jesus fizesse um milagre, mas para que todos acreditassem Nele, o amassem e também vivessem constantemente na amizade e bodas com o Cordeiro.
A amizade entre Maria e Jesus foi construída a partir de laços espirituais e humanos. Em todas as etapas da formação de Jesus, Maria estava presente; ensinou-lhe as boas maneiras, como cuidar de suas coisas; introduziu-o na cultura e tradições judaicas; acompanhou todas as suas fases, desde a infância, juventude e idade adulta. Na vida pública de Cristo, Nossa Senhora esteve presente em diversos momentos, alegrava-se, orava, conversava e estava junto até o fim. Como bons amigos, deviam partilhar as coisas do coração, sofrimentos e angústias.
A manifestação de Jesus nas Bodas de Caná também simboliza o que Deus deseja com todos os seus filhos: casar-se com a humanidade! Deste modo, a amizade com Maria representava esse casamento com a humanidade. Um amor de comunhão, fidelidade, lealdade e entrega em todas as adversidades: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos.” (João 15,13)
Jesus e Maria tinham essa total capacidade de dar a vida um pelo outro, pelos amigos e até pelos inimigos, como fez Cristo por toda a humanidade. Ou melhor, não seria apenas uma capacidade, mas fazia parte da sua essência. Eram pessoas sem a marca do pecado original e viviam plenamente no amor e comunhão com o Pai.
O melhor vinho de toda amizade é a entrega e identificação plena com a Santíssima Trindade. Uma união que não se esgota em si, mas vai até ao outro, sobretudo os mais necessitados, os que sofrem e choram e precisam de nosso ombro amigo.
Por fim, é cumprir o desejo e convite do Senhor para todas as pessoas: que nos casemos com Ele! Estejamos sempre nessa absoluta comunhão. Assim, seremos felizes e bem-aventurados: “Felizes os convidados para a ceia das núpcias do Cordeiro” (Ap 19,9).
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