Há quanto tempo não levamos o nosso automóvel ao mecânico? Porque é que o levamos à oficina? O que significa quando se acende uma luz no painel do nosso automóvel ou quando a luz do combustível se acende? Todos sabemos que esses sinais de alerta indicam que algo se passa com o nosso automóvel e que se não agirmos rapidamente, arriscamo-nos a ficar parados no meio da estrada!
E na nossa vida de casal ou familiar, quantos sinais de alerta é que estão a piscar no painel da nossa relação? Quando é que foi a última vez que levámos a nossa relação de casal ou familiar ao “mecânico”?
Saber interpretar os vários sinais de alerta, que se apresentam na nossa vida a dois, permite-nos entender que muito provavelmente estamos a passar uma etapa de crescimento da família e que provavelmente podemos estar a precisar da intervenção de um especialista, que nos possa ajudar a olhar para esses sinais de alerta, com novas perspectivas e nos ajudar a entender que certos obstáculos não são mais do que desafios à família para crescer, ou como eu as chamo, dores de crescimento da família.
Fazendo a analogia de que a vida de casal é como uma planta viva, o Santo Padre, o Papa Francisco afirma o seguinte: “… deve ser cuidada todos os dias: é preciso ver como ela está, regá-la (…) O matrimónio é uma realidade viva: a vida de casal nunca deve ser dada por certa, em qualquer fase do percurso da família.”. (1)
A família é assim entendida como uma realidade em permanente construção, que ao início são dois, mas que depois tende a crescer e torna-se assim numa uma rede de amor e de relações que se vão entrelaçando ao longo da vida e por isso deve ser sempre cuidada e estimada.
Para muitos casais e famílias, este entrelaçar de afetos, pode tornar-se desafiante ao longo do seu percurso de formação e por isso torna-se necessário para a sua sobrevivência a procura de ajuda especializada. A terapia de casal ou familiar, apresenta-se deste modo como um espaço que visa acolher, escutar e acompanhar os casais e a sua família, respeitando sempre a sua história, bem como as suas matrizes culturais, inclusive religiosas. É por isso que é muito importante que o terapeuta saiba entender e interpretar o tipo de linguagem que é trazida pelo casal, de modo a poder ser um contributo válido para o crescimento da relação do casal e da família.
Duas abordagens, o mesmo objetivo
A terapia familiar, é uma abordagem terapêutica, que olha para a família e para todos os elementos que a compõem, como uma rede de pontos unidos e interligados entre si. Enquanto ajuda especializada, procura que cada membro da família encare os desafios da e na família como consequência de um conjunto de fatores (sejam eles internos ou externos à rede familiar), incentivando cada elemento que a compõe, a encontrar nesses mesmos fatores, o melhor recurso e a melhor resposta aos desafios aos quais está sujeita.
A terapia de casal tem como foco principal a conjugalidade e a manutenção da relação e união conjugal, ajudando o casal a conhecer-se enquanto indivíduos e enquanto casal na sua própria relação, bem como incentivar à aquisição de competências para que o casal possa enfrentar os medos individuais que cada um leva para a relação conjugal e que se vividos e trabalhados em conjunto, permitirá que a relação saía mais fortalecida. Na terapia de casal são abordados temas basilares para a relação conjugal, tais como a comunicação, a sexualidade, a auto percepção do casal em si, o perdão, etc.
5 etapas do desenvolvimento familiar (2)
Tal como ocorre ao longo de desenvolvimento humano, as fases de crescimento da vida da família, estão dividas em 5 etapas: a primeira com a formação do casal; a segunda com o nascimento dos filhos e primeiros anos de desenvolvimento; a terceira quando os filhos entram na idade escolar; a quarta quando os filhos entram na adolescência; e a quinta com os filhos já adultos e fora de casa dos pais ou ninho vazio.
Estarmos conscientes destas etapas de desenvolvimento familiar é de uma enorme importância, uma vez que nessas fases de mudança podemos vir a experimentar níveis de stress ou até mesmo crises relacionais, que não estão isentas de tensões e perplexidades, que nos deixam desorientados, desconfortáveis com a nossa própria vulnerabilidade, bem como nos levam a viver expectativas frustradas ou até mesmo a sentirmo-nos incapazes de encarar a novidade da mudança. É muito habitual que nessas fases possamos dizer para connosco: “Wow, como o(a) meu(minha) filho(a) está tão diferente!?”… “Parece que o meu marido já não é o mesmo que antes!?”… “A minha esposa está tão diferente…parece que já não a conheço!”. Tal como um ser, que nasce, cresce e se desenvolve, cada etapa de crescimento da família, se entendida como algo edificante, é como a soldadura no aço, que serve para tornar mais forte e sólida cada fase de crescimento e formação da família.
