Continuando a nossa linha de pensamento, dentro da antropologia cristã, a nossa vocação é o amor. Se fomos criados pelo Amor, com amor, para o amor, resumidamente a nossa vocação é: amar.
Vocação significa uma inclinação que se sente para alguma coisa, uma disposição natural do espírito, portanto o amor. Ao dizer assim parece muito simples, básico, e na verdade é. Agora o interessante é que para eu amar preciso ser livre e Deus fez-nos livres, pois só é amor se eu me decidir, livremente, a amar, caso contrário já não é amor, mas posse, uso.
Amar implica renúncias, cedências, conquistas, perdas, lutas, sofrimentos e em todas estas situações eu tenho a liberdade de me posicionar face a elas.
A nossa vocação ao amor pode ser concretizada no matrimónio ou no celibato.
Na vocação ao matrimónio eu decido amar alguém e partilhar a minha vida com essa pessoa, numa abertura à vida, portanto eu dou a minha vida pela minha família (que vou construir) e dedico-me inteiramente a essa escolha. Não é brincar aos casamentos, onde caso já a pensar que pode haver uma separação. O matrimónio não é um dia de festa, é um sacramento! Não podemos brincar com este sacramento.
João Paulo II, enquanto Karol Wojtyla escreveu “A loja do ourives” e retiro de lá um excerto para retratar, tão sabiamente, esta realidade: Ana atravessa uma crise profunda no casamento e procura o ourives (símbolo de Deus) para devolver a sua aliança “O ourives examinou o anel, pesou-o demoradamente na palma da mão e fixou-me nos olhos. Leu devagar a data do nosso casamento, gravada na parte interna da aliança. Voltou a olhar-me nos olhos e colocou o anel na balança… depois disse: ‘Esta aliança não pesa nada, a balança indica sempre o zero e eu não posso obter dela nem sequer um miligrama. Sem dúvida alguma o seu marido ainda vive – pois nenhuma aliança separadamente pesa alguma coisa, mas somente as duas juntas. A minha balança de ourives tem a peculiaridade de não pesar o metal, mas toda a existência humana e seu destino’ (…) O amor é um dos processos do universo que produzem síntese, que unem o que está separado e que ampliam e enriquecem o que é estrito e limitado.” Um sacramento é inquebrantável não dá para separar, por isso é necessário cuidar desse amor e não esquecer as promessas matrimoniais ‘Prometo amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, em todos os dias da minha vida’.
Quando me decido a viver a virgindade pelo reino dos céus, eu faço uma escolha de amar a Deus e entregar a minha vida, inteiramente, a Ele e vivo para Ele, numa continua abertura à vida, no sentido da minha vocação dar frutos. Ser consagrada (a uma congregação) ou leiga consagrada, implica que eu, livremente, dou a minha vida para ser usada por Deus, como Ele entender, vivendo o amor na sua entrega total a Deus e aos irmãos, portanto os frutos são o resultado dessa entrega. O que coloco em primeiro lugar na minha vida? O que é o meu tudo? Que renúncias faço? Quais ainda necessito trabalhar?
Viver a virgindade consagrada é viver já aqui na terra o reino dos Céus, isto é, o celibatário vive a sua vida sempre em vista o Alto, os seus olhos estão sempre voltados para Deus. Esta vida causa estranheza ao mundo, porque nos revela a vida que há-de vir, pois esta decisão de vida indica as nossas origens e o nosso destino (viemos de Deus, somos chamados a viver em Deus e voltaremos para Ele).
A nossa vocação não é uma brincadeira, mas um chamado de Deus a melhor servi-Lo aqui na terra, sempre com vista a vida Eterna, pois ,como diz Santo Agostinho “Inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em ti”.
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