Mais uma jornada concluída!
Hoje, completamos mais um trecho da nossa jornada de partilha e testemunho de vida. Nossa intensão era levar algo vivido em Deus, que pudesse trazes luz ao caminho de tantos que estão sofrendo situações de igual ou maior intensidade de angústia. No fim das contas, fez um bem tremendo para mim e minha esposa falar daquilo que Deus realizou em nossa casa.
Semana passada, narrei o fim dos dias de hospital da minha pequena filha, que havia sido desenganada pelos médicos da UTI, mas que, agora, pôde ir para casa. Focamos mais no que eu estava vivendo naquele momento, um mix de alegria e o estranhamento de ser diagnosticado em mim um quadro de depressão.
Eu estava sentindo muita dor no corpo, as quais quase que me paravam! Num dos últimos dias da Maria Júlia ainda no hospital, ela já desfrutando da presença da minha esposa o tempo todo com ela, ao ir embora passei antes no mercado. Nessa hora, as dores estavam tão fortes, que só não parei por completo no meio do mercado, porque estava com o André, e não havia ninguém por ali para cuidar dele por mim.
As raízes dos meus conflitos
Quando ainda bebê, uma panela de água fervente caiu sobre mim. Passei 12 dias numa ala de queimados do Hospital de Base de Brasília. Foram 12 dias sem ter nenhum contato com meus pais. Isso me marcou de tal modo, que me tornei uma criança com muito medo de me afastar de meus pais. Por muitos anos, tive pesadelos com “esse tema”. Quando meu pai faleceu, eu não tinha nem dois anos de idade. Minha mãe nunca voltou a se casar. A lacuna de presença paterna e masculina me acompanhou e trouxe suas consequências em minha vida. Tornei-me inseguro e ansioso.
Comecei a trabalhar jovem, tive uma vida puxada de trabalho durante o dia e escola à noite desde a adolescência. Fui assumindo responsabilidades desde novo. Ao vir para a Canção Nova, logo no início, ajudei a acompanhar meus irmãos mais novos em sua caminhada formativa e não parei mais. No entanto, a ansiedade, sempre crescente em mim, levou-me a um tempo em que tive dificuldades para dormir. Eu não sabia nem permitia me poupar. Mesmo sendo bem acompanhado, fora o problema de não dormir direito, não manifestava mais nenhum tipo de distúrbio em meu dia a dia que pudesse levantar alguma suspeita de doença.
Após as três experiências de UTI em minha família, três situações nas quais passei por picos de estresse além do comum, meu corpo resolveu pedir ajuda sob a forma de estafa. Foi crescendo um cansaço mental. Eu estava muito esquecido, e cada raciocínio era lento e difícil. Passei a ter medo de dirigir e perdi o controle sobre todos os pensamentos que brotavam em minha mente.
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Fui aos meus superiores, na Canção Nova, e eles me encaminharam para uma psiquiatra. Comecei a ser medicado e fui afastado do trabalho. Eram três remédios, e todos eles para tratamento de depressão. Uma nova cruz passou a fazer parte da nossa família e história.
A Elisa passou um pouco mais de uma semana no hospital com a Maria Júlia. Não me lembro exatamente por que ela demorou todo esse tempo. Ao ir para casa, minha esposa passou a cuidar de três crianças: André, Maria Júlia e eu. Não conseguia fazer quase nada para ajudá-la.
Passei a ter, comigo mesmo, várias decepções: praticamente inútil dentro de casa para a minha família. Logo que começava a ajudar a Elisa, tinha que parar por conta da dor no corpo. Não conseguia brincar com meu filho, e como pai educador, toda hora errava com ele. Como ele estava com três anos, era difícil entender as minhas atitudes.
Como podia? Eu estava tão ligado à vida de oração, havia passado pela experiência de vários e verdadeiros milagres em minha vida e na vida da minha família! Fui tão bem amparado por meus amigos, familiares, irmãos de comunidade, e, agora, caio em tratamento de depressão!? Administrar tudo isso, em meu coração, era muito difícil, ainda mais que, afastado do trabalho, tinha muito tempo para pensar nessas coisas.
Eu não queria ficar assim. Era preciso agir!
Ficar parado nesses pensamentos só me atrapalhava. Minha primeira atitude, então, foi aceitar minha condição; também não tinha outra coisa a fazer. Essa era a realidade. Tentar fugir dela, tentar não a aceitar, pensar que não era aquilo, que não tinha aquela doença, poderia acabar me colocando no fundo de um poço fundo, úmido, barrento, fedido e escuro. Aceitar aquilo era aceitar, num mesmo ato, a ação e o ensinamento que Deus pode operar na minha vida naquela fase, tendo como o barro nas mãos do oleiro, a mim mesmo, inteiro, com a saúde e com a doença. Tive de aceitar, ao mesmo tempo, toda a minha condição humana com suas limitações, fragilidades e imperfeições, mas com isso perceber que Deus é muito mais na minha vida do que eu mesmo. Inúmeras vezes, quando faço algo bom e belo, verifico que, antes, foi Deus quem me conduziu. O eixo e o foco da minha visão foram sendo ajustados um pouco melhor para Deus, que me abrange muito mais do que poderia imaginar.
Aceitei, mas não me conformei àquilo. Deus ia me conduzir por uma estrada que não havia ainda trilhado dentro do terreno do meu coração. Abriu-me a situações, experiências e conhecimentos interiores, conhecimento humano antes profundamente estranhos e desconhecidos a mim.
Já se passaram anos. Maria Júlia, apesar de ainda ter dificuldade em se expressar, ficou sem sequelas, pois isso se tornou um problema passageiro. Foi mais um milagre já alcançado!
Eu estou já quase sem medicamentos para o controle da estafa e, continuamente, em processo de retirada do único remédio que ainda tomo.
Posso testemunhar que esses últimos sete anos, que marcaram o início desse testemunho, mudaram profundamente a minha vida. Eu pude aprofundar ainda mais meu encontro pessoal com Jesus, a ponto de testemunhar que eu vi o Senhor!
Ainda estou em processo, em caminho rumo a Deus, louvando e agradecendo a Ele por tudo o que passei e que se tornou a substância do meu encontro pessoal com Jesus.
Conto com suas orações para que eu não me afaste da minha história, da minha realidade nem de Deus.
Também espero, com tudo isso, ter ajudado você de alguma forma. Desejo poder continuar.
Roger de Carvalho, é membro da Canção Nova desde o ano 2000. Ingressou na comunidade aos 19 anos de idade.
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