Saliento que além das etapas mencionadas, existem também outros eventos que surgem no percurso familiar, de forma improvisada e inesperada, como é o caso de uma doença, da morte, da infertilidade ou da perda e que inevitavelmente contribuem para o aumento do nível de stress, tensão e desorientação da família e do casal. Conscientes que todos estes eventos provocam muito sofrimento, contudo a forma como os encaramos irá ajudar-nos a lidar melhor com a nossa vulnerabilidade e com a vulnerabilidade do outro. Além disso, e falo por experiência própria, que se estes processos forem vividos a dois, mesmo no meio da dor e frustração, irão seguramente contribuir para a criação de novas alternativas de crescimento, bem como encontrar o seu verdadeiro sentido para a nossa vida conjugal e familiar.
A doença que se pode vir a instalar…
Acontece por vezes, e talvez mais do que gostaríamos, que a lente pela qual olhamos para a nossa relação a dois, possa estar embaciada ou até mesmo riscada e quando isso acontece, devemos consultar um “oftalmologista”. Por isso, é preciso estar atento à qualidade do amor conjugal de modo a não corrermos o risco de cair na famosa e assustadora rotina. A receita para tratar dessa “miopia” é procurar cuidar do nosso primeiro filho – e não estou a falar do primeiro rebento lá de casa, mas sim do próprio casal em si (que ao longo dos anos fica muitas vezes esquecido) – procurando por isso privilegiar momentos exclusivos para cuidar da relação do casal (ex. criar o tempo do casal). Se já lá vai o tempo em que se íamos ao cinema a dois, ou não sabíamos o que vestir para um jantar romântico… (só para dar alguns exemplos) a receita é voltar a esses tempos – talvez não seja possível com a mesma regularidade -, mas procurar o mais possível, continuar a ser criativos nas nossas manifestações de amor pelo outro e procurar ao longo do dia criar espaços e momentos de diálogo e comunicação entre o casal, bem como manter o hábito de continuarem a partilhar sonhos e falarem sobre percepções e expectativas que cada um tem para a relação, garantindo dessa forma que continuamos sintonizados na mesma largura de banda e assim aumentar a admiração mútua. Tenho vindo a constatar que existem muitas ferramentas de melhoria contínua ou de análise qualitativa usadas pelas empresas – como é o caso da Metodologia de Análise SWOT que visa a análise das forças, fraquezas, oportunidades e ameaças – e que podem ser uma ferramenta preciosa para as relações familiares e de casal.
Perdoar e Recomeçar – as duas faces da mesma moeda
Além disso e porque o casal deve ser sempre o principal ator e narrador da sua história, há duas competências que considero essenciais na relação a dois e na vida de família: a capacidade de perdoar o outro e a capacidade de recomeçar, procurando olhar o outro com olhos novos todos os dias. Culparem-se mutuamente pelas adversidades e desafios que a vida lhes apresenta, em nada contribui para a responsabilidade relacional que deve ser mantida pelos dois, por mais desafiante que seja. É que estamos perante um caminho a dois, sem porta de saída e cabe ao casal, com a ajuda dos restantes elementos da família, de outras famílias que partilham os mesmos valores ou com a ajuda especializada, a serem criativos no amor e procurarem “renovarem-se” mutuamente. E entenderem que têm diante de si uma oportunidade para se colocarem à prova e para aferir a sua resiliência a viverem de forma autêntica cada desafio que se atravesse na vossa frente e poderem no futuro partilhar com os filhos as conquistas alcançadas e tornarem-se já no momento presente, nos seus principais influencers como exemplo de resiliência e criatividade. Além disso, a participação dos casais em iniciativas que promovam a educação conjugal e parental, bem como a leitura de livros que os auxilie no seu papel enquanto cônjuges, pais e educadores é altamente recomendada, uma vez que para podermos desempenhar os papéis mais importantes das nossas vidas, devemos investir na nossa formação, tal como o fazemos para crescermos profissionalmente.
As nossas diferenças, o nosso maior tesouro
Há um trabalho de base fundamental que considero pouco explorado, que passa por termos a consciência das nossas diferenças enquanto casal, estarmos confortáveis com elas de modo a não cairmos na tentação de pretendermos mudá-las ou uniformizá-las, tornando o(a) outro(a) uma cópia de nós mesmos, esquecendo-nos que muitas dessas diferenças, – ou como lhes gosto de chamar, as individualidades particulares do outro – foram o gatilho para nos apaixonarmos um pelo outro.
Susana Silva
Mediadora Familiar
(1) Encontro com os funcionários da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano e respetivos familiares. 21 de dezembro de 2015 na Sala Paulo VI
(2) As 5 etapas do desenvolvimento familiar de acordo com Relvas, A. P. (1996). O ciclo vital da família: perspetiva sistémica. Porto: Edições Afrontamento.
Contactos:
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